“É fundamental que as autoridades moçambicanas tomem imediatamente medidas para pôr termo aos abusos cometidos pelas suas forças de segurança e para punir os responsáveis”, disse Dewa Mavhinga, diretor da HRW na África Austral, em comunicado, sobre a situação de violência que se vive há um ano na província de Cabo Delgado.
A ONG entrevistou 12 vítimas e testemunhas de abusos, bem como oficiais das forças de segurança e jornalistas entre 10 e 27 de novembro, indicou no mesmo comunicado.
Dois soldados no distrito de Macomia confirmaram a morte de suspeitos, mas não forneceram mais detalhes, por receio de virem a ser identificados. Um dos soldados disse que tinham recebido "ordens dos superiores" para eliminar os "bandidos", o que, segundo o seu entendimento, significava que deviam "matá-los sempre que possível".
Um terceiro soldado partilhou fotos de cadáveres de alegados rebeldes que foram executados de forma sumária durante uma operação no distrito de Nangade, em 13 de novembro.
Um habitante relatou à HRW que nos locais de detenção havia muitos outros presos e que alguns eram levados para o meio do mato, ouvindo-se gritos e tiros em momentos de tensão, após os quais alguns dos detidos não eram mais vistos.
Há casos em que quem não foge das aldeias durante os ataques fica detido por vários dias em quartéis improvisados para explicar porque não fugiu e relatar o que viu, disse à HRW um alto funcionário do exército, que classificou a privação de liberdade como normal.
Outros continuaram presos e fazem parte dos cerca de 200 arguidos no julgamento de alegados autores dos ataques a aldeias de Cabo Delgado, que decorre no tribunal de Pemba, capital provincial.
Um procurador do Ministério Público da província de Cabo Delgado, que pediu para não ser identificado, disse à HRW que muitos dos réus acusaram os soldados de os manterem detidos durante várias semanas antes de os entregar à polícia, fazendo uso de tortura para forçar confissões e, nalguns casos, matando suspeitos de insurgência desarmados no mato.
A HRW citou o porta-voz nacional da Polícia da República de Moçambique (PRM), Inácio Dina, que negou a existência de suspeitos a serem interrogados de forma arbitrária, privados dos direitos previstos na lei.
Dirigentes islâmicos, ouvidos pela Lusa, têm denunciado, desde há um ano, detenções feitas sem transparência, nem respeito pela lei, junto das comunidades muçulmanas da região de Cabo Delgado.
A onda de violência naquela zona (dois mil quilómetros a norte de Maputo, no extremo norte de Moçambique, junto à Tanzânia) começou após um ataque armado a postos de polícia de Mocímboa da Praia, em outubro de 2017.
Na altura, dois agentes foram abatidos por um grupo com origem numa mesquita local, que pregava a rebelião contra o Estado e cujos hábitos motivavam, pelo menos desde há dois anos, atritos com os residentes.
Depois de Mocímboa da Praia, têm ocorrido dezenas de ataques que se suspeita estarem relacionados com o mesmo tipo de grupo, sempre longe do asfalto.
Os ataques têm acontecido fora da zona de implantação da fábrica e outras infraestruturas das empresas petrolíferas que vão explorar gás natural, na península de Afungi, distrito de Palma, na região, e cujas obras avançam com normalidade.
De acordo com números oficiais, cerca de 100 pessoas, entre residentes, supostos agressores e elementos das forças de segurança, morreram desde que a onda violência começou.
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