É com alguma expectativa, mas também uma certa dose de ceticismo, que os municípios contactados pela agência Lusa olham para o futuro Plano de Revitalização da Serra da Estrela (PRSE), esperando que aquilo que hoje é um esboço possa contemplar medidas concretas e financiamento adequado para uma mudança de paradigma da região, depois do grande incêndio de 2022 que consumiu 28 mil hectares do Parque Natural.
Reforço de benefícios fiscais, a revisão do ordenamento do Parque Natural, uma mudança no modelo de gestão do território com os municípios mais presentes e um aproveitamento dos recursos hídricos são algumas das medidas de uma região que clama também para si rendimentos a partir dos serviços de ecossistema e recursos naturais que a serra da Estrela assegura ao resto do país, como a água ou a captura de carbono.
“Este Plano de Revitalização pode ser o verdadeiro momento de coesão do país com a serra da Estrela, que até agora não aconteceu”, disse à Lusa o presidente da Câmara de Gouveia e da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela (CIMBSE), Luís Tadeu.
Depois de um primeiro esboço apresentado pelo grupo de trabalho no final de julho, os autarcas esperam agora incluir as suas propostas e trabalhar nas ações concretas ao detalhe, como é o caso do plano de ordenamento do parque natural, que “é muito antigo e está desajustado aos tempos de hoje”, notou Luís Tadeu.
Com despacho já assinado por parte do Governo para se avançar com tal revisão, o presidente da CIMBSE espera que se possa ter um plano de ordenamento que “olhe para as preocupações de preservação do meio ambiente e biodiversidade, mas que, ao mesmo tempo, salvaguarde as condições para que as pessoas possam estar no território”.
“Para haver presença humana, que é fundamental, tem de estar possibilitada a construção, a atividade agrícola, o turismo ou o desporto. O atual plano tem levado a que as pessoas abandonem o território”, vincou, sublinhando que não se pode querer ter pessoas a cultivar na serra, mas a viverem “como no século XVIII, sem água, sem luz nem saneamento”.
Também o presidente da Câmara da Guarda, Sérgio Costa, espera que essa revisão, associada a uma mudança do modelo de gestão em que os municípios possam ter um papel mais importante, permita “que o parque passe a ser um ponto de atração da população e não um ponto onde as pessoas não podem viver”.
Para se garantir uma Serra da Estrela viva e sustentável, Sérgio Costa considera também que será preciso “alocar as verbas necessárias” para um trabalho continuado e com recursos próprios no terreno, seja através do mercado de carbono ou de rendimentos associados àquilo que o parque natural dá ao país: “É o grande pulmão de Portugal e é onde nascem as principais linhas de água portuguesas [rios Zêzere e Mondego]”.
O presidente da Câmara de Seia, Luciano Ribeiro, sustenta essa posição, dando o exemplo do que acontece com as minas ou poços de petróleo.
“Numa mina ou poço de petróleo, o Estado recebe os ‘royalties’, que podem ser partilhados com os agentes locais. Nós queremos ‘royalties’ sobre os valores naturais, os recursos hídricos, que o território gera e que permite o desenvolvimento de atividade económica noutras zonas do país, como é o caso de Lisboa”, sublinhou.
Nesse sentido, deve ser criado um modelo em que os valores naturais “possam ser pagos”, defendeu o autarca.
“Não é chantagem, é constatar a realidade. Tem de haver uma posição de equilíbrio e tem de haver um retorno para que a Serra da Estrela possa continuar humanizada, para estar ao serviço do país”, acrescentou o presidente da Câmara da Covilhã, Vítor Pereira.
Já a vice-presidente da Câmara de Celorico da Beira, Teresa Cardoso, realçou a possibilidade de o futuro plano incorporar o plano de aproveitamento dos recursos hídricos da serra da Estrela, que está em fase de estudo.
“Esse plano é essencial, para que possamos aproveitar esses recursos, como a execução de barragens, a reabilitação de regadios, para que os recursos hídricos sejam mais bem aproveitados”, defendeu.
Para o presidente da Câmara de Manteigas, Flávio Massano, não será o PRSE a resolver todos os problemas da serra da Estrela, mas poderá dotá-la de “atrativos” que, entretanto, foi perdendo.
“Precisamos de serviços de proximidade, de olhar para o Parque Natural e reformular a forma de funcionamento do mesmo. Hoje, parece que só existe um Parque para limitar e que não apoia o desenvolvimento sustentável do território”, constatou Flávio Massano, que preside ao atual modelo de cogestão, onde os autarcas não têm “praticamente competência nenhuma” atribuída.
À boleia do plano de revitalização, Flávio Massano considera que o próprio país tem de olhar de forma diferente para a conservação da natureza.
“Portugal é um dos cinco países europeus que menos investe em conservação e proteção de floresta. É importante o país assumir compromissos”, sustentou.
O grande incêndio na serra da Estrela deflagrou no dia 06 de agosto em Garrocho, no concelho da Covilhã (distrito de Castelo Branco, e rapidamente alastrou a outros concelhos da zona da serra da Estrela.
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