“Muito obrigada à Universidade do Porto por este doutoramento”, disse, em português, numa curta declaração de agradecimento, no Salão Nobre da Reitoria da Universidade do Porto.
Após o reitor da UP, António de Sousa Pereira, ter anunciado a imposição do título de Doutora Honoris Causa, Margaret Atwood, de 82 anos, afirmou em inglês que o dia de hoje constituiu “uma grande honra e prazer”.
“O Porto é uma cidade maravilhosa e muito bonita, e eu gostei muito das minhas visitas a ela. Obrigada por esta memória maravilhosa”, prosseguiu, passando depois à leitura do poema “The Moment”.
O elogio foi proferido pelo escritor argentino-canadiano Alberto Manguel, radicado em Portugal, que, durante cerca de 30 minutos, dissertou sobre a obra da escritora.
“Da sua experiência da natureza em estado selvagem, e das suas primeiras leituras de contos de fadas e romances policiais, Atwood construiu a paisagem da futura geografia da sua imaginação”, afirmou o escritor, num discurso em português.
De acordo com Alberto Manguel, “a questão da identidade é central na obra de Atwood. ‘Quem ou eu?’ e ‘quem somos nós?’ surgem repetidamente nos seus textos, sob mil e uma formas”.
“Neste jogo de espelhos que se deslocam, emerge a cada passo uma identidade mais profunda, mais complexa, mais intrigante”, considerou, num ato de uma “cartografia da experiência pessoal transmutada em estória”, estando “a autora transmigrada em ‘era uma vez'”.
Alberto Manguel associou depois a identidade de Margaret Atwood à do Canadá.
“A identidade da autora entrelaça-se, pelo menos do início, com a identidade do país. A velha piada sobre o Canadá, um país com geografia a mais e história a menos, é tomada como um desafio em ‘Survival'”, referiu.
Nas palavras do autor do elogio da cerimónia de hoje, Margaret Atwood “exige que o leitor curioso preste atenção às estratégias de sobrevivência que o Canadá exigiu e ainda exige do seu povo”.
Referindo que a autora “dispôs-se, há mais de 50 anos, a construir uma consciência cultural do Canadá”, alicerçada na “presença constante da heroína, vítima, protagonista” na sua obra, Alberto Manguel mencionou também as “estratégias de sobrevivência das suas personagens, quase todas mulheres”.
O autor deu como o exemplo “Chamavam-lhe Grace”, contando que a personagem homónima “é a imagem invertida dos homens no poder”.
“Condenada pelo seu excesso, pela sua pobreza, pelo seu sangue irlandês, nas vésperas de Grande Fome, vai para o Alto Canadá para descobrir que a única arma ao seu alcance para fugir à labuta diária é a sua paixão, e ela brande-a com uma navalha”, apontou.
Quanto à obra poética de Atwood, Alberto Manguel considerou que “são os seus poemas que melhor expressam a sua filosofia ética e social”, já que “a exploração dos temas da injustiça, da repressão, da censura, do poder”, e “indagação sobre identidade sexual, familiar e cívica” da sua prosa “assumem facetas intensamente ambíguas e profundas na sua poesia”.
Margaret Atwood soma alguns dos mais importantes prémios literários internacionais, com destaque para o Booker Prize, em 2000 e 2019 (Reino Unido), o Prémio Príncipe das Astúrias para a Literatura, em 2008 (Espanha), o Arthur C. Clarke Award (Reino Unido), o Prémio Mondello (Itália), o Prémio Giller (Canadá), o Franz Kafka Prize (República Checa) e o PEN Center USA (EUA).
A escritora de 82 anos vai estar, no sábado, no Teatro São Luiz, em Lisboa, à conversa com Manguel, no âmbito do programa “Mais um dia”.
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