O dia começou com a notícia da assinatura de um decreto, por Putin, que autoriza o uso mais alargado de armas nucleares num novo conjunto de cenários. Mais tarde, a Rússia afirmava que a Ucrânia atacou o seu território com mísseis americanos de longo alcance.

Para analisar o impacto desses movimentos na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o major-general Isidro Morais Pereira – veterano de operações militares na Bósnia, onde comandou 400 homens e trabalhou diretamente com o ex-diretor da CIA David Petraeus na captura de Slobodan Milošević – avalia, ao SAPO24, as implicações dessa nova fase do conflito para a Europa e, em particular, para Portugal.

O que significa esta escalada nuclear de Vladimir Putin?

Primeiro que tudo, não é a primeira vez que o Vladimir Putin e os seus correligionários, ou seja, toda a entourage que o rodeia no Kremlin, utiliza este tipo de narrativa para assustar o Ocidente. 

Nós sabemos que o Ocidente no pós-segunda Guerra Mundial, se foi habituando durante 70 anos de paz a um modelo social democrático, foi vivendo um pouco à sombra do guarda-chuva norte-americano, e não soube olhar para as as forças armadas. Aquilo que eu ouvia de muitas pessoas é que se existisse um problema os americanos viriam apoiar-nos, e criou-se esta ideia de que os cidadãos norte-americanos iriam morrer a lutar pela democracia e a proteger a Europa dos seus inimigos.

Neste pós - Segunda Guerra, os inimigos eram a União Soviética, e agora é, naturalmente, Vladimir Putin e a Federação Russa, com este novo impulso expansionista, ao qual nós estamos a assistir. E não começou hoje, começou ainda na década de 90 do século passado, com a intervenção na Chechênia, depois a intervenção em 2008 na Geórgia, na Ossétia do Sul, e na Abecásia, depois em 2014, a intervenção ibérica na Crimeia, a nas autoproclamadas repúblicas no Donbas.

E como o Ocidente assistiu impávido e sereno, aplicando umas sançõesinhas à Rússia, e continuando a consumir em grande escala para hidrocarbonetos vindos da Rússia e foi alimentando a economia russa e foi alimentando o sonho de Vladimir Putin. 

Qual é o sonho de Vladimir Putin? 

É reinstaurar a velha grandeza do Império Soviético, ele inspira-se muito em Pedro e Catarina, os Grandes, e nós estamos a ver.

Esta nova ameaça nuclear, o que é que significa ao certo? 

Putin confiou demasiado, fez um planeamento que não foi adequado, conduziu uma guerra de invasão que também não foi conduzida da melhor maneira, utilizou cerca de 180 a 200 mil homens nessa invasão, que, naturalmente, não conseguiu surtir o efeito que ele desejava. Os ucranianos foram dando forte réplica, porque entretanto já tinham adquirido material e estavam a ser instruídos por conselheiros militares ocidentais, já tinham mísseis anti-carro da última geração, designadamente os Javelins, e foram capazes de parar o ímpeto do ofensivo da Rússia. Pararam o ímpeto e conseguiram até começar a atacar.

"Criou-se esta ideia de que os cidadãos norte-americanos iriam morrer a lutar pela democracia e a proteger a Europa dos seus inimigos"

Entretanto, assiste-se a tal NATO, que estava em morte cerebral, isto parafraseando o presidente francês Emmanuel Macron. A NATO enche-se de brilhos e diz - isto não pode ser, isto já é demais. Ou seja, aturaram estas pequenas incursões de Vladimir Putin até que ele resolveu pôr em marcha uma incursão em grande escala, tentando anexar um país do tamanho da Ucrânia.

Então decidiu o Ocidente que já chegava e foi apoiando a Ucrânia. Foi apoiando a Ucrânia. E sempre que o Ocidente apoiava a Ucrânia com armamento mais sofisticado, com mais letalidade, com mais capacidade de inverter a fortuna dos combates, nós assistimos permanentemente a uma narrativa protagonizada por Putin ou por as suas caixas de ressonância, designadamente Lavrov, designadamente Medvedev, senhor Peskov, que iam lembrando ao mundo e ao Ocidente pouco habituado a defender-se, pouco alertado para as necessidades de construir um aparelho militar capaz, pouco alertado para a importância da segurança que eles afinal existem.

Quais os objetivos que diferenciam os países europeus da russia?

Os Estados seguem-se por objetivos vitais, nomeadamente a segurança, porque sem segurança não há nada, por isso é que em África não há progresso económico. Porque não há segurança. Não há segurança, não há investimento.

Portanto, os europeus acharam que não era preciso investir na segurança, o progresso e o bem-estar foi a área de investimento prioritária porque nos habituamos a contar com o grande irmão que estava do outro lado do Atlântico e que se alguma coisa corresse mal vinha em nosso auxílio. E os cidadãos americanos estavam dispostos a morrer na defesa dos europeus. Bom, nada mais errado porque o próprio Tratado de Washington [Carta constitutiva da NATO] nós ouvimos comumente falar no artigo 4º, no artigo 5º, que é o artigo da defesa coletiva e do dever dos outros países irem ao auxílio de um país que está a ser invadido e por aí fora, mas esquecemos daquilo que vem escrito no preâmbulo e no espírito do próprio Tratado de Washington.

Este diz, entre outras coisas, que a segurança é uma obrigação, em primeira instância, do próprio Estado e só depois é que é uma obrigação de todos por um. Mas, em primeira linha, é o próprio Estado que tem de mostrar que está disposto a morrer na defesa dos seus interesses e do seu território e da sua população. Nós esquecemos-nos disso.

Putin tem o sonho de "reinstaurar a velha grandeza do Império Soviético, ele inspira-se muito em Pedro e Catarina, os Grandes, e nós estamos a ver"

Porque é que nos esquecemos?

Porque as populações foram-se aburguesando, porque se foi criando aqui uma ideia de que alguém nos vinha defender, porque era muito mais fácil ganhar eleições investindo em determinadas áreas sociais do que na defesa, porque tradicionalmente esta não é tão apelativa para as pessoas, a não ser quando há problemas reais e visíveis. 

E atrás desta ideia, desta falta de sensibilidade política e dos cidadãos, há um desinvestimento tremendo na defesa, um desinvestimento perigoso que, inclusivamente, o levou a encerrar muitas linhas de produção, quer de armas, quer de equipamento militar, quer de munições. 

Então não estamos preparados para este tipo de ameaças?

Na Europa em geral, tirando raras exceções, nomeadament,e a Polónia, que está a investir praticamente 5% da sua riqueza nacional anual na defesa, por estarem muito próximos da Rússia que com esta tentativa da Rússia de reconstruir um novo império querem estar mais confortáveis.

A Polónia quer muito que a Ucrânia entre na NATO, porque fica protegida. Tal como os países bálticos, a própria Bulgária, a Roménia, ou a Moldávia que são os países que estão na fronteira, não direi do caos, mas na fronteira da evolução, onde os problemas estão, onde os problemas são mais cadentes. 

Portanto, a percepção da ameaça dos países que estão mais perto da Federação Russa, ou que fazem com ela fronteira, têm uma percepção completamente diferente da ameaça e, para um polaco, não põe sequer em questão que 5% da sua riqueza seja investida em armas e em defesa. Enquanto em Portugal, se o governo português hoje decidisse passar investir mais, não iria ter muito sucesso.

Nos últimos meses existiram alguns investimentos na defesa em Portugal

Claro que sim. Por mais equipamento que se compre, por mais munições que se produzam, se não houver pessoas, não há defesa. E se em Portugal, os nossos representantes políticos na Assembleia da República, se acham que não vale a pena regressar ao serviço militar obrigatório, ou que não é necessário fazê-lo, e esperam que haja portugueses em número suficiente para nos defenderem a todos, com prejuízo da própria vida, em último recurso, é preciso pagar-lhes mais um bocadinho.

"A Polónia quer muito que a Ucrânia entre na NATO, porque fica protegida"

Mas temos outros problemas gravíssimos, como um exército que precisa de ser modernizado, fundamentalmente um exército que precisa de ser modernizado, não temos reservas de guerra como, por exemplo, Israel que tem uma população que é ligeiramente inferior à nossa. 

Nós estamos com uma população de aproximadamente 11 milhões e, para dar um exemplo, nós tínhamos 37 carros de combate Leopard, Israel tem 4.000 carros de combate de mercado só para vermos a diferença. 

E na União Europeia qual é o país com mais artilharia?

Na União Europeia e no pilar europeu da NATO é um país com muito menos população que Portugal, que não chega a 6 milhões, a Finlândia. É um país que não chega a 6 milhões e que tem um exército permanente de cerca de 30.000 e que ao estalar dos dedos, no prazo de uma semana, colocar um exército a funcionar com quase, com cerca de 250 a 280 mil homens. Isto é numa primeira onda de mobilização. Numa segunda, consegue mesmo chegar aos 600.000. 

O que é que eles têm que nós não temos?

Tem serviço militar obrigatório, as pessoas tiveram formação, as pessoas ficam numa reserva de mobilização em que são convidadas a participar em exercícios todos os anos. Portanto, é um país que está preocupado, verdadeiramente preocupado com algo que é um bem absolutamente inalienável e essencial, que é o bem da segurança das sociedades. Porque sem segurança e sem defesa não há nada. É um bem primordial e é preciso que os europeus se consciencializem hoje, mais do que nunca, que têm que arrepiar caminho porque o tal chapéu chuva que nos protegeu durante estas sete décadas, com esta nova administração norte-americana que se prepara para tomar posse em janeiro, terá uma visão algo diferente.

Trump "vai continuar a exigir que os europeus invistam mais na defesa"

O que pode fazer Trump?

Neste momento já não tem o poder de determinar a saída dos Estados Unidos da NATO, porque isso passou a ser uma prerrogativa não do Presidente, mas sim do Congresso e para esse tipo de legislação não basta ter a maioria simples.

Mas vai continuar a exigir que os europeus invistam mais na defesa. Portanto, esta coisa de contar que os americanos chegam aqui e que estão dispostos a morrer ou a gastar dinheiro pelo nosso bem, e na luta por um ideal da democracia e da liberdade, já era. Ou seja, é a altura de nós começarmos a pensar aquilo que queremos.

E esta nossa doutrina nuclear que impacto real vai ter?

Esta renovada ameaça de flexibilizar doutrinariamente as condições de emprego do aparelho nuclear e, até, tornando algumas das condições algo ridículas, quando se diz que mesmo um ataque convencional por parte de uma força nuclear em auxílio de um país terceiro, ou seja, a Ucrânia, que atinge objetivos na Rússia, é encarada como uma ameaça direta e pode ser retaliada com armas nucleares.  

"O Kremlin pôs em marcha mais uma operação de propaganda, de intimidação, mais uma operação psicológica"

É necessário lembrar que a Rússia está a utilizar meios de uma potência nuclear, ou seja, da Coreia do Norte há meses, com cerca de 500 a 700 km de alcance, que têm sido responsáveis pela distribuição de hospitais, maternidades, infantários e outros objetivos dentro da Ucrânia. Portanto, parece que a Rússia exige para si um tratamento diferente daquilo que quer dar aos outros. Logo nada disto faz sentido.

Qual é mesmo o objetivo da Rússia?

Zero. É mais do mesmo. O Kremlin pôs em marcha mais uma operação de propaganda, de intimidação, mais uma operação psicológica. Do lado russo há uma potência terceira a combater, que se chama Coreia do Norte.

Do lado da Ucrânia, existem efetivamente cidadãos ingleses, canadianos, portugueses, espanhóis a combater... Mas foi por opção, é por conta própria. Não representam a respetiva bandeira, não representam o respetivo país. E os países, e designadamente o nosso, fez questão de dizer que os militares, que os cidadãos portugueses que se encontram a combater na Legião Internacional da Ucrânia, estão por sua conta em risco. 

São duas coisas completamente diferentes. Que eu saiba, não há militares norte-americanos a combaterem com militares ucranianos. Não há franceses, não há ingleses, nem sequer polacos.

Se a Ucrânia "não entrar na NATO não lhe deixam alternativa. Vai ter que rapidamente desenvolver novamente armas nucleares, e eles sabem fazer isso"

E será que a Ucrânia poderá vir a ter armas nucleares?

O próprio presidente Zelensky já pôs a hipótese, se não entrar na NATO não lhe deixam alternativa. Vai ter que rapidamente desenvolver novamente armas nucleares, e eles sabem fazer isso.

Não têm as centrifugadoras para enriquecerem o urânio 238 e passá-lo a 235, que é o urânio físil [material atómico para fabricar armas atómicas], mas têm as barras que são retiradas dos reatores nucleares e têm cerca de 5.000 toneladas quando elas se esgotam. Um dos elementos que constituem essas barras, depois de elas serem exploradas nos reatores é o plutónio. E o plutónio também dá para fazer armas nucleares. Em Nagasaki foi uma bomba de plutónio.

A Ucrânia tem cerca de 5.000 toneladas dessas barras dos reatores. Tem 5.000 toneladas que permitem fabricar entre 150 a 200 bombas semelhantes às de Nagasaki em plutónio.

E têm o dinheiro?

Não, não. Fabricar uma bomba atómica é relativamente fácil, desde que se tenha um material físico.

Resumidamente tudo isto não passa de mais uma ameaça banal do Kremiln?

Não passa de mais uma narrativa, porque Vladimir Putin, sendo um homem que tem uma formação de base nas informações, foi agente do KGB até 1991, quando implodiu a União Soviética, ele era comandante coronel do KGB, destacado em Dresden, na Alemanha, seu país de origem. É um homem que foi formado, fundamentalmente, nestas técnicas de propaganda, nestas técnicas de simulação, nestas técnicas de utilização da mentira como arma de guerra, e portanto na utilização da arma psicológica para moldar as mentes.

Putin sabe perfeitamente que os ocidentais neste momento se habituaram a ser burgueses. É um pouco aquilo que aconteceu, para quem estuda a ascensão e o declínio dos impérios, com o Império Romano é um laboratório excelente para análise. Enquanto os romanos tiveram vontade de se expandir e de defender o Império, o Império funcionou. Quando os romanos se aburguesaram e entregaram a sua defesa a terceiros acabaram por implodir.

"Fabricar uma bomba atómica é relativamente fácil, desde que se tenha um material físico"

Ou seja, esta não é uma ameaça para levar muito a sério, é uma ameaça para ter em conta, mas não é para ficarmos petrificados. Podemos chamar a isto bullying, tal como as crianças nas escolas. A nível internacional, isto é a palavra que melhor define o que Putin e o Kremlin estão a fazer.

A Rússia tem mais capacidade nuclear que a Europa?

Não é só a Rússia que tem uma tríade nuclear, capacidade 24 horas, 7 dias por semana, 315 dias por ano, de disparar armas nucleares de submarinos, de meios aéreos e de meios terrestres. Os Estados Unidos também têm. E o a NATO e os Estados Unidos têm uma vantagem relativamente à Rússia, que têm um escudo de defesa antimíssil que funciona. Não quer dizer que seja capaz de interceptar na trajetória alta fora da atmosfera todas as armas nucleares, mas grande parte delas tem capacidade para o fazer. A Rússia não tem.

Putin foi "formado nestas técnicas de propaganda, de simulação, de utilização da mentira como arma de guerra, e portanto na utilização da arma psicológica para moldar as mentes"

Ou seja, se a Rússia utilizar armas nucleares, vai ter uma retaliação massiva ou maciça sobre o seu território e o próprio Putin deixa de existir em mais de 2 ou 3 minutos depois de decidir atacar ou utilizar armas nucleares. O problema é o que ele pode fazer antes de durar 2 ou 3 minutos. 

Há quem tenha medo de bestas… Mas eu estou convencido que Putin não é igual à besta. Putin é muito mais inteligente do que as pessoas pensam e é um homem que tem objetivos e que quer ficar na história da Rússia como ficou Pedro e Catarina, a Grande. Portanto, vai fazer este ataque lento, destruindo o inimigo. O que ele quer é continuar a dissuadir o Ocidente de dar à Ucrânia determinados meios com os quais ele não pode lidar.

Ou seja, a Europa pode estar descansada?

Pelo menos para já, se não houver mais evoluções significativas, podemos continuar a dormir relativamente descansados, sendo certo que uma coisa temos que ter certeza. Se a Rússia sair vencedora desta guerra, nós vamos ter que combater mais tarde, ou mais cedo, contra a Rússia no espaço europeu. Portanto, é muito mais fácil continuar a apoiar a Ucrânia.

"Esta não é uma ameaça para levar muito a sério, é uma ameaça para ter em conta, mas não é para ficarmos petrificados"

Existem outros países que estão preparados com arsenal nuclear para poder eventualmente enfrentar a Rússia?

Quer a França, quer a Inglaterra têm armas nucleares suficientes para destruir a Rússia.

Quando a Rússia e Medvedev, aqui há uns tempos atrás, disse que nós em seis minutos destruímos Londres com os mísseis hipersónicos é um facto. Só que seis minutos é muito tempo. Seis minutos é tempo suficiente para detectar a ameaça, rastreá-la e tentar interceptar um míssel em voo.

"Se a Rússia sair vencedora desta guerra, nós vamos ter que combater mais tarde, ou mais cedo, contra a Rússia no espaço europeu"

A não ser que a arma nuclear seja lançada de um submarino que esteja ali subfundiado muito perto de Londres. Mas a retaliação é imediata. Se Londres for atacada com uma bomba atómica ou com uma bomba nuclear, vai retaliar com 30 ou 40 sobre a Rússia de uma vez.

Ninguém quer isto. Muito menos Putin que não é um irracional. A forma como ele tem gerido tudo isto mostra que é um homem inteligente e que está a utilizar as fraquezas dos ocidentais. Porque, vamos lá ver, para estar a ter este discurso que eu tenho consigo, é preciso ter uma formação de base, é preciso ter esclarecido sobre essas questões, é preciso conhecer o potencial, é preciso conhecer a lógica da dissuasão.

E acha que existe algum perigo da ameaça chegar aqui?

Existe. Portugal é ponto de ancoragem de muitos cabos submarinos que ligam o mundo. O mundo hoje é uma aldeia global porque está ligado através da internet, através das redes. E grande parte dos cabos de fibra óptica, designadamente aqueles que ligam fundamentalmente a África têm pontos de ancoragem aqui, sul do Tejo, no Sado, em Sines e ainda mais a sul, na costa alentejana. Portanto, quer dizer, nós não estamos livres de uma ameaça.

Um submarino de russo ou dois, aqui ao largo das nossas águas, ou mesmo dentro das nossas águas, sem ser detectado, dispara meia dúzia de de mísseis sobre Lisboa e lá vamos nós.

Mas a nossa marinha está relativamente bem equipada?

Está. Mas também tem problemas de reservas de guerra. Portanto, também não tem mísseis anti-aéreos, não tem torpedos, não tem munições em quantidade para garantir mais de três a quatro dias de atividade de combate. Esse é que é o grande problema.

É preciso constituir reservas de guerra e é preciso consciencializar os cidadãos que esta situação pode acontecer. 

E então se a Rússia levar a sua melhor e conquistar a Ucrânia, aí vamos ter um problema sério.

"Um submarino de russo ou dois, aqui ao largo das nossas águas, ou mesmo dentro das nossas águas, sem ser detectado, dispara meia dúzia de de mísseis sobre Lisboa e lá vamos nós"

Fala-se muitas vezes no exército europeu. Faz sentido?

É uma ideia que faz todo sentido, desde que o Tratado de Lisboa se transforma e que evolua. Se os países europeus acharem que a melhor solução é constituir um Estado Federal, aí faz todo sentido ter umas forças armadas. Mas isto não é um Estado Federal. Isto é uma união política e enquanto for uma união, não vale a pena pensar num exército europeu. O que se pode pensar é numa organização de defesa europeia semelhante à NATO. Agora, num exército europeu, não.

Um exército europeu só faz sentido se isto for um Estado Federal. Um Estado federal, os Estados têm autonomia em muitas áreas, mas não têm autonomia nem na defesa, nem na representação externa. São duas áreas fundamentais. Enquanto nós quisermos manter este modelo político na União Europeia, não há lugar a um exército federal.

O que seria este possível exército europeu?

Estamos a pensar no futuro. É um exército que teria escolas de formação europeias, com uma língua escolhida que nós não sabemos qual seria, em que uma academia militar serviria para formar jovens dos países todos da União Europeia, localizada, não sei, em França, na Alemanha ou mesmo em Portugal, seja onde for. Mas que daria uma formação de base semelhante a todos.

Mas para que existisse um exército teria de ser financiado pelos fundos europeus. E para financiar um exército europeu era preciso que os países, oferecem mais na contribuição anual que cada um faz para a União Europeia aumentasse muito. 

"Um exército europeu só faz sentido se isto for um Estado Federal"

Mas é absolutamente utópico pensar num exército europeu, se não existe. E precisávamos de nos entender em milhares de outras questões e era preciso abdicar de mais soberania do que já abdicamos.