À margem da conferência "Menino do Lapedo - 20 anos depois", em Leiria, João Zilhão disse que "Lisboa deve ser a única capital europeia que não tem um museu nacional de arqueologia como deve ser", criticando os critérios para construção de museus na capital.
"Fazem-se museus em Lisboa para tudo e mais alguma coisa, até para 'caixas de fósforos'. Cinco meses da taxa turística que Lisboa cobra davam para fazer um Museu Nacional de Arqueologia novo. Podiam pô-lo ao lado do Centro Cultural de Belém, que está inacabado, mas não, vão pôr lá um hotel! Mais um! Assim não, não pode ser", lamentou.
O arqueólogo, que é professor-investigador no Instituto Catalão de Pesquisa e Estudos Avançados da Universidade de Barcelona, em Espanha, e professor convidado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, considera que o MNA "tem coleções muito boas" e, "apesar de todas as suas limitações, é um dos museus mais visitados".
"Isso acontece porque as pessoas têm interesse. Qualquer turista que vá a Madrid, Paris, Londres, visita os museus de arqueologia.... Aqui, para museus com coisas importantes, que definem um país, nada".
Pedido de classificação do “Menino do Lapedo” como tesouro nacional “não pode ser só conversa”
O pedido de classificação avançado esta semana pelo Museu Nacional de Arqueologia para que o esqueleto do "Menino do Lapedo" seja tesouro nacional é positivo, considerou o arqueólogo João Zilhão, embora alertando que "não podem ser só palavras".
O arqueólogo, que há 20 anos liderou a primeira equipa que trabalhou no local do achado, o Abrigo do Lagar Velho, na freguesia de Santa Eufémia, em Leiria, gostava que a classificação "se transformasse em meios para continuar a investigação".
"Se for só tesouro nacional e não houver meios, é só conversa. Palavras leva-as o vento", disse, no final da intervenção na conferência "Menino do Lapedo - 20 anos depois", no Museu de Leiria.
Para João Zilhão "é preciso por meios onde se põem as palavras" e "se o 'Menino do Lapedo' tem esta importância, vamos tratar o assunto de outra forma".
O arqueólogo lamentou que o esqueleto só tinha sido exposto ao público uma vez, "e na Alemanha!", numa exposição por ocasião dos 150 anos da descoberta dos fósseis de Neandertal.
"Em Portugal nunca houve, ainda, condições de o mostrar ao público", sublinhou, recordando os esforços do diretor do Museu Nacional de Arqueologia.
"Anda o António Carvalho há dois anos a tentar reunir meios para fazer uma exposição do esqueleto e outros fósseis representativos, como o crânio do Almonda, descoberto em 2017, e não há dinheiro, não há meios... Isso é que não pode ser. O público, contribuinte, tem o direito de ver estas coisas e nós temos obrigação de as mostrar".
Em Leiria, João Zilhão pediu mais condições para a equipa que voltou a trabalhar este ano no sítio arqueológico do Abrigo do Lagar Velho, com custos cobertos pelo município.
"É preciso investir mais e trabalhar. A arqueologia é como os melões. Sem abrir não se sabe o que valem. Aqui [no Lapedo] foi uma coisa de repente, quase de um dia para o outro; no Almonda aquele crânio [encontrado na gruta da Aroeira] saiu ao fim de 30 anos de trabalho".
Na comemoração dos 20 anos da descoberta do esqueleto da criança do Lapedo, o arqueólogo congratulou-se com o facto de ter havido resultados, reconhecimento científico e interesse do público:
"Ainda bem que há gente na Direção Geral do Património Cultural e aqui em Leiria que mantém a chama acesa. O achado tem uma importância em si mesmo e, muito grande, como marco histórico nos debates sobre a evolução humana. Ao fim destes anos todos as pessoas entendem isso bem e tentam passar essa mensagem para a população. Só posso ficar contente".
João Zilhão salienta a importância do "Menino do Lapedo" para a reabilitação do homem de Neandertal:
"Naquela época havia a ideia dominante na comunidade científica - transmitida para o grande público - que os neandertais eram diferentes, meio brutos, que se calhar nem tinham linguagem. E que, na competição com uma espécie superior vinda de África, tinham acabado por desaparecer. Era uma simplificação grosseira do que tinha acontecido".
Havia indícios do contrário e a descoberta da sepultura da criança em Leiria comprovou miscigenação entre ramos diferentes. "Nós, os humanos, somos frutos da diversidade - e por isso somos tão ricos", realçou, na conferência, o diretor do Museu Nacional de Arqueologia, António Carvalho.
"Este foi o primeiro achado a ter projeção mundial e por isso é tão importante, para questionar a simplificação grosseira que havia do que tinha acontecido. Foi primeira página em todo o mundo", recordou João Zilhão.
O trabalho do arqueólogo é, agora, comprovar a capacidade intelectual dos neandertais:
"Agora admite-se que se misturaram mas não eram capazes de fazer arte... Não sei se eram ou não eram", mas no Museu de Leiria mostrou diversos achados que apontam nesse sentido.
"Na época ['do Menino do Lapedo'] a grande resistência que enfrentámos era generalizada. Estou convencido que esta vai ser uma batalha mais curta", concluiu.
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