Os genes identificados – OSBPL10 e o RXRA – e encontrados em indivíduos com ancestralidade africana fazem com que estes passem ilesos por uma segunda infeção do vírus da dengue, ao contrário do que acontece com as populações europeias, indicou à Lusa uma das coordenadoras do projeto, a investigadora do i3S Luísa Pereira.
Com este trabalho, os cientistas pretendiam identificar os genes responsáveis pela resistência da ancestralidade africana e pela suscetibilidade da ancestralidade europeia à febre hemorrágica da dengue, utilizando como modelo de estudo a população de Cuba.
A escolha recaiu sobre esta população devido aos vários graus de miscigenação que possui, tendo os médicos locais vindo a observar, desde o início do século XX, que “os cubanos que apresentavam sintomas mais graves da dengue eram os de pele mais clara, de origem europeia, em oposição aos cubanos de pele mais escura, com maior herança africana”.
A segunda razão para essa escolha prendeu-se com o facto de a dengue não ser endémica (nativa) em Cuba, sendo que os surtos desta doença surgem no país com intervalos de anos, o que permite criar resistência num segundo surto, situação “impossível de controlar” em países onde a doença é endémica, indicou a investigadora.
De acordo com Luísa Pereira, os genes apresentam “variabilidade entre populações”, o que leva a que a sua expressão seja “mais elevada ou mais reduzida” em diferentes grupos populacionais, alterando, entre outros fatores, “o metabolismo dos lípidos”.
“Já se sabia que os lípidos eram essenciais para que o vírus da dengue entrasse nas células e se conseguisse multiplicar”, vindo este estudo a confirmar que “a seleção genética natural ocorrida em populações africanas escolheu precisamente genes envolvidos no metabolismo dos lípidos para as tornar resistentes à febre hemorrágica da dengue”.
Embora a dengue “não seja uma doença muito mortífera, outras doenças relacionadas e mais perigosas, como a febre amarela, podem ter levado à seleção de mecanismos genéticos de proteção nas populações de origem africana, que também protegem contra este vírus”, explicou.
Estes resultados permitem, numa fase seguinte, a realização de testes com medicamentos que alteram o metabolismo lipídico das células. “Se o diminuirmos, talvez consigamos combater eficazmente a infeção”, afirmou.
Luísa Pereira acredita que esta descoberta é mais um passo pode ajudar a prever como as populações vão reagir a surtos de dengue, embora existam outras condicionantes genéticas e não-genéticas que influenciam a predisposição para um indivíduo manifestar febre hemorrágica, como os fatores imunológicos e virais.
O vírus da dengue é transmitido por duas espécies de mosquito, o Aedes albopictus e o Aedes aegypti, este último presente na Madeira, onde o primeiro surto desta infeção ocorreu em 2012.
Segundo informações avançadas à Lusa pelo i3S, conhecem-se quatro estripes do vírus da dengue e, normalmente, os sintomas associados à primeira infeção assemelham-se aos de uma gripe ligeira, acabando por conferir imunidade aos infetados.
Uma segunda infeção com uma nova estirpe é, por isso, combatida sem grande manifestação da doença na maioria das pessoas, havendo, no entanto, cerca de 1% da população que manifesta uma reação acrescida quando afetada novamente, o que pode conduzir a febres hemorrágicas graves, podendo estas ser fatais.
Este trabalho insere-se no projeto europeu DENFREE, financiado pela União Europeia, que tem por objetivo compreender a febre da dengue e o risco específico das populações europeias a esta doença infecciosa.
A equipa do i3S continua a trabalhar com os parceiros do Instituto Pasteur, em Paris (França), e do Instituto Pedro Kourí, em Havana (Cuba), para compreender os mecanismos moleculares nos quais estes dois genes estão envolvidos.
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