Ouça aqui o quarto episódio da série "O que se ouve quando o país pára":
Durante uns tempos, a covid-19 deu muitas voltas à vida dos pescadores de Monte Gordo: menos tempo de trabalho, mais isolamento e cada vez menos dinheiro. Mas um dos momentos que mais marcou o confinamento de alguns deles nada teve que ver com a pandemia.
Quando Armando Silva, o pescador mais novo da comunidade, recorda a situação, a voz fica-lhe trémula e os olhos brilhantes. Mas quem conta a história é o Ivo, a quem tudo aconteceu.
Ivo tem 71 anos. É um dos pescadores mais velhos daquela praia e muito acarinhado pelos outros. No início de agosto, encontrámo-lo no areal a remendar "as artes” — nome que os pescadores dão às redes de pesca.
Não foi preciso muito para que contasse o que se passou quando, em junho, teve um enfarte em pleno mar.
“Eu fui de manhã [para o barco]. Navegámos, tínhamos lá a bóia a sinalizar as redes”.
“Daí a cinco minutos comecei-me a sentir mal disposto. Comecei a deitar aquela coisa pela boca e cada vez a agravar-se mais. O meu filho largou tudo da mão, deu a força toda ao barco e viemos para terra. Quando cheguei, o INEM veio logo em seguida. Meteram-me oxigénio e levaram-me para Faro. Dei entrada no hospital e lá trataram de mim”. Acabou por ser operado e ficar internado seis dias, mas Ivo descomplica a situação.
“Agora disseram para não apanhar irritações, que levasse a vida com calma”.
Poucas semanas depois de ter saído do hospital, Ivo já tinha voltado à praia.
Acorda às seis da manhã - antes era às cinco - e fica na areia, junto aos barcos, “a trabalhar nas redes até às 10h30”. Depois vai para casa e já não volta. “Não posso apanhar o soalheiro”, explica, bem disposto, sentado numa cadeira de plástico debaixo de uma sombrinha.
Agora já não vai no barco. “Eu queria ir, mas o meu filho não me quer levar”, diz quase a fazer beicinho.
“Um gajo sempre andou aqui. Tem saudades disto”, termina, sorrindo.
Já bem de saúde, o Ivo é um dos pescadores que no episódio de hoje conta como têm sido os tempos de pandemia na praia de Monte Gordo. Clique no player no início do artigo para ouvir. Para a semana o som das gaivotas vai continuar a acompanhar-nos, mas num espaço muito diferente. No próximo destino, vamos encontrar também corujas, mochos, cegonhas, ouriços e outros animais.
“O que se ouve quando o país pára” é uma coleção de histórias e de sons que nos mostram como a vida das pessoas e dos lugares foi afetada quando Portugal parou por causa da covid-19.
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