O livro “Cartas para Miguel Torga”, com prefácio e organização de Carlos Mendes Sousa, é apresentado hoje, pelas 18:00 no Espaço Miguel Torga, em S. Martinho de Anta, em Sabrosa, distrito de Vila Real, e reúne parte da correspondência do escritor, que
, como afirma Mendes Sousa, no texto de abertura da obra.
As cartas agora publicadas, datadas entre 1930 e 1994, são dirigidas a Miguel Torga (1907-1995) e os remetentes são de várias personalidades, da literatura à diplomacia, como Teixeira Pascoaes, Natália Correia, Óscar Lopes, Gonzalo Torrente Ballester, Ribeiro Couto ou Jack Lang, antigo ministro francês da Cultura.
A lista de cerca de cem remetentes inclui nomes como Mário Soares, Sophia de Mello Breyner Andresen, Mário Gonçalves de Oliveira, Ilse Losa, Adolfo Casaes Monteiro, António Ramos Rosa, David Mourão-Frreira e Alves Redol, entre outros.
Mendes Sousa reconhece que leitura da correspondência “ressente-se da ausência das cartas de Torga”, mas afirma-se esperançoso de que, “no futuro”, seja editado “um volume que reúna as cartas” de Torga, que “complementará (e iluminará) a leitura desta correspondência” agora trazida a público, com a chancela das Publicações D. Quixote.
O organizador da obra destaca, entre outros pormenores, “os modos muito diversos como os emissores se dirigem ao escritor”, alguns “dando conta de um distanciamento que parece decorrer de certa imagem construída à volta de Torga”.
A escritora Agustina Bessa-Luís, no seu primeiro contacto por escrito com Miguel Torga, “começa a carta de uma forma abrupta”. A escritora dirigiu-se a Torga, sentida por este não se ter referido ao seu romance de estreia “Mundo Fechado” (1948).
“Agustina alude, com inusitada afoiteza, ao 4.º volume do 'Diário' de Torga, onde esperava encontrar uma nota sobre o seu livro”.
A dado passo escreveu Agustina: “Então a morte do pai do abade de Loureiro mereceu-lhe uma página do seu diário. A morte, o enterro, a paisagem, o amigo caçador podem render meia dúzia de frases para a posteridade. Uma criaturinha que escreve qualquer coisa e lhe pede duas palavras de crítica não vale nada com certeza”, escreveu a autora de "A Brusca", quando dava os primeiros passos nas letras, e que aconselhava Torga a afastar-se das tertúlias citadinas que frequentava e, dizia, lhe faziam perder tempo.
Entre as formas como se dirigem a Torga, Mendes Sousa afirma que as cartas de início da década de 1930, de Fernando Pessoa, Raul Leal e António Sérgio “refletem convencionalismo formal de quem se dirige ao escritor emergente”.
No final desta década, os amigos do grupo de Coimbra, como Vitorino Nemésio, Martins de Carvalho, Paulo Quintela ou Menéres Campos, dirigem-se-lhe como “meu caro Rocha” - Miguel Torga é o pseudónimo escolhido, em 1934, pelo médico Adolfo Rocha – ou por “tu”.
A escritora Maria Ondina Braga, por exemplo, escreveu, em 1962, “Desculpe não começar como é uso nas cartas. A verdade é que não sei fazê-lo para quem me desconhece de tudo – Senhor Doutor? – Distinto Escritor? – Apetece-me antes dizer: Meu amigo”.
O diplomata e poeta brasileiro Ribeiro Couto dirige-se-lhe às vezes como “Miguelão” ou “Torguinha” e, numa carta, alude à sua condição de poeta e otorrinolaringologista em Coimbra: “Poeto-rino-conímbrico-carmónicologista”.
O facto de residir em Coimbra, afastado da irradiação cultural, é salientado, em 1950, por Eduardo Lourenço, numa carta em que lhe agradece a receção de um livro seu: “Os lisboetas vão queimá-lo em esfíge ou então ignorá-lo ‘lisboetamente’”.
Carlos Mendes Sousa assinala ainda “um conjunto de cartas que dão conta de um intenso convívio intelectual e que se destacam pela amizade, generosidade, beleza e frontalidade das palavras que contêm”: as missivas de Vitorino Nemésio, Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade e Eduardo Lourenço.
Miguel Torga - Adolfo Correia da Rocha - nasceu em 12 de Agosto de 1907, em São Martinho da Anta, na região de Trás-os-Montes, e morreu em Coimbra, há 25 anos, em 17 de janeiro de 1995.
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