Já não é político há 15 anos, não se assume como professor, circula de carro elétrico, uma mudança realizada há um ano, partilha ideias, tem assento garantido nos comentários da SIC, aos domingos à noite e, desde jovem, que não gosta que digam mal do país, só por dizer.
Luís Marques Mendes chegou à Central Tejo, às 11h40, dez minutos depois da hora indicada no programa, mas bem dentro da tolerância de ponto. Coube-lhe encerrar a 5ª e última conversa da terceira edição de “Conversas Com Energia, um ciclo de conversas sobre energia que envolveu 600 alunos de 15 escolas e que tem a assinatura da Fundação EDP e de duas entidades gestoras de resíduos - ERP Portugal e Novo Verde.
À sua espera, estavam cerca de 100 alunos do Colégio Nuno Álvares e Escola Secundária Marquês de Pombal, de Lisboa.
De fato escuro e gravata em tons de azul-marinho, o antigo político pousou o casaco na primeira fila e encurtou em duas dobras as mangas da camisa branca. De microfone encostado à cara, em pé, num jeito palestrante estilo Ted Talk, recorrendo ao uso e abuso das mãos e movendo-se de um lado para o outro do palco, às 11h53, deixou um aviso. “Não vou dar uma lição porque não sou professor, nem serei paternalista. Partilho ideias”, fez o reparo.
O palavrão Cidadania
A segunda frase de entrada começou com um palavrão, o primeiro de uma mão cheia, a propósito do tema por si escolhido: cidadania e participação cívica.
“Cidadania, vem de cidadão. Nós somos, enquanto pessoas, cidadão sujeitos de direitos e deveres”, começou por explicar à plateia. “Cidadania é ter comportamento responsável”, disse.
“Aplicado ao Dia Mundial do Ambiente e questões climáticas é a cidadania climática e o contributo para uma sociedade mais limpa e mais sustentável”, acrescentou, deixando um aviso à navegação. “Olhar para o dia neste dia é muito passageiro. Todos os dias são dias mundiais ambiente. Poupamos energia, reciclamos...”, frisou.
Continuou na senda dos alertas aos jovens estudantes. “Não olhem para isto do ambiente como: é dos políticos. Também é deles, mas é de qualquer um de nós”, assegurou o cidadão Marques Mendes, ex-político.
“No ano passado comprei um carro elétrico. Completamente elétrico”
Sacou da cartola exemplos para melhor compreensão de quem o escutava. Perdeu tempo a falar na necessidade de se investir na mobilidade elétrica e confessou. “No ano passado comprei um carro elétrico. Completamente elétrico. Consultei família e amigos antes de tomar a decisão e todos tinham dúvidas. Ainda é muito cedo, há poucos carros, a autonomia e o número [escasso de] postos, diziam-me. Se seguisse as opiniões não tinha comprado e comprei”, exaltou.
E prossegue na partilha das suas opções. “Fica mais barato do que o mesmo carro da mesa gama em combustão (no caso concreto, um Mercedes). Do ponto de vista financeiro é vantajoso, tem autonomia para centenas de quilómetros, sem dificuldade para carregar, embora obrigue a ter disciplina para carregar e contribui para um ambiente melhor”, enumera as vantagens. “E não estou só a dizer. Estou a dar o exemplo”, sustentou Luís Marques Mendes ao acrescentar um pormenor. “Sinto-me feliz porque pagava 400/500 euros por mês em gasóleo e agora não gasto 1/5 (100 euros)”.
Tempo de destacar dois dos grandes responsáveis da poluição: “energia e transporte”. São o problema central. Por isso, “é um investimento sustentável, é bom financeiramente. Vale a pena começar a explicar aos vossos pais”, deixou a indicação.
Fala da palavra mudança. “Suscita medo. No meu exemplo, se tivesse seguido os conselhos não tinha mudado”, recorda. “É uma mudança de hábito com total segurança. Já não é uma aventura, a autonomia vai melhorar e mais postos existirão”, antecipa.
“Somos responsáveis no voto ao obrigar os políticos a ter políticas de ambiente”
Rodou a bússola e começou a falar de atuação. “Temos de ter prioridades e apostas certas”, adianta ao identificar cinco áreas de atuação.
“A energia renovável, onde Portugal tem feito um esforço brutal, é um exemplo na UE (4.º lugar). É um investimento que importa fazer: água, vento e solar”, afirma, enquanto elogia o trabalho da EDP nesta área.
Caminha de um lado para o outro no palco elevado a meio metro para que todos o vejam e escutem, da primeira fila de cadeiras à última. Gesticula e fala pausadamente. Aproveitou o ritmo para, de forma pedagoga, trazer os jovens para a política.
“Somos responsáveis no voto ao obrigar os políticos a ter políticas de ambiente. Podem dizer que não gostam ou não querem saber de política, mas não há políticas sem políticos e se não ligarem estão a ajudar os menos qualificados, que não tem essa sensibilidade, a chegar lá”.
Marques Mendes não largou a tecla da responsabilidade. “Têm de ligar a esta parte da cidadania. Aí todos perdemos, nós, o país e a sociedade. A cidadania não é apenas dizer mal, é também participar”, sublinhou.
Retoma a listagem das áreas de atuação. “A eficiência energética e poupança de energia. Nas casas novas é mais fácil, nas mais antigas é necessário investir o que não é fácil. Neste momento, há incentivos do Estado”, informou, sem dizer quais.
Dá o pré-aviso de mais um palavrão a caminho. “Autoconsumo”, disparou. Exemplifica com os painéis solares, atualmente ao alcance de qualquer comum dos mortais face às políticas comerciais das empresas que os colocam quase a custo zero. “Em Portugal não damos valor ao que temos (horas de sol)”, alerta. “Obtemos duas vantagens, o contributo para sociedade melhor e estamos a poupar”, destaca.
Transportes e mobilidade foi o ponto que se seguiu. Reconhece ser dramático “obrigar as empresas transporte a mudar a frota e a substituir as fontes poluentes por outros que ajudem o ambiente”.
“A geração mais qualificada de sempre, exerçam a vossa energia para mais e melhor comportamento e foco no ambiente”
Volta a falar a linguagem dos mais jovens. “Se não somos nós a decidir, somos nós a pôr pressão. Usar as redes sociais nesta pedagogia de apelar às novas energias. As redes sociais não servem só para dizer mal. Nessa altura, estão a ser responsáveis”, sublinhou.
Por fim, a descarbonizarão das empresas. “Menos carbono na atmosfera, logo estamos a ser mais amigo ambiente”, assinalou.
Resumindo e concluindo e em forma de sumário, Luís Marques Mendes, deixou um último aviso. “A geração mais qualificada de sempre, exerçam a vossa energia para mais e melhor comportamento e foco no ambiente”, exaltou.
“Já fui político e já não sou há 15 anos. Ao ter estado por dentro sei como funciona o governante, sei como funciona a cabeça”
Antes do microfone saltitar entre duas perguntas da plateia, tempo ainda para deixar um conselho. “Falem o mais possível deste assunto. Têm dúvidas, falem, têm certezas, falem para convencer os outros e para que os decisores estejam mais atentos”, rematou.
“Já fui político e já não sou há 15 anos. Ao ter estado por dentro sei como funciona o governante, sei como funciona a cabeça. Têm 500 coisas para fazer e podem esquecer, por vezes, algumas. Mas quanto mais se falam do assunto, mais o governante se lembra”, deu a tática ao reconhecer não ser “especialista” em ambiente, mas sabe “os mínimos”.
De duas jovens vieram duas críticas relacionadas com transportes, e a visão distorcida das opções pelo carro elétrico, algo que não está ao alcance da bolsa do grosso da população portuguesa.
“Daqui a 10 anos a maioria será carros elétricos. Quem for comprar carro, compre carro elétrico. O meu carro foi mais barato e gastava 500 euros mês e agora gasto 100”, reafirmou.
À sugestão da jovem Ísis, que apelou à utilização de transportes públicos em detrimento do individual, Marques Mendes prescreve uma “maior aposta nos transportes coletivo. Se conseguir levar mais pessoas a usar transportes públicos melhor. Não tenho visão destorcida como diz. Não gosto de passar a vida a dizer mal do país e temos de mudar esse hábito. Faço palestras para jovens e vejo a (vossa) qualidade...”, sentenciou.
“As vossas escolhas não costumam ser as melhores” interrompe a jovem e irrequieta Ísis, perante risos tímidos dos companheiros de sala.
Despedidas feitas e microfones desligados, Luís Marques Mendes abandonou o palco na Central Tejo não sem antes dar um dedo de conversa com o SAPO 24, a propósito dos protestos feitos, em Portugal e no mundo, ao abrigo de questões ambientais e que vão dos furos dos pneus às invasões de escolas.
“Em tudo na vida, a cidadania exige equilíbrio e responsabilidade. Temos de saber equilibrar as nossas ambições, exigências e as nossas fúrias com a circunstância de não podermos entrar em extremismos e radicalismos e criar novos tipos de violência”, adiantou. “Por isso, temos de fazer pedagogia e não combater ninguém. Sempre com equilíbrio e sensatez de forma que a injustiça que queremos combater não gere novas injustiças por força das formas de luta radicais usadas. Tem de haver equilíbrio”, finalizou.
Lá fora, na rua, enquanto os cerca de 100 alunos das duas escolas foram plantar árvores nos Jardins da Central Tejo, Luís Marques Mendes, o cidadão que partilha ideias teve direito a uma selfie.
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