A escola é antiga e nasceu paredes-meias com o Bairro da Jamaica, um dos mais problemáticos da área metropolitana de Lisboa. É um dos estabelecimentos de ensino onde os alunos do 9.º ano conseguem ter melhores resultados académicos do que seria esperado, tendo em conta a média nacional para escolas com alunos de contextos socioeconómicos semelhantes.
Ao longo dos anos, a escola Escola Paulo da Gama foi-se transformando à semelhança do que acontecia à sua volta. À medida que o concelho do Seixal ia acolhendo mais imigrantes, a escola ia somando alunos de novas nacionalidades.
Hoje, tem estudantes de 24 países, quase todos moradores do Bairro da Jamaica. “É uma escola onde coabitam diferentes nacionalidades e muitas culturas”, conta Filomena Ramos, assessora técnica do Conselho Nacional da Educação (CNE), acrescentando que “estão sempre a chegar novos alunos” durante todo o ano letivo. Filomena fez parte da equipa que durante uma semana passou ali os dias, falando com professores, funcionários, alunos e encarregados de educação.
São conhecidos os casos de conflitos entre alunos quando estão no bairro, mas as discórdias entre diferentes nacionalidades e étnicas ficam do lado de fora dos muros da escola.
De um dia para o outro, mudam de país, de cultura, de clima, de bairro. “A escola tem essa noção e tenta suprir estas carências”, explica a técnica do Conselho Nacional de Educação, recordando as palavras da diretora que defende uma aprendizagem dos afetos em que os alunos sentem que “a escola se interessa por cada um deles”.
Na Escola Básica do 2.º e 3.º ciclos Paulo da Gama, todos são conhecidos pelo nome próprio e em todos é depositada a confiança no sucesso académico. Professores e funcionários “acreditam que todos são capazes” e que a aprendizagem “é um percurso que pode demorar mais ou menos tempo”.
Numa escola onde não é estranho encontrar jovens que deixaram os pais no país de origem para estudar, a “segurança afetiva” é muito importante.
Durante a semana de visita, os técnicos perceberam que os alunos estimavam aquele espaço. “A escola é muito velha, está muito degradada, mas não vemos grafitis, nem papéis, nem lixo no chão. Sente-se que os alunos a estimam”, relata Filomena .
“Todos gostam de dançar"
A equipa do CNE assistiu a uma aula de educação física que considera exemplar. “Era uma aula muito diferente porque era de dança”, recordou, descrevendo que os conflitos que existem no Bairro da Jamaica, entre alunos de diferentes nacionalidades e etnias, desapareceram. “Todos gostam de dançar e a professora conseguiu pôr toda a classe a dançar em conjunto”.
A atitude dos docentes também surpreendeu os técnicos do CNE. Sem sala de professores para descansar ou trabalhar, foram vistos a “trabalhar em qualquer canto da escola”, observou.
Uma escola com tão poucos recursos levou o CNE a considerar que ali se “fazem milagres”.
As queixas da falta de condições existem. Filomena Ramos lembra a professora de Física que disse ter “muita pena por não poderem ter um laboratório em condições”. A assessora do CNE reconhece que “o laboratório era uma coisa muito rudimentar”, mas, sublinha que nem por isso encontrou na docente qualquer vontade de baixar os braços.
“Não há desistência da parte dos professores porque não têm condições, nem dos funcionários que vivem, por vezes, situações complicadas com os pais e mães”.
O resultado do trabalho de campo da equipa do CNE está agora disponível no relatório “Estado da Educação 2018”, que pela primeira vez escolheu oito exemplos de boas práticas académicas, desde escolas básicas a universidades seniores e instituições de apoio a crianças problemáticas.
À Lusa, a presidente do CNE, Maria Emília Brederode Santos, considerou que estes são casos "inspiradores" do que se faz no país. “Mudar sozinho é quase impossível. Por isso em todos os casos há uma equipa que procura mudar”, sublinha a presidente do CNE, no prefácio do relatório hoje divulgado, onde lembra que “muitas vezes onde é mais necessário mudar é onde há menos condições há para o efeito”.
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