O primeiro-ministro anunciou sete novas "decisões" e escolheu o encerramento do Congresso do PSD para o fazer. Entre as medidas está a criação de uma ou mais empresas públicas e a boa-nova rapidamente se transformou em alerta vermelho.

As suspeitas aumentam na medida em que, passado uma semana, o ministro da tutela, no caso o ministro Adjunto e da Coesão Territorial, não tem resposta para perguntas à partida fáceis - quem, como, quanto ou porquê. Manuel Castro Almeida não sabe, ou não quer responder? Qualquer que seja o motivo, é mau sinal.

A empresa (ou uma das?) vai chamar-se Parque Humberto Delgado, "instrumento" criado para pensar, projectar e ordenar o arco ribeirinho sul nos municípios de Almada, Barreiro e Seixal. E vem-me à memória não uma frase batida, como cantam Jorge Palma e Sérgio Godinho, mas uma empresa falida: a Parque Expo.

Resumo dos factos: a Parque Expo foi constituída em 1993 (governo PSD, liderado por Cavaco Silva) para construir, explorar e desmantelar a Expo‘98 e foi responsável pela requalificação urbana da Zona Oriental de Lisboa, onde nasceu o Parque das Nações. No fim de 2010 tinha dívidas de quase 225 milhões de euros.

Foi extinta no dia 31 de Dezembro de 2016, mais de cinco anos depois de a ministra do Ambiente Assunção Cristas (governo PSD/CDS-PP) ter anunciado o seu fim - porque o seu objectivo se tinha esgotado e porque acumulava uma dívida enorme. Com o fecho da empresa foram eliminados 161 empregos, uns através da rescisão de contrato por mútuo acordo, outros com recurso ao despedimento colectivo.

Só em 2018 o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou o diploma do governo que definia os termos e os efeitos decorrentes da extinção da empresa. É que, entretanto, a Parque Expo já tinha participações minoritárias noutras empresas, como na que explora a Gare do Oriente ou numa de construção e manutenção de teleféricos ou noutras de promoção, desenvolvimento e construção imobiliária. Assustador? Diria que sim, por isso convém não esquecer. Nem perdoar.

O Sector Empresarial do Estado (SEE) integra o Sector Público Empresarial, que engloba um universo diversificado de participações, maioritárias ou minoritárias, em empresas detidas, directa ou indirectamente, pelo Estado português ou por entidades públicas, de caráter administrativo ou empresarial, em empresas públicas ou privadas. Essas participações abrangem uma variedade de sectores, como transportes, energia, comunicações, saúde ou educação, entre outros.

Em teoria, estas empresas respeitam os princípios de bom governo das sociedades, com objectivos que incluem metas sociais, ambientais e de interesse público. Na prática, o sector não financeiro representava um prejuízo de 1,2 mil milhões de euros em 2022 e havia 33 empresas em falência técnica no final de 2020, de acordo com o relatório "Setor Empresarial do Estado 2019-2020", do Conselho das Finanças Públicas. Ainda, o Tribunal de Contas, que fiscaliza as contas públicas, não certificou a Conta Geral do Estado de 2023 porque continha erros e falhas, como a de tornar impossível conhecer exactamente o SEE.

Mas há outras entidades importantes na definição de orientações estratégicas, acompanhamento e supervisão do Sector Empresarial do Estado, tais como o governo, a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), a Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Sector Público Empresarial (UTAM) ou a Inspecção-Geral das Finanças (IGF). Tanta regulação e supervisão resultada? Parece que não.

Muitas vezes, quantos mais, melhor; torna até mais fácil um certo passa culpas, como aconteceu recentemente e a vários níveis com a TAP: não foi ninguém, ninguém sabia. Responsabilidade zero. Mas a presidente da Comissão Executiva da empresa da altura, Christine Ourmières-Widener, disse em audição parlamentar que houve ingerência do governo na gestão, muito mais do que imaginava quando aceitou o cargo.

A teia intrincada começa logo na contratação pública. O SEE empregava 159 373 trabalhadores em 2022, 3,3% do emprego nacional e 20,1% do emprego público na classificação da DGAEP, segundo o relatório já mencionado. Como dizia o sociólogo António Barreto numa entrevista, "um partido chega ao poder e varre-se os chefes da administração pública, depois arranjam-se umas regras, uma Cresap (Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública)". E lá vêm os jobs for the boys. que é como quem diz, fazem-se uns concursos com fotografia.

António Barreto lembra que já era assim antes, "só podiam concorrer três ou quatro pessoas, tinha de ser mais do que uma para parecer democrático, mas já se sabia quem ia ganhar". E depois explica: "Ao conquistar o poder político, fico preso a um pacto, eu e os meus amigos. E fico autorizado a nomear para o meu partido, para o meu governo, para as minhas câmaras e organizações".

Eleger pessoas de confiança não é corrupção, mas, como diz António Barreto, "é egoísta. Tenho um grande poder sobre a coisa pública, sou reconhecido, sou cumprimentado nas ruas, tenho carro e chauffeur, borlas, convites, almoços, jantares, viagens... Isto são lucros da política. Ganho poder político, tenho de tomar decisões, escolher investimentos, nomear pessoas, centenas ou milhares de pessoas ao fim de oito, dez anos. É um poder enorme".

Não estou a sugerir que os governos, que este governo em particular, sejam corruptos ou tenham más intenções. O que estou a dizer é que no início é tudo facilidades e no fim é geralmente uma carga de trabalhos e uma conta com muitos dígitos para pagar. Por isso defendo estes processos devem ser transparentes e muito bem explicados, porque afectam as gerações actuais e futuras.

Quando um governo compra 0,25% dos CTT e tem intenção de aumentar essa participação, deve saber explicar porquê e para quê. Quando um governo compra por 2,49 milhões de euros as acções da Global Media e da Páginas Civilizadas na Lusa e fica 95,9% da agência de notícias, deve explicar o racional do negócio.

Há um conjunto vasto de participações detidas directamente pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, em representação do Estado, dividida numa carteira principal, que integra as participações com relevância estratégica (81), uma carteira acessória, participações minoritárias ou maioritárias de carácter excepcional ou temporário (22), e uma carteira de empresas em liquidação (13 empresa e três fundos).

Mas não acaba aqui, porque muitas destas empresas têm, por sua vez, participadas, como é o caso da Parpública, que tem participações no capital de 19 empresas. E assim sucessivamente, como um castelo de cartas. Muitos destes activos revelam-se péssimos investimentos, buracos sem fundo, às vezes remodelação após remodelação. São esponjas de fundos públicos, geralmente comunitários (que estão em vias de se esgotar, voltarei a este tema).

A Parque Expo e as suas dívidas de quase 225 milhões de euros são um exemplo no meio de muitos. Demasiados. Por isso é tão importante saber mais sobre a Parque Humberto Delgado que o governo quer criar, para antecipar problemas. Não há nada mais importante do que o tempo e, ainda assim, nada mais desvalorizado do que a paciência. A ver vamos.