Nasceu e cresceu em Lisboa, na freguesia de Alcântara, até passar para a zona dos Anjos, onde vivia com os pais e os dois irmãos mais novos (André, menos um ano, e "Jojó", menos dez) em casa da avó. "Tive o privilégio de viver numa casa com um quintal muito grande, para onde acabava por levar animais abandonados", depois de fazer um "choradinho" a avó acabava por ceder. O mais inusitado que levou para casa foi uma galinha que trouxe de Vieira do Minho, "a Pombinha", que viveu 16 anos, conta Inês de Sousa Real, porta-voz do PAN.
Passou pelo Colégio São João de Brito e foi menina das marchas de Lisboa pela Escola Voz do Operário. "Adorava marchar e adorava as festas da cidade". Sempre gostou de desporto e dança.
Licenciou-se em Direito e começou a pensar como poderia contribuir para a sociedade com o seu tempo e voluntariado enquanto jurista. "Quando comecei a estudar Bioética e todas as questões em torno do alargamento da ética a outras entidades que não apenas o ser humano, fui estudar a questão dos direitos dos animais e passei a colaborar com algumas associações de proteção animal na parte jurídica". Um dia foi com a cadela ao veterinário e cruzou-se com um folheto do PAN, que ainda não tinha sido reconhecido como partido, e que estava à procura de voluntários para diversos grupos de trabalho. Ofereceu-se e convidaram-na para ficar. Entretanto, o PAN foi autorizado pelo Tribunal Constitucional. É a filiada n.º 45.
Mudou-se para o concelho de Oeiras quando casou, o compromisso assumido com um marido importado de Sintra: "Ficámos a meio caminho".
É "vegana". Em que momento decidiu que não comia mais bifes? "Lembro-me do dia em que tomei essa decisão, logo a seguir ao casamento, no dia 1 de janeiro de 2012. Já me tinha questionado antes, e, quando começamos a empatizar, a pôr-nos no lugar do outro, a perceber o mundo que está por trás do sofrimento animal, é fácil". Depois, progressivamente, foi deixando de comer ovos, leite e peixe, também por uma "questão de saúde", sua e "do planeta".
Não tem filhos (ainda), mas tem o Micas (gato) e a Luna (cadela), ambos adotados e em mau estado, sobretudo Luna, que é quem manda lá em casa.
Aos 41 anos é desafiada para ser porta-voz do PAN, substituindo André Silva. "Tornei-me na quinta mulher no país a ser líder de um partido, o que me diz que há muito caminho a fazer em matéria de igualdade de género".
A entrevista via Zoom aconteceu esta terça-feira depois das 18 horas, durante um "buraco" na agenda apertada da campanha eleitoral, a decorrer no norte do país. Diz que esta semana conheceu "o pior que a exposição pública pode trazer", com "as ameaças de morte e os insultos e intimidação no Montijo", atos que classificou como "cobardes" e "antidemocratas". Ao SAPO24 garante que nunca se deixará intimidar.
"O que verificamos é que há instituições a fazer um trabalho inexcedível a substituírem-se ao Estado."
Começo por lhe perguntar como tem corrido a campanha para estas autárquicas?
Mau grado o episódio do Montijo [foi recebida com assobios por parte de aficionados de touradas], tem corrido bastante bem e temos sentido bastante envolvimento, quer das estruturas locais, quer das pessoas que nos acolhem na rua, que nos transmitem as suas preocupações. Temos estado muito próximos das pessoas e das instituições, tem sido muito gratificante visitar projetos únicos no país, e o que verificamos é que há instituições a fazer um trabalho inexcedível a substituírem-se ao Estado. A campanha autárquica traz-nos, de facto, esta gratificação de podermos estar muito próximos da população, de podermos ouvir as pessoas. É com muito ânimo que estamos a passar estes dias.
Qual o objetivo do PAN para as autárquicas? Porque o partido não tem câmaras, nem sequer vereadores.
Temos a nível local um dinâmica em que existe sempre uma bipartidarização, sobretudo para as câmaras municipais. As pessoas apostam muito no voto útil para as câmaras, e isso até se nota na discrepância de percentagem de voto que o PAN tem tido entre as assembleias municipais e a câmara municipal. No entanto, aquilo que verificamos é que o PAN tem vindo a crescer, ainda que de forma gradual, mas também de forma mais consolidada. Para nós o grande objetivo destas autárquicas é conseguirmos pela primeira vez ter vereadores e ter responsabilidades executivas. E esperamos que no próximo dia 26 nos deem a possibilidade de mostrar aquilo que valemos, seja reforçando a posição nos municípios onde já estamos - quer nas assembleias municipais, quer nas assembleias de freguesia -, seja conseguindo ir mais longe na vereação, até porque este ano duplicámos as nossas candidaturas.
Qual o racional do PAN em termos de coligações, com que bases faz a sua escolha?
Tivemos diversas propostas de coligação e, de facto, escolhemos estrategicamente só ir em coligação a três municípios: Funchal, que tem características muito próprias, Cascais e Aveiro. Recordo que o PAN conseguiu no passado começar por ter o fim dos animais nos circos precisamente porque fomos em coligação e, portanto, parece-nos que é fundamental garantir que, de alguma maneira, o PAN consegue fazer avançar as suas causas. Aquilo que colocamos sempre em cima da mesa é este princípio, seja onde for. Sobretudo nestes três municípios apresentamo-nos como a única força verde. Em Cascais, neste momento, temos graves problemas, há o risco de destruição da Quinta dos Ingleses, um património natural único, assim como da Aldeia de Juso. E posso dizer-lhe que, no caso de Cascais, além de termos decidido apoiar um independente [Alexandre Faria, presidente do Estoril Praia], vamos em coligação com o PS e com o Livre. Precisamente para nos apresentarmos como oposição àquela que tem sido uma visão que não acompanha os desafios do século XXI, nomeadamente em matéria climática, que vai destruir uma praia icónica como é o caso de Carcavelos.
"É preciso tirar Ribau Esteves do poder."
E no caso de Aveiro?
Aveiro tem estado refém da política de Ribau Esteves [PSD], que tem permitido a estagnação da cidade até em matéria de direitos sociais, com uma autêntica guetização em determinadas áreas do município. Ribau Esteves é um presidente de câmara que afirma que não gosta de árvores, que vai abater as árvores do centro do Rossio, vai descaracterizar toda aquela localidade com uma obra megalómana, em vez de estar a preparar a cidade para a tornar mais resiliente e preparada para aquilo que vão ser os efeitos das alterações climáticas. E precisamente porque é preciso tirar Ribau Esteves do poder, para podermos dar um futuro diferente aos Aveirenses, que decidimos que as pontes de diálogo feitas ao longo destes últimos quatro anos entre o nosso eleito e a concelhia do PS e os eleitos para a assembleia municipal do PS, poderiam levar a que o PAN tivesse aqui a oportunidade de ter pela primeira vez vereação. Porque em Cascais e Aveiro vamos em lugares elegíveis para a vereação e temos oportunidade de pôr em práticas as nossas políticas, porque queremos ter mais responsabilidades.
"Muitas vezes as pessoas esquecem-se do "P" de PAN, que é de pessoas. E ao longo dos anos temos trabalhado muito proximamente com algumas associações, nomeadamente no combate à pobreza, igualdade, inclusão, causa LGBT."
Negociaram contrapartidas para fazer as coligações?
Sim. Existe, acima de tudo, trabalho anterior. Não são coligações que surgiram apenas fruto do diálogo e da negociação a este tempo. Ou seja, há um conjunto de preocupações comuns e transversais a estas candidaturas que nos trouxeram até ao momento da coligação, mas é evidente que ficou logo estabelecido no acordo de coligação que há um conjunto de matérias e de preocupações, sobretudo em matéria ambiental e também na distribuição de poderes, que o PAN ficará com o pelouro do Ambiente e Bem-Estar Animal nestas coligações, que são matérias que nos são muito caras. Também na área da proteção animal há um conjunto de regras e de princípios que são aportados para a coligação - por exemplo, no caso de Aveiro, que é paradigmático e nem centro de recolha oficial tem. Mas também na área dos direitos sociais, muitas vezes as pessoas esquecem-se do "P" de PAN, que é de pessoas. E ao longo dos anos como partido temos trabalhado muito proximamente com algumas associações, nomeadamente no combate à pobreza e em relação às pessoas em situação de sem-abrigo, igualdade, inclusão, causa LGBT, portanto, tivemos o cuidado de garantir, naquilo que é o acordo de coligação, os valores que a coligação deve respeitar ao longo do mandato e a liberdade de ter para nós determinadas matérias.
"Se é radical e fundamentalista defender um planeta mais saudável, então somos claramente radicais."
O Chega e André Ventura são muitas vezes apelidados de fundamentalistas perigosos. No seu caso e do PAN a mesma coisa. Quer comentar? Porque acha que isto acontece?
Para já, deixe-me que lhe diga que não nos serve essa carapuça. O PAN é um partido que tem um ideário que atua dentro daquilo que é o espetro do Estado de direito democrático. Pomos em causa atividades e costumes que no nosso entender são absolutamente anacrónicos, não faz para nós qualquer sentido que em pleno século XXI se permita torturar animais numa arena e levar isso a espetáculo, e aquilo que existe é uma tentativa de desacreditar o PAN, desacreditar até uma sociedade que está em movimento e que procura dar um salto civilizacional. Se olharmos para a História, verificamos que em todos os momentos-chave em que se conquistaram direitos - humanos, a começar pelas mulheres, LGBTI, negros, abolição da pena de morte - tiveram as suas dores de implementação. O PAN não tem tido qualquer problema em enfrentar interesses instalados. Para o PAN não faz qualquer sentido, por exemplo, que a indústria petrolífera continue a beneficiar de borlas fiscais quando o próprio secretário-geral das Nações Unidas já veio apelar aos países para que deixem de financiar estas atividades e que se aposte no clima. Se é radical e fundamentalista defender um planeta mais saudável, então somos claramente radicais. Se ser perigoso é defender numa sociedade maior empatia - e é aqui que entra a total incompreensão -, então sou perigosa. Não nos identificamos minimamente com esta conotação de radicais ou perigosos. Estes últimos dias deram mostras de que quem está do lado da violência, seja ela verbal ou física, são estes setores que se sentem ameaçados pelo crescimento do PAN e por toda uma sociedade que nos acompanha.
"Temos de legislar com mais qualidade e menos quantidade."
É jurista. Gostava de lhe perguntar se antes de se fazer uma lei, antes de se votar uma lei sobre determinada matéria, não se devia ver que legislação já existe, para não haver esta sobreposição legislativa e até trabalho perdido, porque depois as leis perdem eficácia?
Antes de falar do processo legislativo e deste impulso legiferante que existe no nosso país, queria só concluir a questão anterior. Há uma clara diferença entre um partido que procura transformar a sociedade e um partido que procura fazer retrocesso civilizacionais, como é o caso das forças políticas antidemocráticas que afrontam os direitos humanos mais basilares, procurando separar a sociedade em função da cor da pele, da orientação sexual, da etnia ou da cultura a que pertence.
Parei quando falou no "impulso legiferante". Vamos a ele.
[Ri] Posso dar-lhe um exemplo muito claro: no ano passado tivemos um péssimo exemplo para a democracia pela mão do bloco central quando se alterou a Lei das Autarquias Locais, limitando os direitos de acesso às candidaturas dos movimentos de cidadãos, tivemos a mesma coisa na redução dos debates quinzenais com o primeiro-ministro. São, de facto, processos legislativos relâmpago em que as coisas se decidem nos bastidores e não se faz um debate legislativo claro e sério na Assembleia da República. Como jurista impressiona-me ver como é tão dinâmica e acelerado o processo legislativo. Por outro lado, há outros processos mais complexos, como é o caso da lei da morte medicamente assistida, em que houve a sensibilidade e o cuidado de ter uma maior auscultação da sociedade civil, e aí há um trabalho mais aprofundado da Assembleia da República que é de salutar. Temos de legislar com mais qualidade e menos quantidade.
Tem ainda a questão da falta de eficácia das leis produzidas.
Aí entramos no domínio dos meios da fiscalização. Há aspetos da legislação que importa serem clarificados, nem sempre se entende como sendo algo que está a violar a lei. Existe uma ausência crónica de investimento nos recursos públicos, seja ao nível da fiscalização do cumprimento das leis, seja contraordenacional, seja criminal, seja da própria tramitação judicial, e os nossos tribunais são exemplo disso, a delonga que existe denota uma falta de aposta nos recursos humanos para atacar a legislação e, por vezes, até a formação e sensibilização - continuamos a ter cifras negras no que diz respeito à violência doméstica. Mas, se me perguntar quando muitas vezes várias forças políticas fazem projetos de resolução sobre o mesmo tema ou vários votos sobre a mesma matéria, há de facto uma prática que tínhamos nas assembleias municipais de subscrever um voto de pesar ou de saudação quando ele já existe, já foi sugerido por outra força política, em vez de fazer o outro voto de pesar ou saudação. Esta sinergia que se cria nas autarquias não existe na Assembleia da República, e acho muito pouco saudável que em democracia não tenhamos esta capacidade e disponibilidade para fazer estas pontes e, em vez de termos cinco votos ou cinco projetos de resolução ou cinco projetos de lei sobre a mesma matéria, porque andamos a trabalhar quase como ilhas em vez de instituir esta boa prática que seria trabalhar em conjunto, em prol do bem comum.
A Comissão Nacional de Eleições tem um papel no processo eleitoral?
Tem e faz todo o sentido, até porque não nos podemos esquecer de que o processo eleitoral é um dos pilares da democracia. A CNE tem até publicações interessantíssimas e legislação comentada nestas matérias que é muito relevante e deve ser objeto de atenção das forças políticas e da comunidade civil em geral. Aquilo que muitas vezes falta é a divulgação, por um lado, e os meios alocados à instituição, por outro. A CNE tem um papel importantíssimo para garantir a igualdade entre todas as candidaturas. Devemos caminhar no sentido de reforçar e autonomizar cada vez mais esta instituição, para que não possa haver de alguma forma uma politização da CNE. Temos de garantir que as associações, as fundações, as comissões têm a maior equidistância possível dos partidos políticos, porque isso, sim, é dar força à sociedade civil.
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