A lei portuguesa proíbe, desde sempre, a morte a pedido da vítima, por exemplo, mas, até na literatura, nos “Novos Contos da Montanha”, de Miguel Torga, se contava a história do “pai da Morte”, ou “Alma Grande”, que abreviava a morte de moribundos, nas aldeias perdidas nas serras, longe de Lisboa.
“Entrava, atravessava impávido e silencioso a multidão que há três dias, na sala, esperava impaciente o último alento do agonizante, metia-se pelo quarto dentro, fechava a porta, e depois saía com uma paz no rosto pelo menos igual à que tinha deixado ao morto”, escreveu Miguel Torga.
O tema tem despertado debates intensos e acalorados na sociedade portuguesa ao longo das últimas décadas.
Nos últimos 40 anos, o debate fez-se à boleia de posições, por exemplo, da Igreja Católica. Foi o que aconteceu em 1980, quando a Congregação para a Doutrina da Fé admitiu que os médicos tomem a decisão de “renunciar a tratamentos” que prolonguem a vida artificialmente.
Menos de dez anos depois, em 1989, foi uma entrevista à Lusa do médico legista Pinto da Costa, então presidente do Instituto de Medicina Legal do Porto, que afirmou existir, cada vez mais, tendência para aceitar a eutanásia voluntária.
“Há uma tendência para admitir que a morte de terceiros, em intenso e prolongado sofrimento, a pedido deste, por o considerar insuportável, não significa para o público o mesmo que homicídio”, disse Pinto da Costa, originando polémica.
O DN fez quatro páginas sobre o tema, com o título “A morte doce tem muitas faces”, em que abordou a questão do ponto de vista médico, ético e legal, ouvindo algumas personalidades que viriam a ser conhecidas, como Souto Moura, futuro Procurador-Geral da República.
“Não vejo que haja inconveniente que se legisle sobre a eutanásia. Quanto às vantagens, tudo depende da lei que sair”, dizia então Souto Moura.
A “morte doce” remete para uma definição antiga de eutanásia, que só passados três séculos, assinalava o jornal, passou a ser associado à morte por vontade própria.
Outro artigo tinha o título “A face amarga da morte doce” e remetia para os dilemas éticos, em que gerontólogo Canova Xavier considerava errado serem terceiros a decidir a morte de alguém.
Carlos Amaral Dias, o psiquiatra, de bigode e 30 anos mais novo, afirmou: “Morrer em dignidade eu diria que é dar uma imagem que fique, que possa perdurar nos outros de uma forma consistente”.
Os meses passavam, mas a polémica não, com o então bastonário da Ordem dos Médicos, Machado Macedo, a condenar a prática – “eutanásia é matar” - mas a admitir que se discutisse o assunto.
Foi o que aconteceu em novembro, num colóquio sobre a morte, em que se confrontaram defensores do “sim” e do “não” e houve discussão sobre os cuidados paliativos.
Um padre, Gonçalves Moreira, por exemplo, falou da sua experiência com doentes terminais. Os hospitais não são bons locais para morrer, propondo a criação de instituições para os doentes esperarem a morte “com os cuidados necessários”.
Outro padre, Feytor Pinto, em 1995, então Alto Comissário para o Projeto Vida, sintetizou, num colóquio em Coimbra, aquela que é a posição da Igreja portuguesa sobre o problema, recusando a eutanásia como apelo à participação da morte: “A vida vale a pena até ao último momento.”
Ao longo deste tempo, o sentimento da opinião pública foi sendo medido.
Uma sondagem da Marktest para o DN e TSF, em 1999, apontava para uma divisão, de 46% a favor e 41 contra. Outra sondagem, de 2000, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, concluiu que cerca de 62% dos inquiridos tem posições favoráveis à morte assistida, enquanto mais de 50% admitia que a eutanásia “é um ato aceitável dentro de certos limites”.
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