A manhã abriu encoberta, mas com o meio dia a chegar, o sol ia-se encarregando de fazer despir casacos e lassar gravatas no Porto. A imprevisibilidade meteorológica, que aqui ou no mar torna o trabalho dos cientistas mais complicado.

Planeta ou plástico? A contagem decrescente já começou: o planeta está a gritar e, por isso, a National Geographic propôs “ouvir o planeta a partir do Porto”, num dia que arrancou com uma manhã dedicada às crianças. Depois, Brian Skerry, Lucy Hawkes, Paula Sobral, Jamie Butterworth e Claire Sancelot subiram ao palco para mostrar o que estamos a destruir — e como ainda vamos a tempo de o salvar.

Até D. Sebastião desaparece mais depressa que o plástico

Todos os anos, nove milhões de toneladas de lixo acabam no oceano. As estimativas apontam para que lá permaneçam por mais de 450 anos. Se andássemos quatro séculos e meio para trás, encontrávamos o rei Dom Sebastião no trono — e nenhum plástico no mar.

É que este é um problema recente: metade do plástico produzido foi feito nos últimos 15 anos, “mas está a imputar drasticamente o futuro do nosso planeta”, diz a National Geographic em comunicado. Se o plástico ajudou a revolucionar a vida dos humanos que habitam este globo à beira sol plantado, o plástico descartável — como garrafas de água, palhinhas ou sacos — está a gerar milhões de toneladas de resíduos que vão cair numas águas onde já não há caravelas ou reis desaparecidos: mas cargueiros, petroleiros e microplásticos omnipresentes.

Estes resíduos juntam-se à sopa de lixo que os humanos estão a gerar e a deitar na água, ameaçando os ecossistemas marinhos — e assim contribuindo para agravar os problemas que estão a condenar o futuro do planeta e de todos os que nele vivem (incluindo nós, humanos).

Ainda há tempo para salvar o mundo?

Mas, será que ainda vamos a tempo de salvar o mundo? Sebastianismos à parte; Quintos Impérios arrecadados do caminho, será possível encontrar alternativas ao óbito auto-infligido que estamos a promover? Os sete especialistas presentes na Nat Geo Summit 2019 afirmam ao SAPO24 que sim — mas que não há muito mais tempo para iniciar as mudanças radicais necessárias para mudar o rumo do planeta.

“Sou otimista”, diz Claire Sancelot, francesa a viver um estilo de vida desperdício zero em Kuala Lumpur. “Mas temos de o fazer hoje”, alerta. Ana Milhazes, que promove a mesma filosofia em Portugal, concorda com a urgência: “Acho que ainda vamos [a tempo], mas estamos quase a passar a margem para deixar de ter tempo. Todos os dias vão saindo notícias e estudos científicos que nos dizem que já não temos muito tempo — para agir tem de ser já e tem de ser de uma forma radical.”

créditos: PEDRO SOARES BOTELHO / MADREMEDIA

O fotógrafo Brian Skerry, que nadou por mares e oceanos, com tubarões e presidentes, alerta que “as decisões que tomarmos hoje vão determinar o nosso futuro — e se não as fizermos, pode ficar demasiado tarde”. Porém, acredita, “ainda não é tarde demais”.

O mesmo defende Jamie Butterworth, voz da economia circular, que apela a uma mudança de paradigma para travar a exploração desenfreada de recursos: é possível salvar o mundo, todavia a salvação não há de ser com super-heróis: “vai ser preciso não apenas legislação governamental, não apenas investimento em capital e infraestruturas, mas também muita inovação.”

Há tempo — mas muito pouco. “Todo o tempo que se perde em hesitações é mau”, diz a investigadora portuguesa Paula Sobral. “As gerações futuras vão ter muitos problemas por causa de tudo isto que fizemos durante décadas e de que só agora estamos finalmente a ter alguma consciência”. “É preciso que as coisas tomem umas proporções de tal maneira grandes para as pessoas reagirem!”, lamenta.

“Há quanto tempo deitamos lixo nos oceanos? Décadas! Agora, de repente parece que isto surgiu — mas já existe há imenso tempo e ninguém fez nada. E com a crise climática a mesma coisa: será preciso estarmos com água pelo pescoço para se fazer alguma coisa.”

A bióloga Lucy Hawkes diz que há tempo — mas se deixar de haver, os humanos podem desaparecer, no entanto, há outras espécies cuja resiliência nos vai superar: “acredito que a vida animal vai ultrapassar a vida humana. Acho que nos vamos ver livres de nós antes de nos livrarmos dos animais.”

“As tartarugas marinhas, por exemplo, vão viver mais do que os humanos — mesmo com todas as coisas más que lhes estamos a fazer, acho que elas vão sobreviver”, diz, otimista.

Para a exploradora portuguesa Raquel Gaspar, o otimismo não pode vir sem frustração: “Às vezes choro”, conta. “Li noutro dia uma notícia onde se dizia que devido ao aumento da temperatura no oceano, criam-se correntes tão quentes que funcionam como fogos debaixo de água, queimando pradarias: queimam as plantas, as ervas e as algas. Quando soube disso, chorei — parece que a corrente contra é demasiado grande. Mas digo-te: só tenho um caminho que é acreditar e fazer os outros acreditar que é possível e acordar as outras pessoas para isso.”

Planeta ou plástico?

Deborah Armstrong, diretora-geral da National Geographic para a Europa e África, diz que a National Geographic está bem posicionada para olhar para o estado do planeta e procurar soluções. “Uma das coisas que fizemos foi lançar uma procura global por soluções inovadoras” para combater a poluição plástica nos oceanos: com alternativas ao plástico, economia circular e ciência de dados para melhor visualizar o problema.

É nesse contexto que o o compromisso Planeta ou Plástico foi lançado pela National Geographic a nível global no ano passado. No Porto, o objetivo foi “levar os portugueses a pensar e a agir quando colocados perante a opção de escolher entre o futuro do nosso planeta ou a continuação da utilização de plástico descartável”, explica a organização em comunicado.

créditos: PEDRO SOARES BOTELHO / MADREMEDIA

Em Portugal, a legislação já caminha nesse sentido. No início de abril, o parlamento aprovou por unanimidade um projeto de lei de “Os Verdes” para proibir os sacos de plástico ultraleves e as cuvetes de esferovite no comércio de pão, fruta e legumes em junho do próximo ano.

A medida junta-se a outra ambição do governo português, que quer eliminar já no segundo semestre de 2020 a colocação no mercado de produtos como palhinhas, talheres e pratos ou alguns sacos.

Empresas, municípios e o próprio Estado estão a avançar para a proibição, redução ou eliminação de utensílios e objetos de plástico de uso único. Nalgumas faculdades, como a de Engenharia, no Porto, as máquinas de café que abastecem as horas de estudo dos estudantes foram trocadas por outras mais inteligentes, que permitem o uso de recipientes dos alunos, ou dispensam copos em papel.

O caminho para salvar o mundo está à vista — agora, falta percorrê-lo.