Cristina Ferreira de Almeida, jornalista, despediu-se da profissão que exerceu durante largos anos para tentar aquilo que designa como a sua "terceira via": o poder local. O objetivo, garante, é o mesmo que a levou a estudar sociologia e a ser jornalista: ter alguma intervenção na comunidade e contribuir para alguma coisa. A comunidade que escolheu é aquela que melhor conhece, o bairro de Campo de Ourique em Lisboa onde nasceu e cresceu, e o partido pelo qual concorre é o PSD. A candidata à junta de freguesia de Campo de Ourique descreve Teresa Leal Coelho, candidata do PSD à Câmara Municipal de Lisboa, como uma "pessoa corajosa e uma mulher de armas" e assume que, se os resultados assim o ditarem, não terá problemas em trabalhar com o atual presidente da autarquia e candidato pelo PS, Fernando Medina, que considera uma "pessoa civilizada".
Ainda assim, não poupa críticas a algumas opções do executivo liderado pelo mesmo Medina, sobretudo no que respeita ao desenho de uma cidade que considera que não foi pensada para os lisboetas. "Eu vejo passeios gigantescos, larguíssimos, vejo esplanadas a nascer por todo o lado, vejo avenidas com árvores no meio, com ciclovias. É tudo bonito, gosto de ver. No entanto, quem são os lisboetas que vão usar? Não conheço pessoas que possam passar o dia na esplanada ou que possam passear pelos passeios, porque estão a trabalhar, porque têm de ir buscar os filhos", afirma. Às críticas soma uma preocupação adicional de segurança: "onde é que passa uma ambulância em algumas avenidas de Lisboa onde não há espaço para passar uma mota porque foi tudo aproveitado ao máximo?".
Como é que alguém que nunca teve um envolvimento com a política toma a decisão de se tornar candidata pelo PSD à junta de freguesia de Campo de Ourique?
Sempre gostei muito de política, como observadora e como jornalista. E sempre tive um bocadinho a ideia que Portugal era injusto em relação aos políticos, ou seja, toma-se muito a nuvem por Juno. Eu acredito que há pessoas na política sinceramente empenhadas no serviço público e essas pessoas pagam um bocadinho por tabela pelas outras que não estão lá com esse propósito e que também são muitas, evidentemente. Mas generalizar com os políticos sempre me pareceu muito injusto. Durante a maior parte da minha vida não pensei passar para o outro lado, mas o poder local não é para mim passar para o outro lado. Não me veria numa carreira política diferente da que tem a ver com o contacto direto com os cidadãos.
Então não se veria como deputada?
Ver-me-ia como deputada, sim. E várias vezes que estive em reportagem, no Parlamento, pensei que 'eu sei mais sobre este assunto que aquela pessoa que está a falar'. Mas não era uma coisa que eu perseguisse, enquanto o poder local é uma coisa que sou capaz de perseguir e de me empenhar e de lutar por isso.
Mas foi planeado?
Não me apareceu de repente. É uma ideia que tenho há já algum tempo de me dedicar à minha comunidade e Campo de Ourique é a minha comunidade. Tem a ver com a herança do meu pai, que viveu toda a vida em Campo de Ourique, e que morreu há uns anos. A minha mãe ainda vive aqui. Eu também vivi uma parte da minha vida aqui. Nasci aqui, cresci aqui, andei na escola Manuel da Maia, no Liceu Pedro Nunes, morei já em sete ruas diferentes deste bairro. Portanto, conheço muito bem este bairro. O meu pai era uma pessoa que vivia muito na rua, como as pessoas de Campo de Ourique fazem, há uma cultura de café, de sair à noite depois do jantar para tomar café. O bairro era minha a casa e isso é uma cultura que acho que ainda existe. Está a ver, estamos num sábado de manhã, e o jardim está cheio de famílias, há uma feira de produtos infantis, as crianças brincam por aqui, há uma sensação de segurança.
Mas se o bairro é assim tão bom, o que quer mudar? Ou o que a mobiliza para se candidatar?
Estou a falar das características do bairro que levam a que as pessoas se apaixonem e gostem muito de viver aqui e que é preciso preservar, mas também há coisas que é preciso mudar, evidentemente. Não sou muito adepta de mudanças radicais em coisas que têm uma base boa. As pessoas vieram para aqui, porque se interessam pela cultura do bairro, o facto de ser plano, haver muitas lojas, o pequeno comércio, mas há coisas que é preciso mudar e fazer melhor. É um dos meus lemas: viver melhor, fazer diferente.
Sendo a sua estreia na política, começar pela junta de freguesia é partir do mínimo denominador comum da cidadania?
É, sem dúvida, o de maior proximidade e nesse aspeto é também o mais difícil, porque andamos na rua no dia a seguir a ter sido feita uma qualquer intervenção no passeio ou não ter sido lavada aquela rua e as pessoas vêm ter connosco. O escrutínio do cidadão é muito em cima. Neste bairro, segundo o último Censos que é de 2011 [que pode estar já desatualizado porque a lei do arrendamento alterou muito a população do bairro, mas mesmo assim] o grau académico mais completado é a licenciatura. Portanto, tem uma massa crítica muito interessante para se trabalhar e onde será muito gratificante ouvir as pessoas e as soluções que têm para os problemas do bairro. Tenho muito essa fé na racionalidade das pessoas.
Mas essas características do bairro, a literacia, a história, faz também com que Campo de Ourique não seja para o autarca o protótipo da frase do Herman ‘eu é que sou o presidente da junta’ …
Há milhares de juntas em Portugal e ser o presidente da junta pode querer dizer coisas completamente diferentes.
E o que quer dizer para si ser o presidente da junta de Campo de Ourique?
Para mim, em Campo de Ourique ser o presidente da junta significa basicamente ter isto um brinquinho, assim em termos muito coloquiais. Há dois aspetos muito importantes aqui: o território, o espaço, da melhoria e das intervenções que é preciso fazer, e não sou adepta das coisas muito revolucionárias, acho que se devem fazer pequenas mudanças mas sobretudo otimizar a gestão e por ao serviço da freguesia instrumentos muito mais modernos e eficazes do que nesta altura existem; e depois há o aspeto das pessoas, que tem a ver com a intervenção sobretudo ao nível da educação, do apoio social e que tem de ser uma coisa de grande qualidade e muito diferenciada. Esses serviços que se põem à disposição dos fregueses devem ser de topo de gama dentro das possibilidades de uma junta de freguesia. Independentemente de tudo isto, ser presidente da junta de freguesia de Campo de Ourique é sobretudo um ato de responsabilização. O que é que isto quer dizer? Eu decidi desde o primeiro momento que não haverá nada que eu dissesse ‘isso não é competência da junta’. Por exemplo: se as pessoas me vierem falar do estacionamento. É verdade que não é competência da junta; ou os buracos da estrada. As competências das juntas, se olharmos para a lei são bastante limitadas, apesar da reforma administrativa. Só que entendo que o presidente da junta tem obrigação de ser também a voz dos cidadãos junto das entidades competentes e eu enquanto jornalista fui essa voz. Sabemos quem é a entidade competente, quem é que tem obrigação de responder por aquela situação. Uma pessoa que é eleita pelo povo, pela freguesia, tem essa obrigação. As pessoas, quando votam, querem alguém que queira resolver os problemas da freguesia e eu acho que um presidente de junta tem de ser isso.
Mas como porta-voz de Campo de Ourique, a sua atuação será forçosamente diferente caso a Câmara Municipal de Lisboa seja ganha pelo PSD, cuja lista integra, ou pelo PS, atualmente à frente do executivo, ou por outro partido. Como se vê numa situação hipotética em que, ganhando em Campo de Ourique, possa ter de lidar com uma força política oposta à sua?
Evidentemente que há essa possibilidade e qualquer candidatura é também um ato de humildade porque se sujeita a uma situação que não sabe ainda qual é. Mas não vejo isso como uma grande dificuldade. A gestão da Câmara de Lisboa é muito política, mas também é muito técnica e a procura de soluções não passará tanto por opções de nível político. Acho que há um consenso sobre determinados aspetos que têm a ver com a gestão do território, pelas melhores soluções, o que será melhor para os lisboetas e para os habitantes de Campo de Ourique.
Acha que é idêntico?
Acho que há um denominador comum, que é grande.
Mas há diferentes posições em temas como as obras, o turismo, os transportes, que são temas estruturantes para toda a cidade de Lisboa… e Campo de Ourique não é uma ilha.
Campo de Ourique é um bocadinho uma ilha no bom e no mau sentido. No bom sentido, porque funciona quase como uma aldeia no meio da cidade. Mas também é uma ilha no péssimo sentido, porque estando no coração da cidade não tem transportes públicos praticamente, é muito mal servida, a Câmara deixou muito Campo de Ourique andar por si, e houve muito pouco investimento aqui e tem de haver algum. Não é preciso abrir avenidas, porque as pessoas têm direito a encontrar aqui uma qualidade de vida que vieram procurar e não encontram muito. Há problemas graves neste bairro que alguém tem de dar resposta, nomeadamente o estacionamento, os transportes e a mobilidade que são questões que tenciono abordar na minha candidatura.
Acho que esta freguesia [Campo de Ourique] devia ser a principal prioridade do Metropolitano de Lisboa.
Quer especificar?
Há dois autocarros e um elétrico no bairro todo, o elétrico é o 28 - já ouviu falar no 28? É o elétrico do turismo. É impossível para um habitante que antes usava o 28, hoje em dia não consegue sequer entrar, porque as filas são enormes e está cheio de turistas. O 28 termina no cemitério dos Prazeres, é um trajeto de transporte público que não serve de nada aos habitantes. Depois há dois autocarros, um deles é o 9 que leva ao centro da cidade, à baixa, e acaba ao sábado à uma da tarde. Estamos no centro de Lisboa, esta freguesia tem o dobro da densidade populacional média de Lisboa e não há transportes públicos. E para as pessoas que tenham de usar o carro, que são todas, porque não têm como sair daqui e regressar sem transportes públicos, não há estacionamento quando chegam a casa no final de um dia de trabalho.
A proposta de melhoria que defende refere-se à Carris ou acha que o metro devia chegar a Campo de Ourique?
Acho que esta freguesia devia ser a principal prioridade do Metropolitano de Lisboa. O Rato, que é a estação mais perto, é muito longe daqui e é preciso apanhar autocarro para lá chegar e têm tempos de espera de 45 minutos. Portanto não há mesmo alternativa ao carro aqui, infelizmente. Sendo obrigatório usar o carro também não há onde o estacionar e isto é uma coisa que tem de ser enfrentada e resolvida e que é competência da Câmara Municipal de Lisboa. Tem de haver quem exija à CML respostas para estas pessoas que também são habitantes de Lisboa. Apesar de isto ser um bairro sossegado e de ter as tais características de aldeia que parece que não chateia nada. Existe esse descontentamento no bairro e a sensação de quase abandono, ninguém nos liga.
Falava-lhe também no turismo …
Por enquanto não se nota… também não têm como chegar aqui.
Há o 28 …
Há o 28, mas chegam ao fim da linha, estão no cemitério dos Prazeres e apanham o elétrico de volta para trás. Já me aconteceu muitas vezes turistas perguntarem-me onde estão. O final do 28 fica fora do mapa dos turistas, eles não sabem onde estão.
Na sua perspetiva enquanto lisboeta, como é que olha para o fenómeno do turismo em Lisboa que tanto se discute por estes dias?
Sou muito adepta da sensatez e do bom senso. O turismo tem sido muito importante para nós, para Lisboa. tem sido muito importante para melhorar a cidade … lembra-se desta cidade há alguns anos, parecia que tinha passado aqui a 2ª Guerra Mundial, estava tudo destruído, tudo abandonado… Devemos ter a perceção que não é por agora termos turistas em todo o lado e não conseguirmos entrar no 28 que vamos passar a diabolizar os turistas. O que me parece que aborrece mais as pessoas tem a ver com questões de mobilidade, o excesso de turismo. Entendo que aqueles autocarros de turismo que neste momento conseguem circular por toda a Lisboa não deveriam ter essa possibilidade. É preciso segmentar e transformá-los em transportes mais pequenos para que os habitantes possam também ter alguma agilidade e mobilidade. Mas não vejo que o turismo seja um problema para Lisboa ainda.
Sobre habitação. É difícil arrendar casa em Campo de Ourique?
É difícil em toda a Lisboa. Em Campo de Ourique e na Estrela só muito recentemente é que subiu acima da média de Lisboa em termos do metro quadrado de habitação. Existe um mercado de arrendamento local, que é muito boca a boca. Os meus colegas de escola saíram a certa altura do bairro, muitos estão a voltar, ou à casa dos pais ou porque têm essa capacidade económica.
Exige capacidade económica?
Exige, mas qualquer regresso ao centro de Lisboa exige capacidade económica.
A candidata do PSD à CML, Teresa Leal Coelho, assumiu a habitação e o regresso dos jovens e da classe média a Lisboa como uma das suas bandeiras. É também uma prioridade para si em Campo de Ourique?
Eu disse-lhe que não iria virar as costas a temas quentes e que sejam reivindicações das pessoas, no entanto também tenho noção que uma política de habitação ao nível da cidade não é algo que uma junta de freguesia possa influenciar muito decisivamente. Tenho essa preocupação e tenho muitos amigos que gostariam de voltar a Campo de Ourique e que gostaria que acontecesse. Mas ainda assim, apesar dos últimos dados que temos serem de 2011, acho que há já muitos jovens em Campo de Ourique. Vejo muitas famílias com crianças pequenas. Mas não temos dados ainda para perceber se é um problema aqui ou não.
Falemos agora das obras que têm sido um dos temas mais discutidos em Lisboa. Qual é a sua opinião sobre o plano de obras que tem vindo a ser realizado na cidade e, mais em concreto, na sua afetação a Campo de Ourique?
Campo de Ourique precisava de algumas obras estruturais, nomeadamente na ligação entre as duas freguesias de Santa Isabel e do Santo Condestável. As obras em Lisboa? Eu acho que não é possível condicionar os habitantes de uma cidade através de uma intervenção arquitetónica, acho que isso não resulta e a arquitetura estuda isso há muitos anos. Tentar condicionar a vida das pessoas com os obstáculos, as paredes, a maneira como os passeios são feitos, julgo que não é uma boa política para a cidade. Há intervenções que tinham de ser feitas e em alguns aspetos há algumas melhorias, acho que é possível melhorar mais, mas que se deveria ter aproveitado aquilo que são as tendências do mercado e do funcionamento normal e racional das pessoas da cidade em vez de lhes tentar impor um estilo de vida que não é real.
Sinto que aquelas obras são como um cenário falso, a certa altura parece que vivemos numa cidade de cinema, puseram-nos ali uns cenários e eu estou a todo o momento à espera de ver desembarcar uns figurantes
O que quer dizer com um estilo de vida que não é real?
Eu vou traduzir (risos). Eu vejo passeios gigantescos, larguíssimos, vejo esplanadas a nascer por todo o lado, vejo avenidas com árvores no meio, com ciclovias. É tudo bonito, gosto de ver. No entanto, quem são os lisboetas que vão usar? Eu não sei quem são, não conheço aquelas pessoas. Não conheço pessoas que possam passar o dia na esplanada ou que possam passear pelos passeios, porque estão a trabalhar, porque têm de ir buscar os filhos, não conheço pessoas que andem de bicicleta pela ciclovia de forma regular. Sinto que aquelas obras são como um cenário falso, a certa altura parece que vivemos numa cidade de cinema, puseram-nos ali uns cenários e eu estou a todo o momento à espera de ver desembarcar uns figurantes que vão ocupar aquilo e que vão dar sentido àquilo, porque não são os lisboetas. Os lisboetas estão a trabalhar, precisam de andar de carro, precisam de se deslocar, precisam de atravessar a cidade e não conseguem, precisam de estacionar e não conseguem, precisam de ir por os filhos à escola e não conseguem porque de repente desapareceu o estacionamento ali mas está muito bonito. Em que é que isto serve as pessoas que vivem na cidade? Eu acho que não serve, acho que serve uma ideia de uma cidade, mas não é a cidade real. Não sou contra haver obras, acho que deviam ter sido feitas algumas intervenções, mas não estas, outras e de outra forma e que de facto favorecessem uma dinâmica que já existe na cidade. Não é possível estar a tentar impor às pessoas um estilo de vida.
Não acha que é possível mudar estilos de vida precisamente com uma ideia de cidade ou impondo uma ideia de cidade? Ou seja, alteram-se comportamentos porque se muda o espaço que passa a ser usado de outra maneira?
Não, não acho de todo, acho o contrário disso. As pessoas não conseguem alterar o seu modo de vida. Se tenho um emprego e tenho de estar em Queluz às 9 da manhã, pelo caminho tenho de deixar os meus filhos no infantário, se ao fim do dia antes de ir para casa tenho de ir ao supermercado e depois preciso de estacionar perto de minha casa, porque não há transportes que façam todo este percurso, em que parte do meu dia é que vou utilizar a bela esplanada e vou estar a andar de bicicleta na ciclovia? Isto não existe. Não é por passar a ter um parque infantil, uma ciclovia e um passeio largo que eu vou mudar de emprego ou capacidade para utilizar o espaço. Acho que foi feito ao contrário. Acho que é possível melhorar algumas coisas, é possível dar às pessoas mais qualidade de vida nas cidades, mas isso deve ser feito a partir das próprias tendências, o que é que as pessoas querem, o que é que precisam. Isto é a minha posição sobre as obras em Lisboa, mas acho que há uma coisa mais grave aqui.
Onde é que passa uma ambulância em algumas avenidas de Lisboa onde não há espaço para passar uma mota porque foi tudo aproveitado ao máximo?
O quê?
Eu vejo avenidas de Lisboa cujas faixas de rodagem foram apertadas, foram tirados alguns centímetros, não tenho dúvidas que estão mais estreitas - não li nada sobre isso, sei porque circulo e vejo -, no estacionamento as pessoas têm de ter imenso cuidado, não podem abrir a porta do carro, têm de estar à espera que o sinal feche, porque os carros passam ao lado, foi rapado o espaço que existia para fazer um canteiro no meio. Fica lindo, com árvores flores, etc. Só que imagine que acontece qualquer coisa e precisa passar uma ambulância ou um carro dos bombeiros e que espaço é que há? Onde é que passa uma ambulância em algumas avenidas de Lisboa onde não há espaço para passar uma mota porque foi tudo aproveitado ao máximo? Há um canteiro no meio e pilaretes para as pessoas não estacionarem … Claro que a correr tudo muito bem circula-se otimamente, o problema é que as coisas nem sempre correm bem e não ter pensado nisso, não sei como é possível. Fico parva. Se há um acidente, se há um fogo, se é preciso passar uma ambulância. Não há espaço para as pessoas encostarem, não há espaço entre os carros, não há uma sensatez que permita pensar nas emergências que fazem parte também da vida da cidade. Isto é que acho um bocadinho mais grave e custa-me pensar que ninguém pensou nisso.
Mas acha que ninguém pensou nisso?
Não sei. Tenho esse wishful thinking que estudaram muito bem o assunto e que haverá uma solução mas eu não consigo ver qual é. Se eu não consigo ver, como é que a pessoa que vai na marcha de emergência consegue ver? Isso eu acho bastante preocupante.
Está preparada para o desgaste próprio de uma campanha eleitoral, algo que nunca fez?
Nunca fiz enquanto política.
É diferente, é outra coisa …
Como jornalista, conseguem-se ter horários de trabalho, como sabe, bastante puxados e é uma profissão muito exigente.
Mas agora o foco está em si …
Claro, tem de estar, isso é uma questão que não se coloca. Eu sou bastante disciplinada, não sou nada menina nessas coisas. Tenho alguma preparação física (risos), tenho algumas atividades que me ajudam a ter alguma resistência e sobretudo o que é decisivo é a vontade e o empenho e nós sabemos disso. Tenho vontade de ganhar as eleições nesta freguesia, de trabalhar ao serviço da comunidade, de voltar ao terreno, que é uma coisa que como jornalista já não estava há uns anos porque a pessoa vai evoluindo na carreira, passa a ser chefe, deixa de sair para a rua e perde por completo as razões que a levaram para o jornalismo. Eu acho que escolhi sociologia e jornalismo pelas mesmas razões, que são a vontade de ter alguma intervenção na minha comunidade e contribuir para alguma coisa. Agora vou tentar esta terceira via que é a via do poder local. E tenho essa vontade e isso é absolutamente decisivo.
Como é que aconteceu a sua aproximação ao PSD?
O PSD é uma família política com a qual eu me sinto identificada. Por estranho que lhe pareça, porque na minha idade e sendo jornalista não é vulgar. Porque havia na altura e acho que ainda continua a haver um peso muito grande da esquerda nas redações e a minha opção tem a ver com aquilo em que acredito e que me parece mais lógico e plausível em termos de organização social. O PSD está num local do espetro político com a qual me identifico mais. Essa identificação já me tinha feito participar no gabinete do Governo de Durão Barroso. Trabalhei como adjunta política ligada à pasta da integração dos emigrantes e da imprensa regional e local.
E não ficou alérgica?
De todo. Fiquei um bocadinho mais cética do que era antes. deixei de discutir com os taxistas, antes disso discutia.
Sente-se mais confortável por integrar uma lista liderada por uma mulher, já que se fala tanto dos temas de paridade, ou é indiferente para si?
Eu sinto-me muito confortável em estar numa lista para uma junta de freguesia com uma candidata à Câmara Municipal de Lisboa que é a Teresa Leal Coelho, porque sinto uma grande empatia com ela, acho que é uma pessoa corajosa, uma mulher de armas, uma pessoa com ideias muito fortes que não tem medo de expressar e de mostrar as suas convicções. O que sendo uma mulher na política nem sempre é muito fácil.
Conhece bem Fernando Medina?
Não, não conheço bem.
Mas trabalharia com o Fernando Medina?
Sim, acho que é uma pessoa civilizada, com quem se trabalha, não estamos a falar do Daesh contra os Aliados. Acho que não é uma pessoa que crie uma grande empatia. Nós neste momento temos um Presidente da República que nivelou a coisa ao nível das relações interpessoais, pôs a fasquia muito, muito alta. As pessoas habituaram-se que um político pode ser uma pessoa calorosa, que é amiga, que dá abraços e beijinhos …
Mas não podem ser todos assim …
Não podem ser todos assim, mas passámos a ter essa fasquia. O Fernando Medina é uma pessoa bastante mais reservada, toda a gente é uma pessoa bastante mais reservada (risos)… Sobre a questão das mulheres, não me ocorreu que ainda pudesse ser assunto. A forma como eu entrei para esta lista foi quase um encontro de vontades, já estava com esta ideia há muito tempo quando o PSD me convidou. Já agora, ainda sobre as mulheres, estou a ter dificuldade em cumprir as quotas de paridade. Quando olhei à volta na última reunião que fiz da minha lista percebi que precisávamos de mais homens. Para ver como a questão das mulheres me preocupa tanto ou tão pouco, comecei a fazer convites para a minha lista, convidei pessoas que achei que devia e quando reparei as mulheres eram em número muito superior aos dos homens e que terei de fazer contas para cumprir a paridade ao contrário.
Foi convidada pela Teresa Leal Coelho ou pelo PSD?
Fui convidada por uma pessoa do PSD que representa o PSD.
É casada com um dos maiores escritores portugueses, tem um apelido que de alguma forma a condiciona. Acha que isso a ajuda ou prejudica-a?
Eu espero que ajude, porque estou a concorrer com o apelido de casada, que é uma opção. É um apelido que já tenho há muitos anos e que optei por não utilizar até agora, decisão que tem a ver com esta ideia de começar de novo. Como sabe, no jornalismo o nome e o apelido é uma coisa que nos marca muito, a nossa carreira é o nosso nome, a nossa obra é o nosso nome e a mudança de percurso levou-me a ter vontade de utilizar outros apelidos que tenho. Se me condiciona? Ser casada com o António Lobo Antunes é uma coisa que vejo como altamente positiva senão não estaria casada com ele.
Espera que o seu marido participe na campanha?
Participar na campanha, não, nem lhe irei pedir nunca isso, ele fará o que entender. Até agora entendeu não aceitar o convite do Fernando Medina, ao qual respondeu de imediato e eu não influenciei em nada. Não me passa pela cabeça dizer-lhe para vir comigo em ações de campanha, tenho muito respeito pelo espaço dele, mas acho que ele quererá estar presente em algum momento. Já me disse que sim, não lhe sei dizer qual.
A freguesia é o sítio dos fregueses. Sobre aquela máxima popular do “ é à vontade do freguês”, como é que a interpreta no exercício, caso venha a fazê-lo, de presidente da junta de freguesia?
À vontade do freguês? Concordo em absoluto. Nas notícias em que trabalhei enquanto jornalista sempre tive esta perceção que as pessoas são muito subestimadas. As pessoas agem sempre racionalmente e de forma inteligente, mesmo nas coisas que nos parecem mais absurdas, se formos a ver com atenção há sempre uma motivação racional e inteligente. Se as pessoas nas suas vidas privadas fazem essas escolhas e gerem dessa maneira, e se mesmo os grandes movimentos sociais resultam de escolhas da vida privada mas que levam ao mesmo desfecho, evidentemente que os fregueses é que sabem e a vontade do freguês certamente é inteligente.
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