"Ainda estou em estado de choque e considero que é algo que jamais imaginaria poder acontecer, por qualquer Governo que fosse. É uma situação inqualificável", afirmou à agência Lusa o arqueólogo Luís Raposo, que preside ao Conselho Internacional de Museus (ICOM) da Europa.
Por seu lado, o presidente da direção da APOM, João Neto, afirmou à Lusa que aguardará para ver como atuará a nova equipa diretiva da DGPC, mas considera que "é um insulto e uma arrogância de que tudo vale para gerir o património".
"O atual Governo deve ter neste momento uma perspetiva única de ‘Airbnb’. Tudo é colocado ao mesmo nível do programa 'Querido mudei a casa'", disse João Neto.
Os dois dirigentes referem-se à nomeação, anunciada na quinta-feira pelo Ministério da Cultura, do gestor Bernardo Alabaça para diretor-geral da DGPC, substituindo Paula Silva no cargo.
Segundo a tutela, a mudança na DGPC insere-se na "implementação de um novo ciclo de políticas públicas para o património cultural e para as artes".
Bernardo Alabaça "apresenta um currículo com 20 anos de experiência de gestão, maioritariamente de património público, tendo sido Diretor-Geral de Infraestruturas do Ministério da Defesa Nacional e Subdiretor-Geral do Tesouro e Finanças do Ministério das Finanças", apresentou o Ministério da Cultura.
Para Luís Raposo, "o facto de poder ter um gestor não causa especial inquietação".
"O que se passa é a nomeação de um gestor especialista em avaliação de imóveis. (…) Dá um sinal muito pesado sobre afinal o que se pretende do património cultural. É rentabilizá-lo economicamente", disse.
João Neto fala em "lapso", sublinhando que na gestão do património cultural, e num organismo como a DGPC, "o mais importante é o conteúdo e a criação de conhecimento que está inerente às peças que estão ali [nos museus que tutela]”.
Em termos de orientação política para o setor do património, tanto Luís Raposo como João Neto relacionam ainda a nomeação de Bernardo Alabaça com uma eventual decisão da secretaria de Estado e do Património Cultural de cedência de obras de arte a um grupo hoteleiro.
Na quinta-feira, o PCP apresentou um requerimento com um pedido de audição da ministra da Cultura, Graça Fonseca, sobre a eventual cedência de obras de arte da Coleção Rainer Daehnhardt ao grupo hoteleiro Vila Galé.
No requerimento, a deputada Ana Mesquita escreveu que "o PCP teve conhecimento" que o executivo "está a desenvolver diligências" para "ceder à Vila Galé International, SA as obras de arte pertencentes à Coleção Rainer Daehnhardt".
Segundo o PCP, o argumento é a existência de um contrato entre o Estado e a empresa, no âmbito do programa REVIVE, destinado à recuperação e requalificação de património público para fins turísticos, para a “exploração de um conjunto de imóveis na Coudelaria de Alter".
"Este despacho é totalmente inaceitável e foi emitido contra todos os pareceres da área que a secretária de Estado tutela, o que coloca problemas de responsabilidade política e cível. Os membros do Governo não podem dispor a seu bel-prazer das coleções dos museus nacionais contra pareceres dos organismos técnicos que tutelam", alertou Luís Raposo.
João Neto corrobora: "Se pensarmos no despacho da secretária de Estado a exigir que determinadas peças do Museu dos Coches sirvam para decorar uma instituição que não tem funções museológicas... esta nomeação [na DGPC] deve vir nesse sentido”.
A nova equipa diretiva da DGPC inicia funções no dia 24 de fevereiro.
Além de Bernardo Alabaça, foram nomeados Fátima Marques Pereira e Rui Santos como subdiretores.
O arquiteto João Carlos Santos manter-se-á como subdiretor, assim como o diretor do Museu Nacional de Arte Antiga, Joaquim Caetano, que é equiparado a subdiretor por inerência.
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