O momento era de despedida do ‘professor Marcelo Rebelo de Sousa’, que já próximo do tempo de se jubilar do cargo de docente de Direito na Universidade de Lisboa decidiu por uma mudança de carreira e candidatou-se à Presidência da República, ganhando.
Mas antes dos elogios que guardou para o chefe de Estado e, sublinhou, “distinto professor” da instituição que hoje deu a sua última lição, António Cruz Serra criticou a política seguida pelo Governo para o Ensino Superior, centrando-se na sua mais recente medida, com grande impacto nesta universidade: a redução administrativa de vagas, por decisão da tutela, nas instituições de Lisboa e Porto.
Uma “estratégia política do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, manifestamente pouco avisada”, criticou Cruz Serra, que defendeu que o número de novos alunos que este ano entraram na instituição é “lamentavelmente, menor do que em anos anteriores”, não por falta de capacidade da universidade, não por falta de qualidade dos alunos candidatos, mas por uma decisão que disse ser o caminho errado para atingir o objetivo a que se propõe.
Tirar vagas a Lisboa e Porto para aumentar o número de estudantes no interior do país traduziu-se numa aritmética desequilibrada, com 1.066 vagas retiradas às universidades e politécnicos das duas maiores cidades, com um ganho de 98 novos alunos distribuídos pelas 31 instituições onde a medida pretendia ter efeitos.
“O contraste é eloquente”, afirmou Cruz Serra, acrescentando que “nunca será com tais medidas, que impedem os jovens de estudar nas universidades mais prestigiadas do país e melhor classificadas nos 'rankings' internacionais” que se vai promover “o desenvolvimento do interior do país”, admitindo que o resultado mais provável, no final de todas as fases do concurso nacional de acesso ao ensino superior, seja um aumento de estudantes nas universidades privadas.
Cruz Serra apelou para racionalidade na oferta formativa superior, referindo a sobreposição de ofertas, os cursos sem qualquer estudante colocado ou com menos de uma dezena de alunos, por vezes na mesma região, e pediu que se garanta o “aumento da base de recrutamento”, no país e estrangeiro, desde logo para combater o “inverno demográfico” que deverá trazer uma redução de candidatos nacionais de 30% nos próximos 15 anos.
O reitor da Universidade de Lisboa voltou a criticar a aplicação ao ensino superior e ao sistema científico nacional do programa de combate à precariedade no Estado (PREVPAP), acusando o ministério tutelado por Manuel Heitor de “violentamente ferir o legado” do ex-ministro socialista Mariano Gago - do qual foi secretário de Estado - ao não garantir o recrutamento por mérito.
E alertou ainda para a suborçamentação do ensino superior decorrente deste programa de regularização de vínculos, mas também dos contratos decorrentes da lei do emprego científico.
“Não há um cêntimo nas dotações orçamentais propostas para a regularização dos vínculos no âmbito do PREVPAP e para aplicação da norma transitória do decreto-lei 57/2016 aos bolseiros que não eram totalmente financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Só na Universidade de Lisboa os novos encargos resultantes da aplicação destas leis representam cinco milhões de euros por ano”, disse, acrescentando que o “não financiamento destes contratos constitui uma violação do acordo assinado entre o governo e as universidades públicas”.
“Esta insuficiência orçamental está decerto na base da orientação da Direção-Geral do Orçamento às Universidades para que inscrevam como receita no seu Orçamento, não o valor que resulta dos contratos já firmados, mas sim o valor indicado pela FCT, por sinal bastante inferior aos compromissos entretanto assumidos. Não é aceitável que a construção do Orçamento de Estado não assente nos compromissos já firmados e na despesa que deles decorre.”, disse ainda o reitor.
Sobre questões orçamentais, Cruz Serra afirmou ainda que o congelamento do valor das propinas custa à universidade um milhão de euros por ano, sem que isso seja compensado no Orçamento do Estado.
O sucesso turístico de Lisboa teve, segundo o reitor, “como efeito colateral a redução de oferta do alojamento disponível para os estudantes universitários e o aumento muito significativo do seu preço, criando constrangimentos a quem procura estudar em Lisboa”, um problema que a universidade está a contornar com a construção de mais residências, que nos próximos anos podem representar uma oferta de mais cerca de duas mil camas para universitários em residências públicas.
Dirigindo-se a Marcelo Rebelo de Sousa, o reitor apontou-o como “um dos mais brilhantes estudantes da Faculdade de Direito e um seu eminente professor” e “uma personalidade exemplar, dotada de uma inteligência excecional, empenhada desde sempre no combate às injustiças sociais e à causa da educação, desenvolvendo, nas diferentes facetas da sua atuação, uma notável intervenção cívica”.
“Não por acaso, não qualifiquei esta lição como a sua “última lição” ou “lição de jubilação”. Penso manifestar o sentimento geral da comunidade académica, quando afirmo que a Universidade de Lisboa não prescinde de continuar a contar com a preciosa colaboração de V. Exª. como seu distinto professor”, disse Cruz Serra.
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