Bertin Nahum pode não ter as mãos de cirurgião, mas a cabeça de engenheiro virada para a área da robótica abriu-lhe o caminho da medicina.

O “dom” permitiu que este franco-senegalês formado em engenharia no Instituto Nacional de Ciências Aplicadas de Lyon, França, e com um mestrado em robótica na Universidade de Coventry, Inglaterra, passasse comummente a ser considerado um dos empreendedores mais influentes e líderes na robótica ao serviço da saúde.

No dia em que completou 55 anos foi à Web Summit falar da sua última criação, um robot (Epione) usado para o tratamento de cancro no abdómen e nos pulmões e sobre a empresa Quantum Surgical, criada em 2017, recentemente engordada com empréstimo de 30 milhões de euros por parte do Fundo Europeu de Investimento (FEI).

Mas, antes, o atual CEO e cofundador do Quantum Surgical fez questão de recordar a peugada robótica ao serviço da saúde que tem deixado. O tradicional "como é que aqui chegou".

“Desde a viragem do século, criei diferentes empresas em que desenvolvemos diferentes robots para diferentes aplicações ao serviço da medicina, cirurgia ortopédica e cérebro”, explicou ao SAPO24 depois de ter estado nove minutos no palco do Growth Summit no dia de encerramento da cimeira tecnológica em Lisboa.

“Na Medtech Surgical desenvolvemos um robot (BRIGIT) que foi usado para a cirurgia minimamente evasiva aos joelhos”, destacou.

Em 2006, recebeu um encaixe financeiro após ser comprado pela líder em implantes ortopédicos, a Zimmer BioMed.

Ato contínuo, Nahum investiu numa nova plataforma robótica e deu-lhe novo uso. O robot ROSA é usado por “neurologistas para, através de cirurgia minimamente invasiva ao cérebro, tratar pacientes que sofrem doenças como Parkinson ou epilepsia”. A plataforma robótica permite igualmente operar lesões cervicais.

Em 2016, a gigante Zimmer BioMed comprou portfólio e patente da Medtech, protegendo a tecnologia, por valores acima de 130 milhões de euros. Mais uma vez, a verba recebida permitiu-lhe abrir novas portas dentro da robótica.

“Um homem, em cinco, e uma mulher, em seis, vai desenvolver cancro”

“Um homem, em cinco, e uma mulher, em seis, vai desenvolver cancro”, atirou o número para conversa, cruel estatística que levaria este empreendedor nascido no Senegal a dar mais um passo tecnológico.

“A robótica está a mudar a forma como os pacientes estão a ser tratados. Na minha experiência durante os últimos 20 anos em que criei diferentes empresas e em que desenvolvemos diferentes robots para diferentes aplicações, decidi que queria criar uma nova para, basicamente, tentar ajudar oncologistas a tratarem pacientes com cancro”, resumiu.

“Há sete anos criei a Quantum Surgical. Estamos baseados em Montpellier, sul de França, e também nos EUA, em Miami”, indicou.

O novo filho, tal como os outros, tem nome feminino. Epione, que na mitologia grega se traduz por deusa do calmante da dor, casada com Asclepios, deus da medicina e da cura.

A plataforma assistida por robótica “está a ser usada em pacientes com tumores cancerígenos no abdómen e nos pulmões”, especificou. É acionada “numa fase preliminar do tumor”, enfatizou.

Tal como as irmãs, o Epione é um robot utilizado em oncologia de intervenção e concebida para apoiar os médicos durante ablações percutâneas durante um “tratamento minimamente invasivo, menos doloroso que ajuda a destruir tumores que não são tratáveis pela cirurgia devido ao tamanho ou localização”, continuou.

“O paciente entra no hospital de manhã e sai à noite sem o tumor”

“É um tratamento no qual o paciente entra no hospital de manhã e sai à noite sem o tumor”, contou. “E isso é o máximo”, exclamou.

A máquina, plataforma usada em intervenção oncológica e cujo braço opera através de uma microscópia agulha, venceu o prestigiado “Prémio Galien”, em 2022, “um Prémio Nobel que distingue inovações terapêuticas”, descreveu.

Opera “de forma regular numa dúzia de hospitais e centros de tratamento de cancro na Europa e Estados Unidos da América”, destacou ao SAPO24. “Apesar dos benefícios, só uma pequena e limitada percentagem de pacientes tem acesso, porque é um tratamento difícil de fazer e só um reduzido número de médicos consegue fazer”, realçou.

Face a este ponto, “estamos a ajudar a que mais médicos consigam usar e estamos a ajudar que mais pacientes beneficiem do tratamento”, assegurou. “Até à data, já foi usado em mais de 700 pacientes na Europa e nos EUA, e queremos expandir para mais hospitais e ensinar mais médicos”, finalizou Bertin Nahum, CEO e cofundador da Quantum Surgical.

A empresa emprega 120 pessoas e tem sede em Montpellier, hub francês para robots médicos e que se juntou, em 2023, ao French Tech 2030, programa governamental que apoia os principais intervenientes emergentes na inovação disruptiva.