Ao longo de uma hora e oito minutos, ouviram-se os argumentos já conhecidos a favor e contra o referendo à morte medicamente assistida, proposto por uma iniciativa popular dinamizada pela Federação Portuguesa pela Vida e que reuniu mais de 95.000 assinaturas.

Os argumentos andaram entre a legitimidade para os deputados decidirem numa matéria que, por exemplo, não estava no programa eleitoral do partido que ganhou as legislativas, o PS, e a defesa de dar a palavra “ao país e aos portugueses”, e as críticas à pergunta proposta: "Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível em lei penal em quaisquer circunstâncias?".

PSD

Mónica Quintela, do PSD, pelo “não” ao referendo, afirmou que como deputada eleita não pode “renunciar ao mandato de representação” e de decidir numa “democracia representativa”.

Deve ser a Assembleia da República, afirmou, a decidir nesta matéria do referendo à morte medicamente assistida, “desde logo porque os direitos, liberdades e garantias não são referendáveis e o parlamento é a sede própria para legislar sobre direitos fundamentais”.

Do lado do “sim”, falou Paulo Moniz, também do PSD, que fez a defesa do direito dos portugueses se pronunciarem como ele, enquanto deputado, pode votar uma lei.

“Defendo que nesta matéria tão sensível devemos pautar-nos pela oportunidade de pronúncia de todos os que querem entrar neste debate: o país e os portugueses”, disse o deputado, que ao defender esta posição não está a retirar a legitimidade que “o parlamento indiscutivelmente tem”.

PS

Mais emotiva foi a intervenção de Isabel Moreira, primeira deputada a falar pelo PS, que lembrou o exemplo de Luís Marques, de 62 anos, paraplégico há 55, que foi morrer à Suíça, por a “sua autodeterminação” ser "crime em Portugal".

“A escolha de Luís, as escolhas das pessoas que conhecemos e que não divulgamos, a escolha inalienável sobre a minha morte em circunstâncias pessoalíssimas pode depender de uma consulta popular? Em nome de quem escolheu, em nome de quem quer escolher, dizemos não, não vos referendamos”, disse.

Depois de os peticionários não terem defendido o referendo no anterior debate, em 2018, afirmou Isabel Moreira, agora “apresentam-se com a legitimidade de uma tática para paralisar o parlamento”, afirmou.

Iniciativa Liberal

O deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, anunciou o apoio do seu partido à realização de um referendo sobre a eutanásia proposto por uma iniciativa de cidadãos, juntando-se assim ao CDS-PP e Chega.

João Cotrim Figueiredo tinha remetido para hoje a sua posição sobre esta iniciativa da Federação Portuguesa Pela Vida, que recolheu mais de 95 mil assinaturas.

Numa intervenção na Assembleia da República durante o debate em plenário desta iniciativa popular, o deputado da Iniciativa Liberal considerou que esta é uma questão difícil: "Desafia-nos a promover a participação cívica, mas ao mesmo tempo recorda-nos que a consciência não se leva a votos".

"A nossa posição e o nosso mandato sobre a eutanásia é clara e conhecida: a Iniciativa Liberal inscreveu esta matéria no seu programa político, a Iniciativa Liberal apresentou o seu próprio projeto de despenalização da morte medicamente assistida", referiu.

"Ignorar a vontade de quase cem mil pessoas de exprimirem a sua opinião criaria isso mesmo: uma brecha e uma fraqueza na legislação que desejamos ver aprovada. É quando vários direitos e vários princípios colidem que se exige o regresso à essência da política: a escolha, por mais difícil que ela seja. A escolha da IL é votar a favor da realização do referendo", anunciou.

PCP

Pelo PCP, que em fevereiro votou contra a eutanásia, o deputado António Filipe evocou a coerência do partido ter sido sempre contra os referendos sobre questões que envolvem “direitos fundamentais” – como, no passado, o aborto – por poderem “ficar sujeitas às contingências, ao maniqueísmo e à simplificação”.

Os deputados têm “legitimidade para legislar” e, disse, o PCP, que é contra a eutanásia, recusa “as facilidades” de remeter a decisão para o voto popular e dizer depois que foi “o veredicto do povo”: “O PCP pode discordar das decisões tomadas nesta Assembleia e lutar contra elas, mas não questiona a legitimidade desta assembleia para tomar decisões em nome do povo que representa.”

PAN

A deputada do PAN Bebiana Cunha contrapôs que "este é claramente um tema que não se resolve por referendo" e alegou que esse instrumento, neste caso, "está claramente a ser usado como último reduto de quem quer a todo o custo travar uma matéria de direito tão fundamental e basilar como o alargamento da autonomia e autodeterminação das pessoas".

Bebiana Cunha criticou a formulação da pergunta proposta por esta iniciativa popular, argumentando que "a morte medicamente assistida não é um homicídio e não é um pedido inconsciente destituído de uma profunda reflexão e escolha".

Bloco de Esquerda

José Manuel Pureza, do BE, considerou que "referendar direitos de todos é pôr esses direitos nas mãos de alguns, e isso é inaceitável", e alegou também que "esta não é uma questão de sim ou não", mas uma matéria complexa que sobre a qual a Assembleia da República "tem a responsabilidade de legislar, ponderando todos os valores e todos os interesses".

"Em nome de uma democracia que se leva a sério, em nome da responsabilidade do parlamento, o BE votará contra esta proposta e empenhar-se-á, como tem feito desde a primeira hora, em que aprovemos uma lei tão prudente quanto determinada no respeito pela livre decisão de cada um sobre o seu fim de vida. É esse o nosso compromisso", acrescentou.

PEV

José Luís Ferreira, do PEV, manifestou "sérias e fundadas dúvidas e reservas sobre a real motivação dos promotores desta iniciativa popular" e subscreveu a posição de que "há matérias que não são referendáveis, que não devem ser objeto de referendo, desde logo questões que envolvem direitos fundamentais".

"Estamos a falar do direito à vida, que em bom rigor não se restringe apenas ao direito à vida, mas que inclui também o direito a decidir como e quando se quer terminá-lo, se se decidir abreviar a vida, uma vez que não existe o dever ou a obrigação de viver", sustentou.

CDS

Com o Chega ausente deste debate, o líder parlamentar do CDS-PP assumiu sozinho a defesa desta iniciativa de referendo, respondendo a alguns dos argumentos da esquerda e pedindo que não se tenha "medo de ouvir o povo" para evitar "uma precipitação ou um erro".

Telmo Correia contestou a ideia de que está em causa uma matéria que "o cidadão não é suficientemente iluminado para poder compreender" e face ao argumento de que não se referendam direitos, questionou: "Não se referendou duas vezes o aborto? Só agora é que não se pode referendar?".

CHEGA

O Chega defendeu hoje que os portugueses sejam ouvidos quanto à despenalização da morte medicamente assistida, defendendo a realização do referendo, e recusou uma “ditadura de bastidores” com a rejeição da proposta.

“Se não houver referendo é porque a esquerda - e alguma direita - tem medo de ouvir os portugueses. Ponto final. Esperemos que essa ditadura de bastidores não prevaleça”, escreve a direção nacional do Chega em comunicado hoje divulgado.

O deputado único e presidente do partido, André Ventura, sublinhou que não esteve presente no debate de hoje em torno da proposta de referendo sobre a eutanásia por estar a participar na campanha para as eleições legislativas regionais dos Açores, que se disputam no domingo.

Segundo o comunicado da direção do partido, o Chega defende um referendo sobre a despenalização da morte medicamente assistida porque “este é um assunto de consciência, onde devem ser ouvidos os portugueses” e também porque “o tema da eutanásia não estava previsto nos programas eleitorais dos respetivos partidos, motivo ainda mais relevante para se realizar o referendo”.

A Assembleia da República tem em curso o debate da despenalização da morte medicamente assistida, que, para se tornar uma lei, necessita de ser votada na especialidade e votação final global e depois promulgada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

À direita, o CDS e o Chega são contra a lei e, à esquerda, o PCP também. No PSD há divisões e no PS, maioritariamente a favor, também.

Os diplomas preveem, nomeadamente, que só possam pedir a morte medicamente assistida, através de um médico, pessoas maiores de 18 anos, sem problemas ou doenças mentais, em situação de sofrimento e com doença incurável.