Episódio 5: Eles já lá estavam, mas quando nos fechámos em casa é que os vimos melhor

Este artigo tem mais de 4 anos
Os números impressionaram. É raro o Centro de Recuperação de Animais Selvagens de Santo André receber tantos animais em tão pouco tempo - se é que já aconteceu. Em cinco meses de pandemia, foram 153 animais resgatados. No ano inteiro de 2019, tinham sido 131. Carolina Nunes, bióloga do Centro, explica porquê. Pelo meio, conta-nos a história de uma coruja resgatada por uma família que até almôndegas comeu.
Episódio 5: Eles já lá estavam, mas quando nos fechámos em casa é que os vimos melhor
Fotografia: Margarida Alpuim | Ilustração: Rodrigo Mendes

Ouça o episódio no player mais abaixo.

Ao contrário da aventura da coruja contada pela Carolina no episódio de hoje, a história que narramos a seguir não tem um final feliz. Mas o desfecho ajuda a lembrar que cada gesto conta.

Eram cerca de 18h15 de 5 de agosto quando a brigada da GNR chegou ao Centro de Recuperação de Animais Selvagens de Santo André (CRASSA) com um caixote de cartão que trazia dentro uma gaivota viva. Tinha sido encontrada a arrastar uma asa na praia da Ilha do Pessegueiro, perto de Porto Covo.

No CRASSA, à espera do animal, estavam Carolina Nunes, bióloga responsável no Centro, e Sofia, voluntária a residir nas instalações naquele momento.

Levaram a gaivota para a enfermaria, retiraram-na lentamente do caixote, deitaram-na na mesa de observação e começaram os procedimentos: verificar a mobilidade das articulações, o estado das penas, a sujidade, a presença ou não de parasitas, hematomas, feridas.


Este é o quinto episódio da série "O que se ouve quando o país pára". Clique aqui para ouvir:


Até aqui tudo dentro do habitual.

Carolina ia manuseando delicadamente a gaivota, enquanto Sofia ajudava a conter os movimentos do animal, que não oferecia muita resistência.

Confirmava-se: era a asa que parecia precisar de mais atenção. Estava fria, inchada e aparentemente sem circulação. Mas não estava partida.

Carolina e Sofia aconchegaram a gaivota numa toalha, com um saco quente junto à asa, e foram preparar as vitaminas.

Numa questão de segundos, quando voltaram a abrir a toalha, já a gaivota não se mexia.

“Às vezes quando os animais chegam, já vêm num estado de fraqueza extrema”, explicou Carolina, pondo a hipótese de a gaivota ter sido vítima de eletrocussão. “E depois com o stress da manipulação dão o suspiro final. Isto acontece mais com aves stressáveis, como os açores, os gaviões, as garças”. “Com uma gaivota nunca me tinha acontecido”, disse, desanimada.

"O que se ouve quando o país pára"

Episódio 1: O silêncio das pedras mortas

Episódio 2: Como assim uma largada de touros se as festas estão proibidas? Assim, de bicicleta

Episódio 3: E tudo correu bem, para eles e para os morangos

Episódio 4: “Um gajo sempre andou aqui. Tem saudades disto”. A história de Ivo e dos outros que ficaram longe do mar

Episódio 5: Eles já lá estavam, mas quando nos fechámos em casa é que os vimos melhor

Episódio 6: “A gente sentir-se só é muito triste”. Quando as portas se fecharam, só sobrou silêncio na vida de Alzira e Maria das Dores

Episódio 7: “Estamos aqui no paraíso, o vírus não tem cá que fazer”

Mais tarde, Carolina explicou que o que tinha acabado de acontecer “não é comum” e lembrou que “a maior parte dos animais beneficia de ir para o centro de recuperação” e que um resgate atempado muitas vezes faz a diferença.

Ao CRASSA chega todo o tipo de animais selvagens, incluindo animais com níveis de ameaça mais elevados, como o mocho d’orelhas.

"Mas não deixam de ser importantes todos os outros, porque só o facto de cá chegarem implica que há alguma ameaça. Devemos sempre recuperar cada indivíduo que nos chega porque não sabemos daqui a uns anos quais serão as espécies ameaçadas”, afirma a responsável, sublinhando o papel de cada animal no equilíbrio do ecossistema.

O CRASSA está inserido na Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha, na costa alentejana (Sines e Santiago do Cacém), é um dos três centros geridos pela Quercus e faz parte da Rede Nacional de Centros de Recuperação para a Fauna, coordenada pela Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.

Qualquer pessoa pode participar nas atividades dos Centros de Recuperação, através de voluntariado, do apadrinhamento de animais e da participação na libertação dos animais, ou da entrega de donativos.


“O que se ouve quando o país pára” é uma coleção de histórias e de sons que nos mostram como a vida das pessoas e dos lugares foi afetada quando Portugal parou por causa da covid-19.

Pode acompanhar esta série no nosso siteFacebookInstagram e Twitter. Ou ouvir em formato podcast no SpotifyGoogle PodcastsApple Podcasts ou noutras plataformas de podcasts.


O ouriço-cacheiro é um dos animais que o CRASSA recebe com frequência. Os ouriços são animais selvagens, pelo que não podem ser mantidos em cativeiro. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

Carolina Nunes, 25 anos, bióloga da conservação, responsável pelo Centro de Recuperação de Animais Selvagens de Santo André (CRASSA), um dos três centros da Quercus. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

Detalhe da máscara de Carolina Nunes. A maioria dos animais que chegam ao CRASSA são aves - cegonhas, gaivotas, mochos, águias, corujas, etc. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

As instalações do CRASSA encontram-se no local de um antigo moinho, na Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha. Ainda hoje corre uma pequena ribeira por baixo da casa principal, embora tenha muito pouca água. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

Este mocho-d’orelhas encontra-se numa fase intermédia de recuperação. Já saiu do internamento, onde são prestados cuidados mais delicados, mas ainda não está pronto para ser libertado. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

No túnel de voo, as cegonhas e as gaivotas têm espaço para treinar o voo e os comportamentos de socialização com os outros animais, ficando preparadas para a libertação na natureza quando estiverem totalmente recuperadas. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

Quadro com a listagem dos animais que estavam no CRASSA no início de agosto e das instalações em que cada um se encontrava e da alimentação que lhes estava destinada. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

Seringas e outros materiais para os cuidados a prestar na enfermaria. Este é o local onde todos os animais são observados quando chegam ao CRASSA. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

Detalhe de um estetoscópio para os cuidados a prestar na enfermaria. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

O CRASSA funciona todo o ano, sendo o trabalho assegurado em grande parte por voluntários e estagiários. Alguns deles ficam a residir nas instalações do Centro. créditos: Margarida Alpuim | MadreMedia

Veja todos os episódios

 

Comentários

Entre com a sua conta do Facebook ou registe-se para ver e comentar
mookie1 gd1.mookie1