"Quando comecei a pesquisar, disseram-me que eu era completamente louco. No Consulado de Portugal em Bordéus, nessa altura, puseram-me na rua e disseram-me mesmo que estava a desvalorizar a imagem de Portugal", lembrou Manuel Dias, em entrevista à agência Lusa.
A saga do reconhecimento do salvamento de 30 mil pessoas por parte de Aristides de Sousa Mendes em junho de 1940 começou há 35 anos para Manuel Dias. Na altura, um amigo, o jornalista Álvaro Morna, ligou-lhe de Paris e disse-lhe que tinha recebido uma notícia dos Estados Unidos em que se estava a homenagear um diplomata português do outro lado do Atlântico e que ele teria tido um posto em Bordéus.
Manuel Dias tinha chegado a França nos anos 1960, fugido da polícia política portuguesa (PIDE) que conhecia as suas atividades sindicalistas na fábrica de lanifícios da Covilhã onde começou a trabalhar muito jovem. Chegado a França, instalou-se primeiro em Estrasburgo, depois em Nantes, a seguir em Paris e estabeleceu-se em Bordéus nos anos 1980, onde era diretor regional do serviço da imigração.
Em 1987, começou então o processo de descobrir quem foi Aristides de Sousa Mendes e o que ele tinha feito, mesmo se em 1966 já tinha sido indicado como Justo entre as Nações pelo Memorial do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém. O processo de documentação foi avançando através da pesquisa de Álvaro Morna e, em Bordéus, Manuel Dias e o padre Bernard Rivière animaram emissões de rádio em português sobre o cônsul.
Ao mesmo tempo, em Portugal, começavam as primeiras homenagens.
"O Jaime Gama quando foi ministro dos Negócios Estrangeiros interessou-se por isso, mas havia uma grande resistência no ministério. Quem abriu os arquivos do ministério foi o Jaime Gama e depois ele foi presidente da Assembleia da República e a primeira reabilitação em Portugal foi feita pelo Jaime Gama em 1988", contou Manuel Dias.
Foi nesta altura, que com o aparecimento de artigos na imprensa local de Bordéus, Manuel Dias foi contactado pela filha francesa de Aristides de Sousa Mendes acrescentando mais uma peça ao puzzle. Ao mesmo tempo, o autarca de Bordéus, Jacques Chaban-Delmas, ele próprio resistente na II Guerra Mundial, encaminhou Manuel Dias para o Museu da Resistência de Bordéus de modo a obter mais documentação.
Também o então Presidente Mário Soares, que numa visita aos Estados Unidos tinha sido incitado a homenagear o cônsul português por dois senadores, "um de origem portuguesa e outro cujo pai tinha sido salvo pelo Aristides", entrega à família americana do diplomata uma medalha da Ordem da Liberdade e, em 1993, descerra uma lápide evocativa na Sinagoga de Lisboa.
No ano seguinte, em 1994, é inaugurado o busto de Aristides de Sousa Mendes, em Bordéus, com a presença de Mário Soares e de várias figuras da administração francesa e portuguesa, tendo sido o primeiro monumento na Europa dedicado ao cônsul, numa iniciativa do entretanto formado Comité Nacional de Homenagem a Aristides de Sousa Mendes.
No entanto, foi em 1997 que a história do cônsul português se tornou do domínio público em França quando começou em Bordéus o processo Papon. Entre 1942 e 1944, Maurice Papon foi secretário-geral da prefeitura da Gironda, tendo supervisionado a deportação de pelo menos 1.600 judeus. Durante décadas, Papon ocultou este facto, proclamando-se resistente e tendo tido uma carreira brilhante na política.
O seu envolvimento na deportação foi denunciado pelo jornal Canard Enchaîné em 1981 e em 1997 começou a ser julgado, num dos processos mais mediáticos de França. Sendo um dos advogados da acusação próximo de Manuel Dias e conhecendo a história de Aristides de Sousa Mendes, o exemplo do cônsul português foi usado em oposição a Papon, que alegava não conhecer o destino final dos judeus enviados para os campos de concentração.
"Este processo durou cinco meses e o Comité esteve muito presente. A história do Aristides foi conhecida nessa altura porque a grande imprensa francesa e internacional esteve aqui e pegou nesta diferença que era de o Maurice Papon dizer que não sabia o que se estava a fazer aos judeus e o Aristides provar que toda a gente sabia", lembrou, reforçando que a partir daí "Portugal já não podia ignorar" o papel deste diplomata.
Este processo chamou também a atenção de Simone Veil, sobrevivente de Auschwitz-Birkenau e figura de destaque da vida política francesa, para a história do cônsul português. Veil pediu para se encontrar com o Comité, tendo defendido a partir daí a entrada dos "Justos entre as Nações" que atuaram em França no Panteão francês. Assim, Aristides de Sousa Mendes passou a figurar no Panteão francês.
Hoje, o Comité Nacional de Homenagem a Aristides de Sousa Mendes continua muito ativo, promovendo exposições, conferências e programas escolares para falar sobre a iniciativa do cônsul em junho de 1940.
"São 35 anos da minha vida. Nós continuamos a receber aqui regularmente pessoas que vêm do mundo inteiro para descobrir Bordéus, para descobrir o Aristides de Sousa Mendes e nós somos um ponto de encontro", concluiu Manuel Dias.
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