“Tendo recebido da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a adenda ao parecer relativo ao projeto-lei, na qual se conclui que ‘é entendimento da Comissão que, do ponto de vista constitucional, não preenche os requisitos para a subida a Plenário’, o Presidente da Assembleia da República, após a necessária ponderação, emitiu um despacho no sentido de que fique sem efeito o seu agendamento para plenário”, refere uma nota de Ferro Rodrigues a que a Lusa teve acesso.
O despacho do presidente da Assembleia da República recorda que admitiu o diploma do Chega reconhecendo que “o poder de rejeição de iniciativas é absolutamente excecional”, mas suscitou “desde logo dúvidas acerca da conformidade do teor desta iniciativa com a Constituição da República Portuguesa, que foram confirmadas pelo parecer de entidades consultadas no curso do processo legislativo desta iniciativa, como o do Conselho Superior da Magistratura”.
“Não obstante todas as dúvidas”, acrescenta, o projeto-lei do Chega - que agrava as molduras penais para crimes de abuso sexual de crianças e cria a pena acessória de castração química - foi agendado para o plenário de sexta-feira na conferência de líderes de 12 de fevereiro, por arrastamento de uma iniciativa do PS que reforça o quadro sancionatório e processual em matéria de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores.
“Todavia, no mesmo dia 12, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias emitiu o parecer que lhe compete relativo ao projeto-lei do Chega o qual, embora suscitando fortes dúvidas em termos de conformidade da iniciativa com a Constituição, não se pronunciou, nas conclusões, relativamente ao cumprimento dos requisitos constitucionais e regimentais que habilitassem a iniciativa de ser discutida e votada em Plenário, como, de resto, é prática em pareceres semelhantes”, refere o presidente do parlamento.
No despacho hoje emitido, Ferro refere que, em 14 de fevereiro, recebeu uma carta da presidente do grupo parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, pedindo que, face às dúvidas constitucionais, o arrastamento com o projeto socialista não fosse aceite e o tema fosse debatido em nova conferência de líderes.
“Em reunião de 19 de fevereiro, a Conferência de Líderes acordou, unanimemente, no sentido de o Presidente da Assembleia da República obter os esclarecimentos necessários junto da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, atendendo às considerações tecidas no seu parecer”, recorda ainda Ferro.
O presidente da Assembleia da República solicitou então à primeira Comissão que “com muita urgência” esclarecesse se as “dificuldades manifestas” de natureza constitucional identificadas no seu parecer eram ultrapassáveis no decorrer do processo legislativo e se o referido diploma reunia ou não os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutido e votado em Plenário.
Em reunião na quarta-feira, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias emitiu uma adenda ao parecer considerando que existe no projeto uma “desconformidade constitucional que parece inultrapassável” - uma vez que a pena acessória de castração química, onde se centram as principais dúvidas, é um elemento central do diploma - e acrescenta que “do ponto de vista constitucional, o projeto-lei não preenche os requisitos para a subida a plenário”.
“Ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis e com os fundamentos apresentados, decido (sem prejuízo do direito de recurso para o plenário, que delibera em definitivo, nos termos do Regimento da Assembleia da República), que fica sem efeito o seu agendamento para plenário”, conclui o despacho de Ferro Rodrigues.
Na quarta-feira, o deputado único do Chega, André Ventura, anunciou que recorreria para plenário se Ferro Rodrigues retirasse da ordem do dia de sexta-feira o diploma do partido que introduz a castração química de agressores sexuais de menores.
A adenda ao parecer foi aprovada na Comissão com votos favoráveis de PS, PCP e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira e, além do entendimento de que o projeto-lei do Chega não preenche os requisitos constitucionais para a subida ao plenário, refere que “a decisão sobre o agendamento para discussão em plenário não cabe nas suas competências, mas sim ao Presidente da Assembleia da República, ouvida a conferência de lideres”.
BE, CDS e Chega votaram contra a adenda ao parecer, defendendo que não se deveria abrir o precedente de a Comissão de Assuntos Constitucionais ‘travar’ a subida de diplomas a plenário, e PSD e PAN abstiveram-se.
[Notícia atualizada às 10h42]
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