Num artigo em formato de carta na revista científica Science argumenta-se que prosseguir com o aeroporto é o contrário de “combater a mudança climática global e reverter a crise da biodiversidade”, com um impacto que se verifica, sobretudo, nas aves que procuram o estuário do Tejo.
Em declarações à Lusa, o biólogo José Alves, da Universidade de Aveiro, coautor com Maria Dias, da organização Birdlife, afirmou esperar que “a mensagem chegue lá fora” e que isso ajude a pôr pressão sobre o Governo português, para que “o bom senso” impere e não se avance com a construção.
O que está em causa não diz respeito apenas a Portugal e a questão das aves migratórias “não é uma discussão para fazer apenas a nível nacional” porque “há outros países que partilham estas aves e que investem na sua proteção, porque já estão numa trajetória de declínio”.
Holanda, Dinamarca, Alemanha e Reino Unido são alguns dos países que partilham pontos nas rotas destas aves, que ocupam às centenas de milhares o espaço do estuário do rio Tejo.
“Estamos a falar de 200 mil aves no Inverno e 300 mil nos períodos migratórios”, indicou.
Movimentos e investigadores na Holanda e na Alemanha, por exemplo, “estão atentos, a questionar o que se passa e o que está em cima da mesa”, referiu.
O maçarico-de-bico-direito, de que há “80 mil exemplares no estuário do Tejo”, tal como o pilrito-comum ou a seixoeira estão entre as espécies de aves sobre as quais o voo de aviões a baixa altitude terá “impactos muito assinaláveis”.
“A ideia de que as aves, porque voam, se podem deslocar para outros lugares, não corresponde à realidade. Estas aves, apesar de voarem milhares de quilómetros, são fiéis aos locais para onde migram, por vezes ao quilómetro quadrado”, referiu.
Haverá mesmo aviões a sobrevoar parte da Reserva Natural do Estuário do Tejo e, em última análise, as aves acabarão por morrer, salienta o biológo.
“Com os voos, com os altos níveis de ruído, o que acontece é uma perda de ‘habitat’, mesmo sem construção efetiva. Perdem o seu alimento e as populações diminuem. Perdemos aves”, declarou.
Os autores salientam na carta que “praticamente metade do estuário do Tejo será impactado e não pode ser substituído”, notando que a declaração de impacto ambiental da Agência Portuguesa do Ambiente tem por base um parecer favorável do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas que contraria o “o parecer interno desfavorável dos seus técnicos”.
Há “falta de informação, erros técnicos e adoção de critérios subjetivos”, criticam, considerando ainda que “as medidas de compensação propostas para as aves não são eficazes” porque não terão para onde ir.
José Alves e Maria Silva assinalam a ironia de Portugal ter conseguido o título de Capital Verde Europeia alegando a proximidade do estuário do Tejo e de estar na calha um projeto como o do Montijo, que além do impacto nas aves irá gerar “um aumento substancial nas emissões de carbono” em torno da capital.
“Este é um exemplo evidente de uma tentativa de um estado-membro em desconsiderar diretrizes de conservação, acordos internacionais de proteção de espécies e habitats e os anúncios que o próprio Governo faz na promoção de um futuro mais sustentável e sem emissões de carbono”, acusam os investigadores.
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