Opositor à ditadura, contestatário da Guerra Colonial, exilou-se em Paris, em 1961, onde “o seu talento começou a despontar e o seu traço, único e imediatamente reconhecível, começou a ganhar a sua forma”, escreve a ministra Graça Fonseca, que recorda como, durante esse período de exílio, Vasco, como assinava e ficou conhecido, colaborou com os maiores jornais e revistas franceses, nomeadamente Le Monde, Le Fígaro e Le Nouvel Observateur.
Regressado a Portugal, após o 25 de Abril, “os seus desenhos e a sua sátira mordaz tornaram-no um dos mestres do ‘cartoon’ em Portugal e uma referência incontornável, tanto para os seus pares como para os ilustradores mais jovens”, acrescenta.
Graça Fonseca dá como exemplo colaborações de Vasco de Castro com jornais e revistas portugueses, com destaque para o seu trabalho no Diário de Notícias e, mais tarde, no Público.
Álbuns como “Montparnasse, mon village” (1985), “Fotomaton” (1986), “Leal da Câmara” (1996) e “Montparnasse até ao esgotamento das horas” (2008) são igualmente citados pela ministra.
“A cultura portuguesa perde um mestre do humor em desenho, com uma qualidade artística superior, que projetou internacionalmente o ‘cartoon’ português”, conclui Graça Fonseca, na nota de pesar.
Vasco de Castro morreu na madrugada de domingo, no Hospital Amadora Sintra, a um mês de completar 86 anos.
Natural de Ferreira do Zêzere, onde nasceu a 10 de agosto de 1935, cresceu em Trás-os-Montes e estudou na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, antes de se exilar em Paris.
Os seus primeiros desenhos satíricos aparecem na imprensa em 1954, no Riso Mundial, seguindo-se publicações como Picapau, Cara Alegre, Diário Ilustrado, Mundo Ilustrado, Diário de Lisboa, República e Parada da Paródia, indica o “Dicionário dos Autores de Banda Desenhada e Cartoon em Portugal”.
Em Paris criou a União dos Estudantes Portugueses em França, mantendo atividade política e associativa. Em 1969, fundou o semanário lx, o primeiro jornal francês ‘underground’, de imediato suspenso pelo Ministério do Interior.
Editou o primeiro álbum em nome próprio em 1972. Em 1973, fundou as Éditions Champ du Possible e criou o Prix du Dessin Abject.
Com o jornalista e escritor espanhol Xavier Domingo, colaborou em BD sobre figuras de escritores como Ernest Hemingway, André Breton, François Mauriac.
Em Portugal, após o 25 de Abril, colaborou ainda nos jornais e revistas Sempre Fixe (2.ª série), República, Diário de Lisboa, O Bisnau, Página Um, Mais, O Jornal, Jornal de Letras, Opção, Pão com Manteiga, Cadernos do 3.º Mundo.
O seu trabalho encontra-se representado em diversas antologias nacionais e estrangeiras da especialidade.
Em 2018, meio século depois do Maio de 68, Vasco de Castro recordou, em entrevista à agência Lusa, o movimento histórico de protesto, que ilustrou e no qual participou ativamente, sendo autor de alguns dos seus mais conhecidos cartazes.
“O Maio de 68 esteve sempre dentro do meu tutano. Foi um período deslumbrante”, disse então. “Há um deslumbramento que é uma insurreição, um estado de tensão permanente, de felicidade. É a prática exata da alegria de viver, porque estamos a ser úteis para qualquer coisa que está prenhe de futuro. Dali pode sair qualquer coisa”.
Em Paris, Vasco de Castro fez parte de um comité de ação com outros portugueses exilados para apoiar “o rio caudaloso” do movimento francês que brotou da contestação estudantil e ganhou força, com greves e barricadas, junto de milhões de operários e dos sindicatos.
“Organizámos um plano de ação que era convencer a grande massa de trabalhadores [portugueses], completamente despassarados, atónitos, com medo de perder o emprego. Eram rurais, camponeses, analfabetos, desenraizados e sem compreenderem o contexto, mal falando o francês, e a ligação ao proletariado francês era fraca. Não queriam fazer greve. Era convencê-los a fazerem greve e a serem solidários com os franceses”, relatou.
Vasco de Castro, que então se sentiu parisiense de Montparnasse, também lembrou à Lusa “umas dezenas” de portugueses, mais novos, desertores e refratários, disponíveis “para reivindicar um lugar na sociedade francesa e, ao mesmo tempo, contestando o regime português, e as guerras coloniais”.
Na primavera de 2019, o Museu Bordallo Pinheiro, em Lisboa, dedicou a Vasco de Castro a retrospetiva “Ena pá… cá está ele outra vez! Vasco de Castro”, congregando obras de ‘cartoon’, ilustração, caricatura, desenho e pintura.
Foi “um dos maiores desenhadores de humor do século XX”, lembrou, no domingo, o professor Mário Beja Santos.
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