“O incêndio estava quase a ser resolvido quando a manobra de um helicóptero para recolha da sua tripulação provocou uma reativação do fogo, transpondo as chamas para a encosta contrária, causando um episódio de comportamento eruptivo que fez perder o controlo da situação”, refere o relatório do grupo de peritos convidado pelo Governo para fazer a avaliação dos grandes incêndios rurais de 2022.
O documento conclui que “é possível que esta manobra, para além de ter reavivado o fogo, tenha provocado focos secundários para a vertente oposta da encosta”.
O documento, publicado hoje na página da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), acrescenta que a manobra do helicóptero deveria ter acontecido numa zona diferente, “mais afastada do perímetro do incêndio, sobretudo longe daquela zona que estava mal consolidada e com uma linha de água por perto”.
“Por outro lado, admitindo que não foi possível evitar que o perímetro do incêndio chegasse tão próximo da linha de água, toda esta zona deveria ter sido sujeita a um esforço acrescido de consolidação uma vez que seria de esperar que a transposição da linha de água pelo fogo levaria a uma propagação violenta”, explica.
Os especialistas entendem, no entanto, que “o esforço extraordinário de consolidação que seria necessário para completar esta manobra não estaria ao alcance dos meios no local”.
Segundo os peritos, o incêndio na Serra da Estrela lavrou entre 05 e 23 de agosto foi o sexto maior ocorrido em Portugal, desde que há registos.
Os 30 peritos salientam que “sem dúvida que esta foi uma ocorrência de difícil gestão, não apenas pela humidade muito baixa que os combustíveis apresentavam, como pela orografia desfavorável típica de uma região montanhosa, mas sobretudo pelo forte vento que se fazia sentir, sobretudo durante o período entre as 10:00 e as 20:00 de cada dia”.
O documento dá também conta que “a falta de acessos foi sem dúvida um fator determinante para que o incêndio tivesse tomado as proporções que tomou”, sobretudo nos três primeiros dias, o que obrigou a que as intervenções fossem feitas com ferramentas manuais, com menor eficiência do que o uso de veículos com água.
Segundo o relatório, as movimentações eram mais lentas em função da orografia desfavorável, prejudicando o combate no geral, mas sobretudo aos focos secundários que iam surgindo.
Apesar dos meios aéreos terem sido usados “com grande empenho”, a sua utilização, “sem ser complementado com os meios terrestres, acaba por apenas atrasar a propagação do fogo, que muitas vezes volta a reativar por não ter tido consolidação”.
“Em muitas situações, devido à falta de acessos que garantissem a segurança, os agentes no terreno recusavam-se a entrar pelo meio da floresta para fazer essa consolidação, sendo este um dos fatores que levou a que se verificassem tantas reativações. Foram feitas várias críticas aos operacionais que preferiam ficar na estrada a ir combater o fogo em zonas florestais sem caminhos. Naturalmente que terá havido situações em que os operacionais poderiam ter sido mais afoitos, e até mais esforçados, do que realmente foram”, escrevem os peritos.
No entanto, sustentam, muitos destes operacionais estavam a trabalhar numa zona que não conheciam e num tipo de terreno a que não estavam habituados, pelo que “parece aceitável que tivessem receio em algumas ações”.
O relatório, que destaca como aspeto mais positivo desta ocorrência a ausência de vítimas mortais e de acidentes graves, indica ainda que o “esforço de combate era perdido assim que a água evaporava e se davam reativações ou o avivamento do fogo que antes tinha baixado de intensidade”.
Além do incêndio da Serra da Estrela, o relatório, coordenado pelo professor da Universidade do Porto José Manuel Mendonça, analisa os fogos de Murça e Vila Pouca de Aguiar (17-27 de julho), de Ourém, Ansião e Leiria (6-18 de julho) e de Albergaria-a-Velha (10-15 de julho).
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