Em conversa com o SAPO24, à margem das Jornadas da Habitação, iniciativa promovida esta quinta-feira, 20 de abril, pelo núcleo territorial de Lisboa da Iniciativa Liberal, Victor Reis, co-autor do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, “O mercado imobiliário em Portugal”, teceu duras críticas ao programa Mais Habitação.

Tem visitado o site do IHRU ?

Não, por acaso não tenho.

Pergunto porque é difícil encontrar alguma informação e a ministra da Habitação também não a disponibiliza. Gostava de saber qual o valor das rendas por pagar ao Estado. Sabe qual é?

Enquanto lá estive havia uma ferramenta que mostrava isso no total. Três meses depois de eu ter saído desactivaram-na.

Porquê?

Não convém saber.

E sabe qual é o valor das rendas em dívida?

Sei que é um valor grande. Porque, inclusivamente, há uma série de bairros onde existem os profissionais do "não pago". Nomeadamente o caso de Guimarães, o caso dos Lóios, em Lisboa, em que há movimentos assumidos de não pagamento de rendas. E quando eu mandei meter as acções judiciais de despejo foi uma gritaria. Não faço ideia como é que isso está. E há uma outra coisa que acontecia a cada três anos desde 2009 - 2009, 2012, 2015 -, que se chamava inquérito à caracterização da habitação social, feito pelo INE [Instituto Nacional de Estatística]. Acabaram com isso.

Porquê?

Porque será? Não convém saber. Porque aquilo permite um escrutínio que eles não querem que se faça: quantas casas estão vazias, quantas casas estão ocupadas ilegalmente, qual o valor das rendas em dívida.

Fiz uma reportagem sobre o Bairro da Cruz Vermelha , em Lisboa, e impressionou-me ver a quantidade de pessoas que vivem na mesma casa. 

Mas isso é outro problema, que tem a ver com as sobre-ocupações na habitação social. Existem muitas situações, a família vai crescendo, vai envelhecendo, as pessoas não encontram casa e ficam todas na mesma.

Não há um controlo?

Depende. Controlo devia haver cada vez que se pede os rendimentos e a composição do agregado familiar para determinar o valor da renda. Se calhar nem isso se faz.

O IHRU teve sempre uma participação nas políticas de habitação do governo ou apenas faz o que lhe mandam?

O IHRU é, pelo seu próprio estatuto, está na sua missão, apoiar o governo na formulação das políticas de habitação. Apoiar o governo. Porque, como é evidente, o IHRU não é um organismo político, o que é político é o governo e o Parlamento.

Escrevi um artigo sobre os diversos programas do governo para a habitação nos últimos anos. Num ano anuncia-se, nos seguintes não acontece nada.

E isso repete-se ciclicamente.

Mas como é que o governo pode definir novas políticas se não há uma avaliação das medidas já tomadas, se não sabe o resultado de políticas anteriores?

Mas isso é responsabilidade política de quem governa.

Mas o IHRU tem inúmeras atribuições, como preparar planos e documentos de natureza estratégica relativos à política nacional de habitação, apoiar o governo na definição e avaliação da execução da política nacional de habitação e dos seus programas, elaborar ou apoiar a elaboração de projectos legislativos, coordenar e preparar as medidas de política financeira do sector, participar em sociedades, fundos de investimento imobiliário, consórcios, parcerias públicas e público-privadas ou outras, adquirir e alienar imóveis. A lista é infindável.

Vamos pegar num caso: Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado - que é de chorar e pedir por mais, uma vergonha. Mas nesse caso nem sequer podia caber ao IHRU fazer o que quer que seja. O primeiro-ministro em Abril de 2016 vai a uma sessão da Semana da Reabilitação Urbana em Lisboa e anuncia. Passado uns dias repete o anúncio no Parlamento com ligeira reformulação, depois entrega aquilo à Fundiestamo...

E não há hoje nem uma habitação nem uma residência produzida por esse fundo. O IHRU não gere isso, mas gere o Porta 65 Jovem, o Arrendamento Acessível, o 1.º Direito, o Chave na Mão, o Porta de Entrada e outros. 

Mas isso é estar a pedir ao IHRU para fiscalizar o governo. Aquilo que está a dizer é que há um governo que anuncia coisas, algumas delas sem nexo, agora o IHRU que vá fiscalizar.

o problema é que nenhum organismo público fiscaliza o governo que o tutela.

Mas então volto a perguntar qual o papel do IHRU, porque atribuições não lhe faltam.

Pois, o problema é que nenhum organismo público fiscaliza o governo que o tutela.

Mas fiscaliza-se a si próprio e às políticas que está a implementar. E tem autonomia administrativa e financeira.

Pois, mas a independência não existe, vamos ser claros. Ainda agora se viu com a história da TAP. Nem a Parpública [sociedade gestora de participações sociais do Estado português]. Isto é uma questão de gestão política de quem tem o poder, de quem o exerce. Isso acontece num país plenamente democrático, o que não é o nosso caso.

Foi presidente do IHRU, por que motivo aceitou?

Aceitei e exerci e ai de quem tentou pôr a mão em cima de mim. A única coisa que eu dizia era: "Não me querem cá? Demitam-me". Mas nem todas as pessoas fazem isso, depende da atitude de quem é nomeado, deixar ou não deixar que lhe ponham a mão em cima.

O país devia ter uma política de habitação independentemente do PRR ou dos dinheiros que vêm de fora?

Mas é a primeira vez na nossa história que estamos absolutamente dependentes do financiamento europeu para a habitação, porque no passado não era assim. O Programa Especial de Realojamento, dos anos 90, que se arrastou durante quase 20 anos, foi todo financiado com orçamento nacional, não havia dinheiro europeu. E foi executado 92%.

Acha que o programa Mais Habitação vai resolver alguma coisa?

Ah, espere para ouvir o que vou ali dizer.

Ainda sobre as rendas em dívida ao Estado, tem ideia do valor?

Não, mas são muitos milhões. Se juntar a dívida do IHRU com as dos municípios, a dívida em rendas chega ao 100 milhões. Ou mais, porque. câmara de Lisboa tinha mais do que o IHRU.

o Estado propõe-se tomar conta da casa dos outros quando não é capaz de tomar conta das suas

Como é que o Estado se propõe cobrar rendas que ele próprio não consegue cobrar?

Pois. Mas isso é aquela questão: o Estado propõe-se tomar conta da casa dos outros quando não é capaz de tomar conta das suas. É ver o estados em que está o património do Estado, é ver a enorme dificuldade que quer o Estado quer os municípios têm na gestão do seu parque de habitação social. E mesmo assim é exíguo, todos dizem que são poucas casas.

O IHRU também tem a competência de fazer inventários. Sabe quantas casas devolutas tem o Estado?

Não. Nem cabe ao IHRU saber isso.

O que me está a dizer é que ninguém sabe de nada. Então com que base foram definidas estas política de habitação?

O achismo é muito bom.