Apesar de não apontar uma data concreta, Graça Freitas disse, em entrevista à agência Lusa, que o número de casos de covid-19 continua a diminuir, bem como o número de internamentos e de óbitos.

“Temos a expectativa positiva de que no início de abril ou final de março” se desça o patamar estabelecido pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doença de passar para menos de 20 mortes por milhão de habitantes a 14 dias.

“E, portanto, continuamos a acompanhar a evolução da mortalidade. Obviamente não sabemos dizer o dia exato em que isso vai acontecer, mas temos uma expectativa positiva”, salientou na entrevista a propósito dos dois anos de pandemia em Portugal, assinalados hoje.

Graça Freitas adiantou que Portugal faz parte dos países que, estando ainda com uma atividade intensa da doença, está com todos os seus indicadores com uma tendência decrescente.

“Isso dá-nos confiança de que na primavera teremos uma situação epidemiológica mais favorável do que temos agora e, portanto, possibilitando eventualmente novos abrandamentos das medidas que estamos a tomar”, explicou.

Sobre o relatório da situação epidemiológica da covid-19 da DGS deixar de ser diário, Graça Freitas disse que o processo está em transição.

“Nós produzimos semanalmente 10 documentos diferentes para finalidades diferentes e aquele que é mais conhecido é o chamado boletim diário”, mas “estamos a trabalhar com a tutela no sentido de criar um novo boletim”, anunciou.

Segundo Graça Freitas, o boletim terá outras indicações que permitem acompanhar “com transparência, como sempre, a epidemia, mas sem ser numa base diária”.

“Aquilo que interessa dizer é que o sistema está montado com uma série de sensores que nos vão permitir acompanhar ao dia e à hora mudanças que ocorram na dinâmica do vírus e na transmissão da doença e da sua gravidade”, disse.

Invernos podem implicar passos atrás nas medidas de proteção

A diretora-geral da Saúde admitiu que nos próximos invernos seja necessário ir dando uns passos atrás nas medidas de proteção, fazendo regressar algumas, e que em muitos casos nem vai ser preciso recomendações oficiais para isso acontecer.

“Sim, pode acontecer que nos próximos outonos e invernos seja necessário adaptar medidas. Uns anos serão mais restritivas, noutros menos”, admitiu Graça Freitas.

A responsável pela Direção-Geral da Saúde (DGS) considerou que tais comportamentos não vão ser difíceis de adotar pelos portugueses, sublinhando: “O ser humano tem uma grande capacidade de adaptação e este será mais um fator que aparece nas nossas vidas e vamos aprender a lidar com ele quase instintivamente”.

“Vamos chegar a uma altura em que quase não vão ser precisas recomendações e é isso que se espera, que a população, os serviços, a sociedade se adaptem, flexibilizando medidas, mas de forma que essas medidas impactem o mínimo possível na nossa vida social e económica”, afirmou, sublinhando: “Não há como sair disto até percebermos as características do vírus, e ele é um vírus muito jovem”.

Deu como exemplo o vírus da gripe, que mesmo sendo conhecido e um vírus a que os portugueses estão já habituados, "nalguns invernos provoca maior pressão sobre os serviços de saúde e as urgências".

“Não temos previsão de como vai ser o comportamento do vírus SARS-CoV-2 e nada garante que as novas variantes venham a ser mais benignas do que as anteriores.. podem ser mais complexas”, afirmou.

Graça Freitas disse que, para futuro, será preciso “alguma capacidade de adaptação”.

“Vamos ter de encontrar um equilíbrio entre fazer a nossa vida habitual, com algumas restrições, que serão maiores nuns anos e menores noutros”, acrescentou, referindo que tudo terá de ser avaliado à medida da evolução do comportamento do vírus.

Disse ainda que agora se vive um período de recuperação entre ondas da pandemia e que chegará uma nova, “só não se sabe quando”.

Graça Freitas chamou ainda a atenção para o facto de haver variantes de preocupação, dando como exemplo o “novo braço da variante Ómicron, que é bem diferente da primeira”.

Sobre o fim do uso das máscaras nos espaços interiores, defendeu que qualquer decisão só será tomada após análise dos especialistas, pois terá de ser sempre avaliada “a curva epidémica”.

“Há de chegar um momento em que se vai considerar tirar as máscaras nos espaços interiores, quando não tiver impacto na subida da onda, significativo, pelo menos”, afirmou a especialista, acrescentando: “serão os especialistas a dizer-nos qual será esse momento (…), quando não impactar negativamente nem na incidência, nem nos internamentos nem nas mortes”.

“É como abrir as tais comportas – nós vamos pondo comportas para conter o vírus – para voltar a nossa vida normal”, exemplificou.

Sobre o uso de máscaras pelas crianças, afirmou: “as crianças têm uma grande capacidade de recuperação e uma longa esperança de vida para que todos estes processos sejam incorporados”.

“Tenho uma enorme compreensão pelas crianças (…), mas todos gostaríamos de voltar a ver a cara das pessoas como ela é, e não como tem estado no últimos dois anos”, acrescentou.

Pandemia foi um trajeto longo e difícil

Dois anos depois do início da pandemia, a diretora-geral da Saúde admitiu que foi um trajeto longo e difícil, com muita resiliência dos serviços para responder aos portugueses, que tiveram um comportamento “extraordinário” na adesão às medidas e aos confinamentos.

“Foram dois anos longos e difíceis” vividos como muita intensidade por profissionais e pela população, disse Graças Freitas, um dos rostos do combate à pandemia em Portugal.

No seu entender, a palavra “diferença” é a que caracteriza este período, marcados por “alguma ansiedade e algum medo”.

“Houve de facto uma mudança total nas nossas vidas que não começou no dia 02 de março [de 2020]. Essa mudança começou sem nós sabermos no dia 31 de dezembro de 2019 quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a China descobriram que havia um novo vírus com potencial de se tornar pandémico”, recordou.

Foi nessa altura que começou “toda a nossa saga”, comentou Graça Freitas, considerando que a “pior fase” da pandemia foram os primeiros meses, em que havia ignorância em relação ao vírus e incerteza, mas considerou que se deve ter orgulho do que foi feito.

“Desde o início que o Ministério da Saúde, e as suas agências centrais, e os outros ministérios tinham um rumo para se orientar”, nomeadamente um plano de contingência para emergências.

Nessa altura, havia dois ou três hospitais dedicados à covid-19, uma linha de apoio a médicos, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge que fazia as análises e o INEM que transportava os doentes.

“Essa foi a primeira fase em que tentámos conter ao máximo a doença e ao mesmo tempo (…) foi-se preparando a resposta para as outras fases”, salientou.

Para Graça Freitas, isto foi “muito importante” porque em simultâneo davam resposta aos doentes e às ameaças e programavam o futuro, com a aquisição de mais equipamentos, reforço das camas de intensivos e a preparação de medidas, o que, disse, “correu bastante bem essa fase inicial”.

Depois aconteceu “uma coisa muito importante”, o dever do recolher obrigatório.

“Houve uma resposta extraordinária a dois níveis: das pessoas que confinaram ordeiramente e das pessoas que não tendo confinado garantiram o confinamento dos outros”, salientou.

Graça Freitas lembrou “os milhares” de trabalhadores da saúde, do setor da distribuição, dos trabalhadores das autarquias mantiveram o país a funcionar para que os restantes pudessem cumprir o seu confinamento.

“Acho que isso foi um feito absolutamente extraordinário”, realçou, observando que não houve quebras em cadeias de abastecimento, falhas na prestação de cuidados ou lixo acumulado.

Ao longo do tempo, reforçou-se a saúde pública, os equipamentos, infraestruturas da saúde, do setor social e de outros ministérios. “Tudo isto foi-se fazendo para preparar futuras ondas, porque sabíamos que à primeira onda seguir-se-iam outras (..) é assim na história dos vírus”, declarou.

A diretora-geral da Saúde destacou também a importância de se criar “uma grande infraestrutura de atendimento ao domicílio” no dia 04 de abril de 2020 e que deu início a uma nova fase.

“Nós percebemos, dentro da incerteza, que a maior parte dos doentes não ia ter serviço de atendimento em serviços de saúde e, portanto, não devia ir para lá porque não beneficiava do ponto de vista da sua saúde e podia contagiar outros”, explicou.

Com esta plataforma, “milhares e milhares de portugueses” ficaram em casa com o apoio médico à distância.

Simultaneamente, as equipas de saúde pública colocavam em isolamento profilático os contactos desses casos para evitar cadeias de transmissão comunitária e davam-lhes apoio.

“Foi um movimento muito importante porque senão teríamos tido uma avalanche de procura de cuidados de saúde”, salientou a especialista em saúde pública.

Graça Freitas quis deixar uma homenagem não só às pessoas que morreram durante a pandemia, mas a todas que passaram por um longo processo de internamento e recuperação, sobretudo, as que foram para cuidados intensivos que, “tendo sido bem tratadas e tendo sobrevivido passaram uma fase muito má das suas vidas”.

“Para as pessoas que às vezes dizem que esta doença não foi mais do que uma gripe, eu recordo as 21.086 pessoas que morreram [em Portugal] por covid – não morreram com covid - e os mais de três milhões que adoeceram”, vincou, rematando que foi “um período doloroso”.

[Helena Neves e Susana Oliveira (texto) e José Goulão (fotos), da Lusa]