“A Entidade das Contas desempenhou um papel muito importante mas pergunto se não seria melhor passar a fiscalização para o Tribunal de Contas”, sugeriu o professor Jorge Miranda, que moderou hoje um colóquio organizado pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sobre o financiamento dos partidos políticos.
O constitucionalista referia-se ao diploma que alterou regras do financiamento e fiscalização das contas dos partidos políticos e das campanhas, vetado pelo Presidente da República, e que será em breve reapreciado no parlamento.
O diploma transfere do Tribunal Constitucional para a ECFP – composta por um presidente e dois vogais – as competências para apreciar as contas, fiscalizá-las e aplicar coimas – cabendo depois recurso para o plenário do TC.
Para Jorge Miranda, o Tribunal de Contas “tem larga experiência, meios muito importantes” que não se comparam às capacidades da ECFP, que funciona com “um número ridículo de pessoas”.
“Considero extremamente absurdo pedir que a Entidade fiscalize efetivamente”, disse, reconhecendo que desde que foi criada, em 2005, a Entidade “desempenhou um papel muito importante”.
“A fiscalização dos abusos e desvios é muito importante para a autenticidade da democracia representativa, que é, aliás, cada vez mais partidária”, disse.
Quanto ao financiamento, Jorge Miranda – muito crítico sobre o processo legislativo que conduziu ao diploma vetado em dezembro – defendeu que os partidos, como associações de direito constitucional, devem ser sobretudo financiados através das quotas dos seus sócios”.
Nas campanhas eleitorais, disse, deve prevalecer a igualdade de oportunidades, propondo que a subvenção pública seja por candidato apresentado e proporcional aos eleitos.
A ex-presidente da ECFP Margarida Salema e professora na Faculdade de Direito, que participou no colóquio, advertiu no mesmo sentido que a apreciação das contas e fiscalização passará a ser feita por “três criaturas, uma delas revisora oficial de contas”, pessoas cujo “estatuto não está à altura de um juiz do Tribunal Constitucional ou do Tribunal de Contas”.
“O legislador faz esta transferência de competências sem qualquer cuidado, é caótica”, considerou, admitindo que seja previsível um aumento exponencial dos recursos apresentados pelos partidos por cada decisão tomada pela ECFP.
Por seu lado, a investigadora Marina Costa Lobo referiu-se ao recente processo eleitoral para a eleição do presidente do PSD, frisando que a campanha interna “custou dinheiro” e que há “uma enorme falta de transparência sobre a distribuição interna do dinheiro nos partidos”.
Uma situação que é comum noutros partidos políticos a nível europeu, disse, considerando que a “questão da circulação interna do dinheiro nos partidos é crucial” porque estão em causa “milhões de euros de subvenções”.
Margarida Salema insistiu nas críticas que tem feito ao diploma quanto à retroatividade da lei aprovada e vetada em dezembro afirmando que “se alguém pensou, eventualmente o Tribunal Constitucional, que só se aplicaria aos processos pendentes no TC, enganou-se”.
A norma em causa estabelece que a lei aplica-se aos “processos novos e aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor que se encontrem a aguardar julgamento, sem prejuízo da validade dos atos praticados na vigência da lei anterior”.
O diploma prevê que os partidos passam a poder pedir a devolução do IVA pela aquisição de bens e serviços independentemente da finalidade. A anterior lei estipulava que só tem direito à devolução as aquisições relacionadas com a atividade de propaganda e mensagem partidária.
Segundo Margarida Salema, a norma transitória “aplica-se a todo e qualquer processo que não tenha caso julgado” e, perante uma lei que é mais favorável, os tribunais “aplicarão a norma mais favorável, como é normal”.
“Isto significa que os processos pendentes serão todos arquivados”, disse, referindo os processos pendentes nos “tribunais comuns, civis, toda a matéria de dívidas dos partidos e processos pendentes de devolução do IVA”.
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