O concelho da Ribeira Grande, na ilha de São Miguel, foi o que registou no país maior abstenção nas europeias de 2014, com 85,05%, tendo exercido o seu direito de voto 4.099 eleitores de um total de 27.411 inscritos, segundo dados da Direção Geral de Administração Interna.
No porto de pescas de Rabo de Peixe, vila piscatória daquele concelho, que serve cerca de mil pescadores e possui cerca de 100 embarcações de pesca, 85% de fundos comunitários são responsáveis pelo volume de investimento realizado naquela infraestrutura, mas a comunidade local passa à margem desta realidade, desconhecendo a maioria dos pescadores que existem eleições para o Parlamento Europeu em 26 de maio.
Para os pescadores, é mais fácil identificar este dia como o domingo de procissão das Festas do Santo Cristo dos Milagres, as maiores festividades religiosas dos Açores, que se realizam em Ponta Delgada, mobilizando milhares de pessoas e coincidindo com o ato eleitoral.
Ruben Cabral, de 33 anos, refere que foi o pai, “que está debaixo da terra”, quem pagou com os seus impostos as obras de ampliação do porto de Rabo de Peixe e não as verbas da União Europeia (UE), admitindo nunca ter votado para o Parlamento Europeu e desconhecer que vêm aí novas eleições.
Entre as contas sobre quantos litros tem que pagar para abastecer a embarcação e ir ao mar, José Francisco dos Santos, de 57 anos, afirma conhecer a Europa e votar sempre nos atos eleitorais, recordando mesmo uma visita ao porto de um comissário europeu responsável pelas pescas.
“Voto para se ver se corre alguma coisinha para a gente também, porque os políticos, estes, estão a enfardar-se”, declara, enquanto Alexandre Andrade, de 36 anos, está convicto que as obras no porto são do Governo Regional e, apesar de saber que há eleições, vai abster-se porque não quer "votar em ninguém, porque eles não resolvem os problemas das pessoas”.
Diogo Cordeiro, de 27 anos, refere “não gostar de votar”, por isso não vai exercer o direito de voto, enquanto o mestre de embarcação, Manuel Vieira, de 27 anos, responsável por dez pescadores, afirma estar “mais concentrado numa boa faina, que está neste momento de feição”, visando a sobrevivência.
Assumindo que nunca votou, aquele mestre de Rabo de Peixe afirma que “o dinheiro não é da Europa, mas sim de todos, que trabalharam para ter o porto”.
No centro da cidade da Ribeira Grande, concelho que tem beneficiado de vários projetos aprovados com fundos comunitários, Manuel Medeiros, de 68 anos, reformado, está “mais preocupado com o agravamento do passe social” para os transportes do que com as eleições europeias.
O antigo funcionário de uma indústria ligada aos laticínios da ilha de São Miguel, apesar das críticas, nunca deixou de votar e compara os salários dos eurodeputados com aqueles que auferem apenas 580 euros mensais.
José Resendes, nome fictício, funcionário público, considera que “a política está desacreditada”, tendo votado PS e PSD ao longo dos anos, mas “os partidos acabaram” para si, não indo votar mais, uma vez que “eles querem é o tacho e deixam o povo em baixo”.
Um grupo de estudantes da Escola Secundária da Ribeira Grande, também concentrado no centro da Ribeira Grande, afirma conhecer o projeto europeu e que Portugal integra a UE, mas desconhece os projetos que cada partido apresenta nas eleições europeias.
Os fundos comunitários têm desempenhado um papel considerado importante no desenvolvimento da região através da realização de investimentos em infraestruturas como portos, aeroportos, hospitais e estabelecimentos escolares por todas as nove ilhas, que integram uma região denominada de convergência porque o seu Produto Interno Bruto se situa abaixo dos 75% da média da riqueza na União Europeia.
*Por João Alberto Medeiros, da agência Lusa
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