No cemitério no sudeste de Moscovo, multidões fazem fila durante horas desde sexta-feira para colocar flores, velas e mensagens pessoais escritas, transformando o local de descanso eterno do principal crítico de Vladimir Putin num santuário, poucas semanas antes do esperada reeleição do chefe de Estado russo, em 17 de março.
Crítico feroz do Kremlin e da guerra na Ucrânia, Navalny morreu em 16 de fevereiro em circunstâncias ainda não esclarecidas, numa colónia penal no Ártico, onde cumpria uma pena de 19 anos de prisão por extremismo. A sua morte, aos 47 anos, desencadeou uma onda de condenação no Ocidente.
As autoridades russas afirmaram repetidamente nos últimos meses que uma esmagadora maioria dos russos apoia Putin e a sua guerra na Ucrânia. Mas estas longas filas de apoiantes de Navalny testemunham o vigor ainda intacto da tradição de dissidência na Rússia contra poderes autoritários, já presente sob os regimes czarista e soviético.
O funeral de Navalny, na sexta-feira, deu origem a impressionantes manifestações da oposição, com alguns dos seus apoiantes a gritar “Putin é um assassino!”, ou “Não à guerra!”.
Imagens de dezenas de milhares de pessoas a desafiar o poder não eram vistas na Rússia desde o início da invasão russa da Ucrânia, no final de fevereiro de 2022.
Para a analista política Ekaterina Schulmann, a presença destas multidões é extraordinária e lembra o funeral do académico soviético Andreï Sakharov, prémio Nobel, enterrado em 1989 em Moscovo.
“À custa da sua vida e do seu sacrifício, Alexei Navalny libertou-nos a todos da vergonha que é pior que a morte”, apontou Schulmann, no seu canal no YouTube.
Cerca de um quarto dos russos ficaram tristes com a morte de Navalny, enquanto 53% dos entrevistados disseram não sentir nada em particular, de acordo com um estudo da empresa de sondagens Russian Field.
Segundo Andrei Kolesnikov, investigador do Carnegie Russia Eurasia Center, as pessoas que prestaram homenagem a Navalny são ‘perigosas’ para as autoridades russas.
“Lançam dúvidas sobre o principal mito atual do Kremlin: a consolidação absoluta da nação em torno de Putin e dos seus compromissos”, analisou.
Após depositar flores no túmulo de Navalny, uma mulher, de 49 anos, que falou sob a condição de anonimato à agência France-Presse (AFP), confessou ter medo: “Mas às vezes o desejo de expressar a própria posição é mais forte do que qualquer coisa”.
Desde sexta-feira, a polícia russa prendeu mais de 100 pessoas que participavam em homenagens a Navalny em 22 cidades, segundo a organização não-governamental (ONG) de direitos humanos OVD-Info.
As autoridades russas exigiram inicialmente que o funeral do opositor fosse mantido em segredo, antes de cederem sob a pressão de uma vasta campanha de solidariedade que exigia uma cerimónia adequada.
Desde a morte de Navalny, cerca de 500 memoriais foram erguidos em mais de 200 cidades russas, e cada vez mais cidadãos questionam as circunstâncias em que ocorreu.
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