O parque florestal, que data de 1926, foi destruído por dois grandes incêndios, em 1993 e 2005, e afetado por um temporal em 2013, mas o núcleo central - a zona em redor da capela de Santo Amaro, Vale dos Cedros e Canto dos Eucaliptos, entre outras, onde existiam as espécies originais - sobreviveu e foi agora dizimado pela tempestade Leslie, com árvores arrancadas pela raiz, outras de pé, mas sem casca e partidas ao meio, e toneladas de madeira, ramos, galhos e folhas que invadiram a estrada, tapando totalmente o alcatrão.
A reportagem da Lusa demorou, a pé, cerca de duas horas para percorrer pouco mais de 500 metros na estrada entre a saída da povoação da Serra da Boa Viagem e a zona da capela de Santo Amaro (que aparentemente não sofreu danos), onde, mais de uma semana após a tempestade Leslie, não existe qualquer aviso ou restrição à circulação de pessoas, apesar daquela via estar intransitável.
"Nunca tinha visto nada assim. Há uns anos houve um temporal que arrancou algumas árvores, mas nada como isto", disse José Manuel, praticante de BTT e cicloturismo, que acompanhou a Lusa na caminhada pelo parque florestal.
Reformado da Portugal Telecom e residente na povoação da Serra da Boa Viagem, José Manuel, 70 anos, percorre habitualmente de bicicleta os acessos de alcatrão e caminhos de terra da serra: "Mas agora não se passa em lado nenhum e a estrada desapareceu, não se vê", apontou, enquanto avançava a pé, devagar e com cuidados redobrados, por entre as árvores destruídas.
O parque florestal Manuel Alberto Rei é tutelado pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) e gerido pela autarquia da Figueira da Foz, nomeadamente em ações de limpeza e manutenção acordadas com aquela entidade estatal.
À Lusa, Miguel Pereira, vereador com o pelouro do Gabinete Técnico Florestal - e que desde terça-feira coadjuva o presidente da autarquia, João Ataíde, em assuntos relacionados com a Proteção Civil - classificou a situação da serra da Boa Viagem como "uma tragédia".
"É uma tragédia pela quantidade de árvores que caíram. Está tudo tombado, os caminhos estão intransitáveis, é caótico", disse o autarca.
"O pulmão da cidade foi arrasado", enfatizou.
Já sobre a falta de avisos e de medidas que impeçam a circulação na serra da Boa Viagem, Miguel Pereira explicou que as autoridades locais, em acordo com o ICNF, deram "prioridade" à desobstrução de "acessos a casas e moradias", nomeadamente da via principal que vai da povoação, pelo parque florestal, para oeste e onde se mantêm, na berma, restos de árvores cortadas e postes de iluminação pública destruídos com cabos pendurados.
O autarca afirmou, no entanto, que hoje serão tomadas medidas para vedar o acesso às zonas afetadas no parque florestal, nove dias após a tempestade Leslie, admitindo que os cidadãos "não têm noção, nem ideia", do nível de destruição.
"Isto dói no coração e dói na alma. Ver esta destruição é como nos arrancarem um pedaço", ilustrou, por seu turno, Tito Magalhães, da Associação Trilhos da Boa Viagem (ATBV), sobre os efeitos "desoladores" da tempestade Leslie no núcleo central da área florestal.
O responsável da ATBV, associação que promove caminhadas e tem em curso outros projetos para aquele espaço verde, frisou que o pinheiro bravo "foi a espécie mais afetada" pela tempestade, a exemplo dos eucaliptos quase centenários, alguns com troncos de mais de um metro de diâmetro e 40 metros de altura, tombados e atravessados na estrada, e caminhos "onde não se pode andar, até por questões de segurança".
A destruição, disse, deverá obrigar à retirada de um parque aventura existente nas traseiras da capela de Santo Amaro - onde os utilizadores percorriam, em altura, diversos obstáculos suportados pelas árvores de grande porte que agora caíram.
O chamado Vale dos Cedros, onde existia um dos parques de merendas mais antigos da Serra da Boa Viagem, também foi afetado - embora ali, "as árvores de maior porte" tenham caído no temporal de 2013 - e o parque de merendas do chamado Canto dos Eucaliptos, situado cerca de 50 metros abaixo do nível da estrada está "irreconhecível", com eucaliptos gigantes partidos que destruíram as mesas de betão.
"A serra da Boa Viagem, parecendo que não, é o pulmão da Figueira da Foz, a joia da coroa em termos de espaços verdes. O mais grave é que, depois de incêndios e temporais, ainda não possui um real ordenamento em termos de gestão florestal", disse Tito Magalhães.
Nos últimos dias, na rede social Facebook, cresceram os avisos sobre o estado do parque florestal após a tempestade Leslie, com textos e fotografias: um dos utilizadores, Luís Carlos, que trabalha na área florestal na própria serra da Boa Viagem, avisou para o perigo das pessoas ali continuarem a circular "sem que as autoridades façam alguma coisa para as impedir".
"Quem não tiver conhecimento suficiente para andar lá pode morrer", disse à Lusa Luís Carlos, argumentando que, na última semana, dias após a passagem da tempestade Leslie, "caíram mais árvores" e alertando para o perigo de "quedas ou males maiores" por parte de quem ali circula.
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