Na primeira sessão do julgamento, que decorreu ao longo de toda a manhã de hoje, a arguida explicou que o seu patrão, um homem idoso e sozinho, lhe foi emprestando várias quantias, entre 2015 e 2019, que eram descontadas mensalmente do ordenado.
A residir na casa do idoso e com um vencimento de mil euros mensais, admitiu que, a dada altura, deixou de pagar os empréstimos, depois de o patrão lhe ter dito que as contas estavam “emprestadadas”.
Entre as suas funções, para as quais foi contratada, depois de ter respondido a um anúncio no jornal Diário de Coimbra, figuravam a responsabilidade de cuidar da casa, fazer as compras necessárias para a alimentação, auxiliar em tarefas do quotidiano, incluindo conduzir o veículo do seu patrão.
“Nunca, mas nunca mesmo, foi minha intenção burlar o senhor (…). Sempre me ajudou bastante”, alegou, acrescentando que acabou por criar laços familiares com o patrão, que a tratava como uma filha.
De acordo com a mulher, de 61 anos, o patrão, “um homem lúcido, perspicaz e que não se deixava enganar”, transferia-lhe o ordenado, bem como valores para pagar despesas da casa, para uma conta para a qual lhe deu um cartão multibanco.
Durante os primeiros anos iam conferindo as contas, o que admitiu que deixou de acontecer em data que não soube precisar.
Era também desta forma que lhe eram transferidos alguns montantes emprestados, que disse serem para pagar despesas de saúde e para onde foram transferidos 10 mil euros que garantiu não ter pedido.
“Quando me deu os 10 mil euros disse-me para levantar o dinheiro e fazer dele o que quisesse”, sublinhou, justificando, assim, vários levantamentos diários de 400 euros, o montante máximo permitido.
A mulher de 61 anos evidenciou que todos os levantamentos eram feitos com autorização e conhecimento do patrão, que tinha acesso aos extratos bancários.
“Quando lhe dizia que ele tinha filhos, dizia-me que não ia fazer diferença nenhuma e que tinha muito para os filhos”, assegurou.
Ao longo de duas horas, relatou ainda “a falta de coragem” em contar ao patrão que se ausentou para cumprir uma pena de prisão de três meses, dando como justificação um internamento para tratamento.
Nesta primeira sessão do julgamento foi ainda ouvido, como testemunha, o filho “do meio” da vítima, empresário da construção civil, que explicou que, ao longo dos cinco anos, notou uma crescente proximidade do seu pai com a empregada doméstica, que inclusive conduzia o seu Jaguar, com o qual chegou a sofrer um acidente.
Notou ainda a ausência mais prolongada, por cerca de três meses, que a empregada doméstica justificou com um internamento para tratamento, bem como lhe ter sido contado por uma funcionária da empresa do pai que o seu carro tinha sido visto a ser conduzido por um homem, que a arguida disse ser seu amigo.
Em janeiro de 2019, o seu pai foi internado, em estado “muito grave” nos cuidados intensivos, o que levou a que a empregada doméstica fosse dispensada, tendo-lhe sido solicitado para entregar as chaves do carro, de casa e o cartão multibanco.
Ao Tribunal de Coimbra contou que, como a empregada doméstica não devolveu as chaves de casa, trocaram as fechaduras, tendo-lhe depois feito chegar os seus pertences.
Foi nesta altura que disse ter encontrado cartas endereçadas à empregada doméstica, que terão sido enviadas para o estabelecimento prisional durante os três meses em que esteve ausente.
“Até janeiro de 2019 nem sabia de empréstimos. Para nós os pagamentos eram só para ordenado e despesas da casa”, evidenciou, indicando ainda que só nessa altura encontrou uma capa onde vinham mencionados os empréstimos, inclusive os que tinha contraído junto do seu pai.
Segundo o filho da vítima, naquela capa o seu pai documentava tudo o que era emprestado ou dado e “não era por ser filho ou não que facilitava mais nos negócios”.
Depois do internamento, o idoso acabou por “perder a memória”, encontrando-se atualmente "num lar".
A próxima sessão de julgamento está agendada para a manhã de dia 05 de junho.
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