“Toda a situação de claro predomínio da esquerda na política portuguesa durou até ao dia da assinatura do acordo constitutivo da AD”, disse à Lusa Diogo Freitas do Amaral, sobre a assinatura do compromisso entre PPD, CDS e PPM a 5 de julho de 1979, com o qual estes partidos venceram as eleições de dezembro desse ano, mostrando que “a direita portuguesa também tinha o seu lugar” e contribuindo “para reconciliar uma grande parte da direita com o 25 de Abril”.
Um detalhe daquele dia deixou Freitas do Amaral muito “bem impressionado” com o líder do PPD e futuro primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro: o acordo seria assinado na sede do CDS, apesar dos protestos de alguns sociais-democratas, em estrita obediência à rotatividade do local dos encontros de alto nível entre os três partidos que constituíram a Aliança Democrática (AD).
“Fiquei com a ideia, desde esse dia, e depois isso manteve-se, que o dr. Sá Carneiro não se ia prender com pequenas questiúnculas de natureza partidária. Para ele, era um projeto nacional e realmente estava-se um pouco nas tintas, passo a expressão, se a assinatura calha aqui ali ou acolá. O que era preciso era avançar com a vida, com a ideia e com os vários projetos”, recordou Freitas do Amaral à Lusa.
Seis meses depois do acordo assinado por Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Gonçalo Ribeiro Telles, a AD vencia as eleições que permitiram a formação do VI Governo Constitucional. Liderado por Sá Carneiro, esse executivo teve Freitas do Amaral como vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros.
“O centro e a direita portuguesa, pela primeira vez, tiveram a esperança de que as coisas pudessem mudar e que nós pudéssemos ter uma governação mais parecida com aquela que existia nas grandes democracias europeias, com a França, a Inglaterra, a Alemanha e outras”, considera Freitas.
“Houve uma enorme esperança e essa esperança foi tão grande que quando se realizaram as eleições [dezembro de 1979], a AD ganhou com maioria absoluta dos deputados, que era essencial para poder governar, se não, ficávamos nas mãos do PS e isso eu e o dr. Sá Carneiro já tínhamos dito que não aceitávamos. Foi a primeira vez que o centro direita, ou se se simplificar, a direita, ganhou umas eleições desde o 25 de Abril, e ganhou com maioria absoluta”, afirmou.
Na ótica de Freitas do Amaral, esse executivo “governou de forma moderada, democrática”: “Não se violou a Constituição uma única vez, não se concretizaram os grandes receios da esquerda, ‘ah, vem aí o fascismo, os adeptos da ditadura’. Nada disso. Houve greves, normalíssimas, sem qualquer intervenção da polícia”.
“Portanto, foi uma governação democrática, europeia, normal. Tudo isto era uma novidade. Aliás, uma dupla novidade. Por um lado, era a primeira vez desde o 25 de Abril que o centro e a direita assumiam o governo, mais, era a primeira vez desde há mais de 50 anos que a direita chegava ao poder por via eleitoral, porque no Estado Novo foi sempre pelos mecanismos da ditadura”, sustentou.
Para Freitas, esse governo provou “contra aquilo que tinha dito o MFA e contra o que tinha dito o PCP, e contra o que tinha dito a extrema-esquerda e o coronel Otelo”.
“Afinal, a direita portuguesa também tinha o seu lugar, também tinha a sua legitimidade nesta democracia, e desde que tivesse os votos necessários, podia governar. Foi extremamente importante, e contribuiu muito para reconciliar uma grande parte da direita com o 25 de Abril”, concluiu.
Freitas apontou que “a prova de que o governo do dr. Sá Carneiro governou bem é que, quando em outubro, teve de se sujeitar a novas eleições, teve mais de 200 mil votos e aumentou o número de deputados”.
Nas eleições legislativas intercalares de 2 de dezembro de 1979 a AD alcança 42,52% e nas eleições legislativas de 5 de outubro de 1980 obtém 44,91%, de acordo com os resultados publicados na página da internet da Comissão Nacional de Eleições (CNE).
Após a morte de Sá Carneiro, em 4 de dezembro de 1980, Freitas do Amaral foi primeiro-ministro interino. Depois disso, a AD teve outros dois governos chefiados por Francisco Pinto de Balsemão.
(Por: Ana Clotilde Correia, da agência Lusa)
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