Este exemplo vem descrito no relatório “Estado da Educação 2018”, hoje divulgado, e duas vezes por semana, durante a manhã ou da parte da tarde, um grupo de crianças troca a sala de aula da sua escola pela “Casa da Praia”, uma pequena vivenda de azulejos azuis-esverdeados, próxima do rio Tejo. A instituição nasceu em 1975 e desde então apoia crianças com experiências de vida traumáticas que as impedem de comunicar, imaginar e aprender.
“São sobretudo crianças com problemas emocionais. Elas podem aprender como todas as outras assim que esse bloqueio é ultrapassado”, contou à Lusa Carmo Gregório, assessora técnica do Conselho Nacional de Educação (CNE), que fez parte da equipa que durante uma semana visitou a instituição.
O CNE escolheu a Casa da Praia como um dos oito exemplos “inspiradores” de educação, porque ali nunca ninguém é deixado para trás”.
Apesar da capacidade para aprender, muitas crianças não conseguem ler, escrever e têm problemas de comportamento. Umas não falam com ninguém enquanto outras são muito impulsivas.
Quem está ali foi encaminhado pelas escolas, centros de saúde, famílias ou outras instituições da comunidade. Há crianças que são sinalizadas logo no pré-escolar. Mas a maior parte delas já frequentavam o 1.º ciclo quando soou o alarme.
“Há crianças que estão um pouco perdidas no tempo e no espaço. Elas não conseguem distinguir os tempos. Por exemplo, não sabem o dia em que fazem anos ou em que estação do ano estão. Não têm esse tipo de referências”, exemplificou Carmo Gregório.
Outras estão “perdidas no espaço”. Não conseguem ter os comportamentos adequados e é habitual haver queixas de indisciplina na sala de aulas.
Mas, na Casa da Praia, todos os comportamentos são aceites porque se sabe que são o reflexo de uma “história de vida” difícil.
Ali, as crianças contam com o apoio de pedopsiquiatra, psiquiatras, professores mas também com a presença de outros meninos com outros problemas de aprendizagem, tal como eles.
Invariavelmente, “estes problemas são das famílias antes de serem das crianças”.
Muitas vezes trata-se de casos de “famílias desestruturadas que não conseguem incutir regras”, lembrou a representante do CNE.
O trabalho da Casa da Praia é ajudar a criança exteriorizar o que está bloqueado, para depois conseguir ultrapassar os problemas, contou Carmo Gregório.
Carmo Gregório acredita que este modelo terapêutico “também podia ser usado nas escolas”, sendo para isso necessário criar equipas técnicas compostas por professores especializados e pessoal técnico da área da saúde.
Oriundas de famílias de todos os estratos sociais, as crianças “têm uma história” de vida que se reflete nos seus comportamentos.
Na pequena vivenda, situada na Travessa da Praia, nasceu em 1975 a Casa da Praia por iniciativa do psicanalista, pedagogo e pioneiro da saúde mental infantil em Portugal João dos Santos.
A ideia nunca foi sobrepor-se à escola ou substituí-la, mas proporcionar um espaço acolhedor a meninos que tinham problemas que os impediam de aprender e de se relacionar.
A presidente do CNE, Maria Emília Brederode Santos, sublinhou que este é apenas um dos exemplos de instituições que trabalham para “ultrapassar o determinismo social”, ou seja, que lutam contra o insucesso que atinge principalmente as crianças de famílias mais desfavorecidas.
Oito histórias descritas no relatório “Estado da Educação 2018”, hoje divulgado, são “casos muito diferentes”, mas com pontos em comum: “Todos têm a convicção de que toda a gente pode aprender e que a escola está lá para isso”.
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