Em declarações à agência Lusa, Luís Pinheiro, diretor clínico do Hospital de Santa Maria, lembrou que quando se pensar em desconfinar tal deve acontecer: “de forma faseada, muito criteriosa e muito cautelosa, acima de tudo porque o vírus continua a existir, inclusive com variantes que ainda não conhecemos bem qual a sua repercussão e o seu potencial de crescimento”.
“Há um conjunto de variáveis que implica que se tenha cautela, muita parcimónia e pouca precipitação”, afirmou.
Caso contrário, defendeu, “tal como agora estamos a assistir a uma descida muito significativa dos casos”, se se reverter demasiado depressa as medidas atuais, também irão voltar a subir com a mesma velocidade”.
“Isso é algo que nenhum de nós quer”, acrescentou.
Luís Pinheiro destacou a tendência, nos últimos dias, para a “estabilização na pressão de internamento, nomeadamente na enfermaria, também traduzível por uma menor necessidade de afluxo à urgência”.
Contudo, alertou: “não esperamos que essa mesma estabilização ou diminuição da pressão se manifeste já em termos de UCI [Unidades de Cuidados Intensivos]”.
“Tem que ver com a evolução natural da doença, em que classicamente começam a controlar-se o número de casos, a seguir é que começa a haver estabilização nas necessidades de internamento e, no último momento, será de esperar (…) que comece também a haver uma diminuição do número de óbitos”, explicou.
Sublinhando que tanto o Hospital de Santa Maria como os restantes da região de Lisboa registaram em janeiro um nível muito elevado de pressão, Luís Pinheiro explicou que o Santa Maria conseguiu sempre responder, aumentando gradualmente a capacidade de acordo com os planos delineados, chegando às 300 camas de enfermaria e às 71 de cuidados intensivos, que devem ser atingidas este fim de semana, com a abertura de mais uma unidade, mas a funcionar no Hospital Pulido Valente.
O médico sublinhou ainda que o hospital Santa Maria acomodou muitos doentes “que não seriam da sua área geográfica direta”.
“Nos internamentos de enfermaria, em média, mais de 40% [dos doentes] que temos tido internados desde o início da pandemia são de áreas geográficas diversas àquela que é a nossa primária e em UCI este valor ultrapassa os 60%”, relatou.
E recusou usar o termo “medicina de catástrofe”, optando por dizer que, na pior fase da pandemia, no Santa Maria se praticou “uma situação de medicina de limite”.
“O que tentámos sempre (…) foi que a situação caótica externa não se repercutisse internamente, o que não significa que não se tenha vivido nas urgências, e também nas enfermarias, situações de grande pressão e de presença de um número muito elevado de doentes”, referiu.
O médico disse ainda que as equipas de profissionais de saúde tudo fizeram para que “a prática clínica, sendo de limite, (…) fosse uma prática estruturada e com o mínimo de qualidade e se segurança clínica”.
Questionado pela Lusa sobre se houve nesta vaga da pandemia maior preocupação em proteger os doentes não covid, Luís Pinheiro respondeu afirmativamente, sublinhando: “sobretudo em áreas que na primeira fase acabaram por ser suspensas ou adiadas”.
“Por exemplo, toda a atividade de ambulatório, como consultas, hospitais de dia e cirurgia de ambulatório, na primeira fase houve uma quebra muito mais transversal e muito mais marcada, embora nós tenhamos mentido, mesmo nessa fase, um volume de consultas muito significativo, nomeadamente recorrendo a teleconsulta”, afirmou.
O Hospital de Santa Maria preservou “totalmente a atividade das consultas e de hospital de dia e, até há muito pouco tempo, toda a atividade de cirurgia de ambulatório”.
Contudo, confessou que a pressão sentida no mês de janeiro impôs outras decisões: “Nas últimas semanas, mercê deste crescimento quase exponencial dos casos e da necessidade de internamento e de alocar recursos, tivemos de tomar medidas um pouco mais drásticas, nomeadamente envolvendo a área da cirurgia de ambulatório”.
“Aquilo que pretendemos é (…) com a mesma cautela (…) mas com assertividade e convicção, começar a preparar a retoma das atividades que foram sendo suspensas, na exata medida que os recursos deixem de ser necessários para responder à pandemia”, explicou.
Sobre a procura das urgências (não covid), disse que o perfil de doente mudou com a pandemia, que os casos não urgentes já não são frequentes e que os doentes agora aparecem em estados mais graves, por vezes a precisar de internamento.
“Daí a nossa preocupação em manter a atividade de ambulatório, que é uma forma de prevenir a descompensação, de identificar mais precocemente situações clínicas que se possam estar a agravar, evitando os internamentos”, explicou.
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