Rei profundamente devoto, o monarca consagrou os “Seus Reinos e Senhorios” a Nossa Senhora da Conceição, representada numa escultura existente na igreja que, séculos antes, Nuno Álvares Pereira mandara construir em Vila Viçosa, em agradecimento por Nossa Senhora ter ouvido as suas preces nas batalhas dos Atoleiros (1384), Aljubarrota (1385) e Valverde (1386).
Naquele longínquo 25 de março de 1646, D. João IV colocou a sua própria coroa na imagem de Nossa Senhora da Conceição, como agradecimento por ter recuperado a independência de Portugal face aos espanhóis.
Além de padroeira, Nossa Senhora da Conceição foi elevada a rainha de Portugal e, a partir de então, mais nenhum rei ou rainha portugueses usaram coroa na cabeça. A coroa real, nalgumas circunstâncias, surgia colocada sobre uma almofada ao lado do monarca.
“Nos quadros, nos diversos reinados, vamos encontrar sempre a coroa ao lado do rei ou da rainha. Isto é um significado de despojamento e de entrega, sobretudo de um homem [D. João IV], que era particularmente devocionado para o culto da Virgem Maria. Isso cumpre-se numa tradição do rei e, de certa forma, é transmitida também na tradição popular”, disse o historiador Carlos Filipe, presidente do Instituto da Padroeira de Portugal para os Estudos da Mariologia (IPPEM).
A partir de 1910, “esse significado perde-se, porque a monarquia extingue-se, é substituída pela república, embora a república nunca tivesse retirado este título muito próprio dos portugueses: Rainha de Portugal enquanto Padroeira”, acrescentou.
Para Carlos Filipe, “nos diversos momentos políticos e sociais ocorridos na história [de Portugal] mais recente, manteve-se este título” e nunca foram encontrados relatos no sentido “de outra ideia ou de um afastamento relativamente a esta causa muito nobre do rei D. João IV”.
O IPPEM, a que preside, promete não deixar cair no esquecimento esta página da história de Portugal e, enquanto instituto civil, assume uma matriz essencialmente cultural, “procurando, de certa forma, representar todos aqueles que se reveem no aprofundar do conhecimento sobre o culto à Virgem”.
Para assinalar os 375 anos – que se cumpriram em 2021, mas que a pandemia não permitiu que fossem devidamente comemorados -, o IPPEM, com sede em Vila Viçosa, em cooperação com o Santuário de Fátima, promove o congresso “Mulher, Mãe e Rainha. Nos 375 anos da Coroação de Nossa Senhora da Conceição como Padroeira de Portugal”, de 24 e 26 de março, em Fátima, e no dia 27, naquele concelho alentejano.
Segundo Carlos Filipe, presidente do IPPEM, o congresso “pretende ser um espaço de diálogo, de conhecimento e de transmissão desse mesmo conhecimento”, esperando-se um “encontro académico, mas também cultural, em que as temáticas que vão ser abordadas confluem sobre o conhecimento da Virgem enquanto padroeira de Portugal”.
Entre os séculos XVII e XX, o culto de Nossa Senhora da Conceição teve “uma enorme expressão” em Portugal, com Carlos Filipe a reconhecer que, primeiro o Santuário do Sameiro, e, depois, os acontecimentos da Cova da Iria em 1917, terão contribuído para uma diminuição desse culto, com a pujança de Fátima a afirmar-se no panorama religioso nacional e, posteriormente, internacional.
Não obstante esta circunstância, o presidente do IPPEM, recorrendo ao título do congresso – “Mulher, Mãe e Rainha” – afirma que ali se encontram “razões acrescidas para que seja aprofundado o conhecimento sobre o culto da Virgem, mas também nestas diversas expressões que Portugal tem nas suas tradições religiosas em cada uma das regiões do país”.
“O santuário de Vila Viçosa sempre cumpriu uma tradição desde o século XVII. Há variadíssimos relatos de peregrinações que se organizavam, tendo boa parte tido expressão significativa, expressão de multidão, já no decorrer do século XX, durante o Estado Novo”, afirmou Carlos Filipe à agência Lusa, acrescentando que um certo “apagamento” de Vila Viçosa terá resultado de uma opção da “própria Igreja” pelo Sameiro, em Braga.
“O Sameiro passou a ter uma expressão significativa a partir do dogma, portanto na segunda metade do século XIX [em 1854, pelo Papa Pio IX], e essa expressão foi, digamos, de investimento da própria Igreja”, sublinhou Carlos Filipe.
Apesar desta diminuição, “Vila Viçosa sempre foi um lugar de peregrinação daqueles que mais se aproximam pela sua geografia. E embora seja um título muito ligado à monarquia, ao rei, não deixou de ter este significado durante a República. O 08 de dezembro é um dia particular, é um dia preenchido, mas houve outras experiências, nomeadamente as iniciadas com D. Manuel da Conceição Santos [antigo arcebispo de Évora]”, com grandes peregrinações nos anos 30 do século XX e que continuaram até 1975.
Também com “o facto de Fátima ser o acontecimento internacional que ocorre a partir dos anos 20 do século passado, e que se torna num processo mundial, é evidente que Vila Viçosa perde alguma influência, mas continua a ser viva a experiência popular, continua a manifestar-se”.
Agora, o presidente do IPPEM tem esperança de que Vila Viçosa “passe a ter outra amplitude a partir deste congresso, cujos temas são muito interessantes, transversais, atualizados às realidades de hoje”.
“Estou convencido de que o facto de ser um encontro entre os saberes nas diversas áreas das ciências vai permitir transmitir isto para a opinião pública e para a tradição popular”, acrescentou Carlos Filipe.
* Por João Luís Gomes (texto), da Agência Lusa
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