O clima é o tema do dia. Seja dentro ou fora do parlamento. Esta tarde, no hemiciclo, os vários partidos discutiram com o primeiro-ministro em mais um debate quinzenal. A abertura, a cargo da bancada socialista, passou logo pelo ambiente: Portugal "foi o primeiro a assumir o compromisso de atingir a neutralidade carbónica até 2050", lembrou Costa.
Depois do PS, interpelaram o primeiro-ministro o PSD, Bloco de Esquerda, PCP, CDS-PP, PAN, PEV e os deputados únicos do Chega, Iniciativa Liberal e Livre.
O debate sobre as questões ambientais deveria dominar a agenda política internacional nos próximos dias, com a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas — COP 25 a decorrer em Madrid a partir da próxima segunda-feira.
Mas pelo caminho, a discussão passou por muitos lados. Eis, então, um resumo dos principais temas dos vários partidos.
Em resumo
PS e os salários. Ana Catarina Mendes congratulou o Governo, Costa capitalizou no elogio
A discussão começou pelos salários — com um elogio ao governo de António Costa. Após a intervenção da líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, que se congratulou com a evolução da redução da pobreza no país, o primeiro-ministro afirmou que os mais recentes indicadores assinalam que Portugal, ao longo dos últimos quatro anos, tem registado uma trajetória de subida do salário mediano e uma redução da intensidade e do risco de pobreza.
Na sequência da intervenção de Ana Catarina Mendes, também advertiu que "o combate" tem de prosseguir, sobretudo para a eliminação de trabalhadores pobres, o primeiro-ministro referiu que, na terça-feira, "ficou a saber-se que há menos 500 mil pessoas em situação de risco de pobreza ou de exclusão social e que há menos 400 mil pessoas que se encontram em situação de privação material severa".
"Sabemos também que a redução da taxa do risco de pobreza abrangeu quer as crianças, quer os idosos, quer ainda os desempregados - abrangeu todos os setores onde a pobreza tinha maior incidência.", defendeu, antes de apontar que esta redução "ocorre num contexto de melhoria do rendimento mediano".
"Essa melhoria do rendimento mediano também eleva o valor a partir do qual se considera um cidadão em risco de pobreza. Apesar dessa elevação da definição de limiar da pobreza, temos hoje menos pessoas em situação de pobreza. Isto é uma dupla vitória: Significa que o salário mediano tem subido e que, mesmo assim, o risco de pobreza continua a diminuir", reforçou o líder do executivo.
PSD centrado na política fiscal e nos englobamentos. Mas para Costa são “discussões fora de tempo”
Depois da abertura por Ana Catarina Mendes, seguiu-se o líder da bancada social-democrata Rui Rio. O presidente do PSD alertou o governo de que um eventual englobamento de todos os rendimentos no IRS afetaria a “já miserável” taxa de poupança. Porém, António Costa reitera que o tema não deverá constar do próximo Orçamento do Estado.
“Portugal não precisa de mais impostos, Portugal precisa de menos impostos, também aqui na questão do englobamento estamos a falar de mais ou menos impostos”, afirmou Rui Rio, defendendo que “em Portugal ninguém vive de rendimentos de capital”, provocando protestos nas bancadas mais à esquerda.
O líder do PSD centrou toda a intervenção em política fiscal, desafiando ainda António Costa — como, aliás, fez repetidamente na campanha eleitoral — a excluir a possibilidade de repor o imposto sucessório, que terminou em 2004. Na resposta, o primeiro-ministro acusou Rio de ter uma “vontade imensa de ter discussões fora de tempo” e referiu que a reposição do imposto sucessório foi ponderada há quatro anos pelo PS, mas afastada após as negociações com PCP, BE e Verdes, e nem sequer constou das propostas socialistas às legislativas deste ano.
Quanto ao englobamento de todos os rendimentos em sede de IRS, que tem sido defendido pelos partidos mais à esquerda, Costa pediu ao presidente e líder parlamentar do PSD para não “criar papões”.
“O senhor deputado, que foi eleito para um mandato de quatro anos, se alguma vez chegarmos a discutir o englobamento ainda cá estará para termos essa discussão em devido tempo. Tenho quase por certo que não teremos essa discussão no Orçamento para 2020”, afirmou, reiterando uma posição que já tinha manifestado no último debate quinzenal em resposta ao deputado único da Iniciativa Liberal.
Costa acusou mesmo Rio de “procurar imitar” o deputado Cotrim de Figueiredo, ao suscitar “não qualquer proposta que o Governo tenha apresentado ou anunciado, mas hipóteses que vai simulando de um ponto de vista académico, cada uma delas mais absurda”.
BE: Catarina Martins trouxe a debate o orçamento da saúde
A líder bloquista perguntou ao primeiro-ministro qual a estratégia para este setor que estará presente no Orçamento do Estado para 2020 e se será "mais da mesma suborçamentação".
O primeiro-ministro comprometeu-se a apresentar "muito brevemente" a programação dos investimentos na saúde para a legislatura, incluindo a "redução sustentada do nível de suborçamentação", em resposta à líder do BE, Catarina Martins.
"Aquilo que lhe gostaria de dizer é que, muito brevemente, terá uma agradável surpresa com a programação para o conjunto da legislatura não só dos grandes investimentos que já são conhecidos nos cinco novos hospitais, mas também dos investimentos mais pesados em unidades hospitalares, nos cuidados de saúde primários, na evolução das unidades de saúde familiares e também na redução sustentada do nível de suborçamentação", prometeu o primeiro-ministro.
Afirmando que "a suborçamentação é uma realidade crónica que tem de ser eliminada", António Costa assumiu o compromisso de "programar sustentadamente a eliminação dessa suborçamentação", acrescentou, considerando que "com suborçamentação nunca haverá boa gestão".
PCP: Jerónimo condenou “diabolização do Serviço Nacional de Saúde”
"É com grande preocupação que se assiste diariamente à diabolização do SNS não apenas por parte dos detentores dos grupos privados interessados, sobretudo na drenagem de milhares de milhões de euros para sustentar o seu crescimento, mas também daqueles que, alegadamente preocupados com as insuficiências do serviço público, nunca aceitaram a criação do SNS contra os interesses instalados na saúde", criticou Jerónimo de Sousa.
O líder do PCP referiu-se especificamente à urgência pediátrica do Garcia de Orta e à "opção de fuga para a frente", adiantando estar "a ser estudada a possibilidade de juntar em Almada os pediatras da península de Setúbal, criando um problema maior às famílias dos concelhos mais distantes".
"Que faz o Governo? Bloqueia administrativamente o recrutamento de novos profissionais e desvaloriza profissional e salarialmente os que estão", lamentou, discordando ainda da "suborçamentação na aquisição de novos equipamentos" do "fecho e concentração de serviços".
"Na saúde temos hoje mais 15 mil profissionais do que há quatro anos. São insuficientes? Pois são", reconheceu António Costa, embora citando concursos abertos para médicos especialistas e outro para formadores. O primeiro-ministro defendeu a importância de promover os cuidados de saúde primários e recusou o cenário de "concentração" de serviços, no debate parlamentar quinzenal.
CDS: Também a saúde
O CDS-PP dedicou quase cinco minutos a questionar o primeiro-ministro, no parlamento, sobre questões de saúde, e desafiou, pela segunda vez em poucos meses, o governo a admitir abrir a ADSE a todos os portugueses.
"O Governo equaciona ou não abrir o sistema da ADSE a todos os portugueses?", questionou a líder parlamentar, Cecília Meireles, dirigindo-se a António Costa no debate quinzenal, na Assembleia da República, em Lisboa, retomando uma proposta do partido para as legislativas de 06 de outubro.
Cecília Meireles deu vários números, de tempos de espera de cirurgias e citou um estudo de hoje, publicado no 'Jornal de Notícias', segundo o qual são cada vez mais as pessoas de classes médias, média baixa e baixa a fazer seguros privados de saúde.
Quem consegue fazer sacrifícios para “pagar um seguro de saúde” consegue “ter cuidados de saúde” e “quem não consegue espera e desespera para aceder ao Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, argumentou Cecília Meireles.
Relativamente à ADSE, António Costa respondeu que o Estado não contribui para este sistema de saúde da Administração Pública, e que a evolução que antecipa é que seja “mutualizada e que venha a ser gerida” por quem contribui, ou seja, os funcionários públicos. Na resposta, Cecília Meireles concluiu que António Costa não respondeu ao desafio dos centristas.
PAN: Regulamentação dos animais selvagens
O deputado do PAN André Silva confrontou António Costa com o facto de o Governo ter possuído "seis meses para regulamentar" a lei que determina o fim da utilização de animais selvagens em circos, mas cujo "prazo terminou em agosto".
"Enquanto o Governo não o fizer, a legislação não entra em vigor, não produz efeito. Não regulamentar esta lei significa continuar a explorar e manter encarcerados em prisão perpétua animais que não cometeram nenhum crime", advertiu. Depois, André Silva deixou um apelo ao primeiro-ministro: "Está na hora de abrir as jaulas".
"Tem total razão, senhor deputado André Silva", respondeu o primeiro-ministro, adiantando que essa legislação "foi aprovada já na ponta final da anterior legislatura".
"O prazo de regulamentação terminou já numa fase de pleno Verão, em plena pré-campanha eleitoral e em que o Governo já se encontrava com uma capacidade legislativa muito diminuída. Contamos poder muito rapidamente regulamentar aquilo que é urgente regulamentar", disse.
Iniciativa Liberal:
O deputado liberal João Cotrim Figueiredo criticou o Governo por querer "controlar tudo" e querer fixar sozinho outros salários, para além do mínimo: "Senhor primeiro-ministro, não precisa de negociar, a solução está na suas mãos: sabe bem que para aumentar o salário líquido de uma recém-licenciada que ganhe 1.500 euros bruto por mês, basta baixar o IRS. Porque é que não baixa o IRS, simplifica os impostos e liberta estas pessoas do jugo fiscal", desafiou.
Na resposta, o primeiro-ministro garantiu que serão feitas as "duas coisas". "Já este ano os portugueses pagarão menos mil milhões de euros de IRS graças ao conjunto de medidas que adotámos", começou por garantir o líder do governo.
Já no que diz respeito aos salários, "o salário mínimo nacional é fixado pelo Governo por decreto" e o que aquilo que o executivo fez, segundo Costa, "foi ouvir os parceiros sociais antes de o fixar". "Quanto aos demais salários o Governo não fixa, mas deve procurar ter uma política que favoreça o crescimento dos salários porque aquilo que não é justo é que apesar da redução que temos feito da carga fiscal sob os rendimentos do trabalho nós continuemos hoje muito afastados da média da União Europeia do peso dos salários do PIB", justificou.
Para o líder do executivo, "é justo que os rendimentos da economia a crescer sejam igualmente distribuídos com justiça".
Quando voltou a tomar a palavra, o deputado único da Iniciativa Liberal afirmou que António Costa não é "adepto da liberdade individual de escolha, nomeadamente nos serviços públicos", sendo um "socialista ortodoxo que acha que o Estado tudo deve controlar".
No entanto, para Cotrim Figueiredo, o Governo não pode ficar alheio "aos dados de organismos oficiais", dando o exemplo de uma escola em Fornos de Algodres, citada como um dos exemplos de excelência e inovação educativas que resultaram da autonomia pedagógica das escolas, mas para onde "uma família de Vale dos Azares - e aqui o nome é profético - não pode mandar os filhos".
"A liberdade de escolha para a escola, muito bem, zero liberdade de escolha para as famílias e para os alunos, é péssimo", criticou.
Na resposta, António Costa usou poucos segundos: "Está engando. Eu sou mesmo defensor da liberdade de escolha e é por isso que quero serviços públicos universais para que todos possam mesmo ter liberdade de poder escolher".
Chega: André Ventura desafiou Costa a dizer se tem precários no gabinete e a pedir desculpas a polícias
André Ventura desafiou António Costa a “pedir desculpa” aos polícias, dizendo ter recebido “centenas de faturas” de agentes que terão comprado material de serviço com o seu próprio dinheiro.
Há quinze dias, o primeiro-ministro já tinha sido confrontado pelo deputado do Chega com a compra de material a custas próprias pelos polícias, tendo sugerido na altura a André Ventura que “mudasse de informador, porque o que tinha era mau”.
“Eu não tenho desculpas a pedir pela simples razão que eu não disse o que o senhor deputado disse que eu disse. A pergunta era se os polícias foram obrigados a comprar: eu não disse que as pessoas não compraram, disse que não foram obrigadas a comprar”, afirmou hoje o primeiro-ministro, defendendo que cabe à cadeia de comando estabelecer quais as necessidades de material “em cada posto, em cada situação operacional.
Em seguida, Ventura disse querer perguntar “olhos nos olhos” a António Costa se tinha ou não precários no seu gabinete, depois de apresentar um plano contra a precariedade.
“Olhe, seguramente o mais precário sou eu, visto que o meu contrato é de quatro anos”, ironizou Costa, salientando que “a lei dos precários não se aplica aos gabinetes”.
Na resposta, o deputado do Chega acusou Costa de “não se importar de ter precários no seu gabinete”, empunhando papéis e dizendo que esses funcionários “têm nomes e vidas”.
O primeiro-ministro referiu que a lei dos gabinetes foi revista em 2012 - durante um Governo PSD/CDS-PP - e determina que os assessores e adjuntos “são pessoas de confiança política dos membros do Governo”, cujas funções devem estar “estritamente associadas” à manutenção das funções desses governantes.
Livre: Joacine pediu mais incentivos à natalidade, Costa defendeu ação integrada
A deputada única do Livre, Joacine Moreira, pediu mais incentivos à natalidade, nomeadamente através do aumento do salário mínimo nacional para 900 euros em 2023, no debate parlamentar quinzenal com o primeiro-ministro. O chefe do Governo defendeu uma ação integrada sobre o assunto e louvou o plano governamental para criar um "complemento de creche universal para todas as famílias a partir do segundo filho".
"Para incentivar a natalidade, deve-se investir no primeiro filho ou no último? Como é que um cheque de 60 euros para o segundo [filho] é um incentivo à natalidade? Não era mais óbvio que um verdadeiro incentivo passasse pelo aumento efetivo do salário mínimo nacional para 900 euros até final da legislatura?", questionou Joacine Moreira.
Para a parlamentar do partido da papoila seria melhor "a existência de creches gratuitas [para crianças] a partir dos quatro meses" ou o aumento dos abonos, "que andam entre os 18 e os 100 euros - algo absolutamente miserável".
"Os estudos revelam que, em Portugal, a fertilidade desejada está além daquilo que é a fertilidade concretizada. Ou seja, as famílias estão a ter menos filhos do que aqueles que desejam efetivamente. Temos de criar condições para que as famílias possam ter a liberdade de ter os filhos que desejam. Implica uma ação integrada. Em primeiro lugar estabilidade no emprego e na habitação", disse o primeiro-ministro.
António Costa enumerou em seguida uma série de medidas com vista ao incentivo à natalidade: "políticas de arrendamento acessível, aumento da dedução fiscal em função do número de filhos, generalização do pré-escolar a todas as crianças a partir dos três anos, relançamento e aumento da oferta de creches", entre outras.
[Em atualização]
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