O início destes trabalhos foi confirmado pelo Governo espanhol e pelas famílias das vítimas, que reclamavam há anos a entrega dos restos mortais.
Em alguns casos, a exumação dos corpos faz-se em cumprimento de sentenças judiciais que remontam a 2016 e que reconheceram às famílias o direito a receberem os restos mortais de fuzilados durante a guerra, para lhes darem o destino que entenderem.
No entanto, essas sentenças foram alvo de recursos e contestação judicial por parte de entidades como a Associação para a Defesa do Vale dos Caídos ou a Fundação Francisco Franco, que tem o nome do general que instituiu e liderou a ditadura espanhola entre 1939 e 1976.
Estas associações pretendiam preservar o Vale dos Caídos – hoje batizado como Vale de Cuelgamuros – como o memorial criado e mandado construir por Francisco Franco.
O nome e o estatuto do Vale dos Caídos foram alterados ao abrigo da nova lei de Memória Democrática de Espanha, em vigor desde outubro passado, que além de proibir no local “atos de natureza política ou de exaltação da Guerra [Civil], dos seus protagonistas ou da ditadura”, estabelece que “as criptas adjacentes à Basílica e os túmulos existentes na mesma têm o caráter de cemitério civil”.
Ao abrigo da mesma lei e de outra legislação anterior, nos últimos anos, Espanha retirou o corpo de Franco do Vale dos Caídos e de outros generais ligados à ditadura e ao franquismo de basílicas e monumentos.
Além de Franco, foi retirado do antigo Vale dos Caídos, em abril passado, o corpo do fundador do partido fascista Falange Espanhola, Jose Antonio Primo de Rivera, que esteve enterrado, até 2019, ao lado do ditador, no altar principal da basílica construída no local.
No Vale de Cuelgamuros estão enterrados restos mortais de mais de 33.800 pessoas que combateram nos dois lados da guerra civil, um terço dos quais estão por identificar.
O local é um memorial franquista monumental do qual faz parte uma basílica construída entre 1940 e 1958, a cerca de 40 quilómetros de Madrid. Foi esculpido na encosta de uma montanha, tendo sido utilizados condenados na sua construção, incluindo presos políticos na época de Franco.
Foram levados para as criptas do Vale dos Caídos restos mortais de milhares de mortos na guerra civil, em muitos casos, à revelia de famílias que têm reclamado o direito a recuperar os cadáveres.
Foi isso que aconteceu com famílias das 128 vítimas que serão retiradas do local com os trabalhos hoje iniciados e que as autoridades espanholas preveem que levem meses a estar concluídos, por obrigarem a respeitar diversos protocolos internacionais e procedimentos de localização e identificação.
A ministra porta-voz do Governo espanhol, a socialista Isabel Rodríguez, reconheceu hoje que os trabalhos deverão prolongar-se para além de 23 de julho, data das eleições legislativas antecipadas em Espanha, com as sondagens a darem a vitória ao Partido Popular (PP, direita), que se manifestou contra a nova lei da Memória Democrática e já afirmou que revogará a legislação se chegar ao poder.
A ministra questionou “por que é que incomoda” o PP que “famílias espanholas queiram ter enterrados os seus mortos onde desejam e possam levar-lhes flores quando desejem”.
Para Isabel Rodríguez, do partido socialista (PSOE), “finalmente, e talvez com muito atraso, a democracia espanhola está a dar resposta a essas vítimas”.
O líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, tem dito que revogará a legislação se for primeiro-ministro por considerar que “reabre o rancor” e “não semeia a concórdia”, além de que “não respeita a Constituição e a transição espanhola”, numa referência ao período de passagem a ditadura para a democracia nos anos de 1970, que resultou de um entendimento entre os diversos protagonistas políticos da época.
Familiares de vítimas que reclamam a entrega de corpos manifestaram hoje satisfação pelo início dos trabalhos de exumação e apelaram a que sejam rápidos.
Segundo diversas fontes citadas por meios de comunicação social espanhóis, a maioria dos 128 corpos que serão retirados são republicanos e opositores à ditadura franquista, mas há também casos ligados ao lado nacionalista e de apoio a Franco.
A Lei de Memória Democrática de Espanha em vigor desde o ano passado pretendeu alargar a reparação das vítimas da guerra civil (1936-1939) e da ditadura franquista que se seguiu (1939-1975).
A nova lei, que substitui outra de 2007, aprovada durante o governo socialista de José Rodríguez Zapatero, reforçou o compromisso de Espanha na procura de desaparecidos durante a guerra civil e o franquismo e ampliou a definição de vítimas, que passou a incluir pessoas LGBTI (lésbicas, ‘gays’, bissexuais, transgénero, intersexuais), crianças adotadas sem consentimento dos progenitores e as línguas e culturas basca, catalã e galega, entre outros casos.
Mais de 500.000 pessoas morreram na guerra civil entre as forças nacionalistas rebeldes lideradas por Franco e os defensores de uma República espanhola e há mais de 110.000 vítimas mortais da guerra e da ditadura por identificar.
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