Concretizar o sonho de ser mãe é agora mais fácil no nosso país, mesmo quando tal parecia impossível. Mas esta é uma luta que demorou a ver um fim e foram muitos os passos dados até à promulgação do diploma que regulamenta o acesso à gestação de substituição.
Em Portugal, a lei regula "o acesso à gestação de substituição nos casos de ausência de útero, de lesão ou de doença deste órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez". Em qualquer um dos casos, "a dignidade humana de todas as pessoas envolvidas" deve ser respeitada.
Em julho de 2016, Marcelo Rebelo de Sousa promulgou o diploma que regula a gestação de substituição, tendo a lei entrado em vigor em setembro. A lei foi publicada em Diário da República a 22 de agosto.
Em dezembro de 2016, o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) enviou a proposta de regulamentação para o Ministério. Entre outras questões, é referida a questão dos estrangeiros que podem vir a deslocar-se a Portugal para encontrar uma gestante. Contudo, as leis serão diferentes, comparando com o que será aplicado aos portugueses.
Segundo comunicado do Conselho de Ministros de 22 de junho deste ano, "foi aprovado o decreto regulamentar relativo à lei que regula o acesso à gestação de substituição". Agora, a 26 de julho de 2017, Marcelo Rebelo de Sousa promulgou a regulamentação relativa à gestação de substituição. A regulamentação entra em vigor no dia imediatamente a seguir, 27 de julho.
Com isto, fica definido "o procedimento de autorização prévia a que se encontra sujeita a celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição, assim como o próprio contrato de gestação de substituição, cuja supervisão compete ao Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, devendo prevalecer os interesses da criança sobre quaisquer outros, e ser tidos em consideração os interesses da mulher gestante".
É ainda referida a importância da "ligação da mãe genética com a criança", em oposição ao "mínimo indispensável" de relacionamento "da gestante de substituição com a criança nascida", tendo em conta "potenciais riscos psicológicos e afetivos".
Esta medida, vulgarmente conhecida como 'barrigas de aluguer', vem definida em Diário da República como "qualquer situação em que a mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade".
Para cumprir o previsto na lei, a mulher que funciona como 'barriga de aluguer' não pode "ser a dadora de qualquer ovócito usado no concreto procedimento em que é participante". A gestação de substituição só pode ser autorizada "através de uma técnica de procriação medicamente assistida com recurso aos gâmetas [óvulos ou espermatozóides] de, pelo menos, um dos respetivos beneficiários".
Em todo este processo, é expressamente "proibido o pagamento ou a doação de qualquer bem ou quantia dos beneficiários à gestante de substituição pela gestação da criança". Contudo, as despesas decorrentes do acompanhamento de saúde devem ser suportadas pelos futuros pais da criança.
"Se não tivesse útero deixaria de querer ser mãe?"
A Associação Portuguesa de Fertilidade (APF) surgiu em 2006, depois de um movimento cívico por pessoas com problemas de fertilidade, tendo como principal objetivo "apoiar, informar e defender esta comunidade".
Em entrevista ao SAPO24, Joana Freire, membro da direção da APF, alertou para a importância da regulamentação. "A regulamentação dá-nos as linhas de orientação para tudo".
No caso concreto da APF, a maior luta é a sensibilização para a causa. "Fomos fazendo campanhas de comunicação junto dos deputados, no sentido de o processo ser votado e tudo o mais. Tivemos aqui um grande investimento em termos de comunicação. Agora tentamos informar mediante a informação que temos. Sabemos, por exemplo, que não vai haver qualquer troca monetária. É por altruísmo. Se alguém o fizer [pagar a uma gestante], é crime e terá uma penalização", explica.
Para Joana Freire esta também é uma luta pessoal. "Eu estive muito envolvida neste processo da questão da legalização da gestação de substituição. Este processo é a única forma de nós, mulheres sem útero, termos filhos biológicos. Eu tenho material genético, ou seja, eu não tenho útero mas tenho ovários e estes funcionam. Tenho óvulos que podem ser retirados e depois é feita a inseminação para colocar na gestante. Claro que é um passo muito grande. É dar às mulheres a oportunidade de terem filhos biológicos. É uma grande alegria!".
Desde mulheres que nascem sem útero, uma das possibilidades do síndrome de Rokitansky (como é o caso de Joana), a mulheres a quem este lhes é retirado por alguma razão médica, uma coisa tem de existir para a gestação de substituição: "um atestado médico que declare que a mulher não consegue gerar uma criança". Qualquer outro caso não será, em princípio, considerado. "Cá em Portugal estamos mesmo muito focados na questão das mulheres sem útero. Para a nossa realidade, não faz sentido [qualquer outro motivo]. Estamos centrados nos casos de doença."
Então e o caso de Cristiano Ronaldo?
Consoante os países, existem dois tipos de maternidade de substituição: tradicional ou gestacional. Na tradicional, as gestantes engravidam através da utilização do esperma do pai beneficiário e dos seus próprios óvulos. Por outro lado, na gestacional está implícito um tratamento de fertilização in vitro, uma vez que nenhuma material genético é da 'barriga de aluguer'.
Em 2010, Cristiano Ronaldo anunciou que tinha sido pai. Especulou-se que seria fruto de uma 'barriga de aluguer' - neste caso, está presente uma substituição tradicional - ou que o craque português tinha pago à mãe da criança para 'desaparecer' e nunca revelar a sua identidade.
Em junho deste ano, o jogador teve mais dois filhos, gémeos, também eles com o auxílio de uma 'barriga de aluguer' nos Estados Unidos, país onde a prática é legal e recorrente. E bastante cara. Em média, um filho 'por encomenda' está entre os 100 e os 200 mil euros.
Por cá, mesmo agora que existe regulamentação, Cristiano Ronaldo continuava a não poder ter filhos com o auxílio de uma 'barriga de aluguer'.
O primeiro caso de gestação de substituição surgiu nos EUA, em 1985. Contudo, esta não é uma prática legal em todos os Estados, que têm leis diferentes também nesta temática.
Na Europa, segundo o Tribunal de Justiça da União Europeia, a gestação de substituição "constitui uma questão política e socialmente sensível em vários Estados‑Membros". Assim, em alguns países "a maternidade de substituição é totalmente legal e encontra‑se especificamente regulada, noutros é ilegal ou não está regulada".
A nível europeu, são muitas as diferenças.
- Grécia: as 'barrigas de aluguer' são permitidas, mas tem de existir uma autorização judicial para se iniciar o processo
- Reino Unido: é um processo legal, mas a gestante tem a liberdade de não entregar a criança aos pais que iniciaram o acordo
- Bélgica: as 'barrigas de aluguer' são legais, mas a gestante é tida como a mãe da criança, mesmo que os ovócitos não sejam seus. Depois, há um processo de adoção
- Itália, Alemanha, França, Suíça e Espanha: são proibidas as barrigas de aluguer
- Rússia e Ucrânia: permitem as 'barrigas de aluguer'
A forma como os contratos de gestação de substituição são regulados e os processos que estes envolvem também são diferentes nos países. São então consideradas diferentes questões, por exemplo: conveniência pessoal, infertilidade, doença, deficiência, casais do mesmo sexo que querem que o filho tenha uma relação biológica com um dos pais.
Apesar das diferentes normas, os países não podem recusar a filiação dos pais às crianças que tenham sido concebidas em 'barrigas de aluguer' no estrangeiro. Em 2014, a França e a Itália foram condenadas por este mesmo motivo.
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