“A viagem foi feita contra a vontade do rei português, porque Fernão de Magalhães quis oferecer as Molucas [um arquipélago que faz parte da Indonésia, a norte do Timor, situado entre a ilha de Celebes e a Papua-Nova Guiné] ao imperador Carlos V [Carlos I de Espanha], propondo-lhe e dizendo-lhe que as Molucas lhe pertenciam, e não ao rei D. Manuel”, assinalou.
“Houve uma discussão sobre a localização das Molucas, se pertenciam a Portugal ou pertenciam a Espanha [na perspetiva do Tratado de Tordesilhas de 1494]. Fernão de Magalhães toma posição contra os interesses de D. Manuel e a favor de Carlos V”, precisou José Manuel Garcia, que integra o Gabinete de estudos olisiponenses da Câmara municipal de Lisboa, pertence à Academia Portuguesa de História e à Academia de Marinha.
O investigador tem assinalado que esta viagem contrariava a lógica da política portuguesa da época, que consistia em manter o monopólio oriental do comércio das especiarias e não avançar para ocidente em busca de novas rotas para aí chegar, porque colidiria com os interesses espanhóis.
No entanto, com a morte de D. Manuel I no final de 1521, o monarca já não assiste ao problema que se colocou com a viagem de Fernão de Magalhães, o português de linhagem nobre e natural do Porto, como assegura o historiador, que a monarquia espanhola designará ‘capitão-general da Armada para o descobrimento da especiaria’ e que acabou por concretizar o “sonho de Cristóvão Colombo”: alcançar a Ásia navegando para ocidente.
Assim, Colombo e Magalhães concebem os seus planos em Portugal por iniciativa própria, mas realizam-nos ao serviço de Espanha “por não interessarem à estratégia” das autoridades portuguesas.
“Foi o rei D. João III, filho de D. Manuel I, que depois discutiu com Carlos V a posse das Molucas, porque ambos diziam que as Molucas lhes pertenciam”, referiu o especialista em História dos Descobrimentos, com uma vasta produção onde se destaca, neste âmbito, “A Viagem de Fernão de Magalhães e os Portugueses” (2007).
“Por fim, Carlos V vendeu o direito que alegadamente tinha às Molucas a D. João III, que pagou 350.000 ducados em 1529 por esse direito, e para terminar a disputa sobre a posse das Molucas. Houve uma discussão acalorada porque não se conseguia chegar a uma conclusão científica absolutamente indiscutível, porque era muito difícil determinar as longitudes nos antípodas”, explicou.
Assim, o Tratado de Saragoça de 1529 “solucionou” o contencioso luso-espanhol e as ilhas ficam sob o domínio da coroa de Portugal “até cerca de 1605, quando os holandeses expulsaram os portugueses das Molucas”, indicou.
Na prática, os portugueses dominam durante menos de um século as “Ilhas da Especiarias”, como também eram conhecidas e produtoras do desejado cravo, abandonando esse território em plena União Ibérica dominada pela dinastia dos Filipes.
Na perspetiva de José Manuel Garcia, D. Manuel I nunca pensou que Fernão de Magalhães fizesse uma viagem contra os seus interesses, pelo facto de os portugueses promoverem negócios nas Molucas “desde que as descobriram em 1512”, numa viagem na qual Magalhães participou.
“Fernão de Magalhães aborreceu-se com a recusa de D. Manuel e foi dizer a Carlos V que as Molucas lhe pertenciam, por ficarem num sítio longínquo. Carlos V acreditou no que este lhe dizia e por isso financiou a sua armada de cinco navios, pagou a viagem, para provar que as Molucas também eram seus domínios”, acrescentou.
A viagem foi atribulada e segundo diversas fontes assinalada por uma rebelião na Patagónia, antes da entrada no estreito que conduziria ao Oceano Pacífico, destinada a matar Fernão de Magalhães e fazer regressar as naus a Espanha, culminando na execução de diversos conspiradores.
Com o objetivo de contrariar esta expedição destinada a alcançar as “Ilhas das Especiarias” pelo Oceano Pacífico, o rei D. Manuel I decide em 1520 enviar uma armada para as Molucas chefiada por Jorge de Brito, e que tinha por objetivo prender Fernão de Magalhães que “não estava autorizado a fazer essa viagem”, adiantou o historiador.
No entanto, precisou o investigador, os planos alteraram-se e a prisão não aconteceu porque Fernão de Magalhães, “uma personalidade ambiciosa”, foi morto nas Filipinas em abril de 1521.
“Caso Jorge de Brito o encontrasse nas Molucas, prendia-o e ergueria uma fortaleza no ilhéu de Ternate para impedir que os espanhóis se aproximassem, o que não chegou a ser feito devido à morte de Magalhães. E Jorge de Brito também será morto em combate”, em junho de 1521.
Nesta missão portuguesa, António de Brito, irmão de Jorge de Brito, conseguirá alcançar as Molucas em 1522 e apresar a “Trinidad”, uma nau que pertencia à frota de Fernão de Magalhães, assinalou.
Os prisioneiros do “Trinidad” apenas serão libertados em Lisboa em 1526, na sequência do Tratado de Saragoça, assinado a 22 de abril de 1529 entre D. João III e Carlos V, quando a Espanha reconhece que as Molucas “pertenciam” a Portugal.
O investigador destacou o mérito científico deste fidalgo do Porto, devido aos conhecimentos adquiridos em Portugal desde 1505 e até 1517, quando decide rumar para Espanha.
E assinalou que a decisão de Carlos V em apoiar o projeto do português “resultou da circunstância de saber que nenhum espanhol era capaz de fazer a viagem que Fernão de Magalhães se propunha levar a cabo, de acordo com um projeto que concebera em Lisboa entre 1516 e 1517”.
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