Escusando comparações entre o Bloco de Esquerda e o PCP, António Costa começou este debate reconhecendo que "apesar de existirem divergências insanáveis" com o partido liderado por Jerónimo de Sousa, o balanço da legislatura é positivo. Sem querer "diminuir a exigência que o PCP colocou nesta relação", o líder do governo considera que há motivos para que ambos se sintam "honrados" pela posição conjunta assumida há quatro anos em que "tudo o que foi assinado foi cumprido e cuja dinâmica permitiu ir mais além" — nomeadamente ao nível das "atualizações extraordinárias das pensões, recuperação de alguma justiça para longuíssimas carreiras contributivas, passes sociais", enumerou.

À "honra" assumida por António Costa, Jerónimo de Sousa respondeu que prefere "valorizar o que é de valorizar", nomeadamente aquilo que se conseguiu "num quadro muito exigente": primeiro, "desbloquear uma solução institucional" e, depois, "encetar um processo de reposição de direitos e rendimentos, direitos, alguns deles, que muitos consideravam perdidos".

Já sobre aquilo que pode vir a ser um relacionamento futuro, o líder comunista recorre à gastronomia e ao humor: "confiança obviamente existe perante coisas concretas. Como dizia a minha mãe, a melhor prova do pudim é comê-lo".

Se Jerónimo de Sousa "chutou para canto" quanto a um possível entendimento entre PS e PCP numa futura legislatura, Costa não fez por menos: "em função dos resultados eleitorais veremos que condições existem". E deixou a farta: "O PS tem assumido por inteiro os resultados desta governação. Vejo que, designadamente o PCP, assume uma parte e designa as limitações. Nós temos orgulho de chegar ao fim de quatro anos e dizer que cumprimos tudo o que assumimos com os portugueses e os nossos parceiros parlamentares, e tudo o que assumimos com a União Europeia. E temos conseguido provar que estes compromissos não eram incompatíveis".

A resposta chegou mais tarde — "recuso-me a aceitar responsabilidades em matérias com as quais discordo" —, com Jerónimo de Sousa a preferir clarificar a estratégia do PCP nestas eleições: "Se hoje colocamos a necessidade do reforço do PCP, isso tem a ver com aquilo que foi alcançado e com o caminho que é necessário continuar a fazer".

Recusando a ideia de que o PCP perdeu com a "geringonça" — "o PCP neste processo teve uma intervenção de grande valor" — destaca que só o reforço do partido pode evitar que se ande para trás: "O António Costa já referiu que nós temos divergências de fundo, por exemplo em relação à legislação laboral. O PS convergiu connosco neste processo, mas sempre que houve dificuldades a opção era encostar ao PSD e CDS para fazer aprovar essa legislação. E é por isso a nossa preocupação em andar para trás e a importância do reforço do PCP".

Perante as críticas do líder comunista às alterações à legislação laboral, concretamente sobre o alargamento do período experimental, António Costa convidou Jerónimo de Sousa a "comparar o que é comparável".

O líder do PS começou por salientar que "a legislação que vai entrar em vigor a 1 de outubro" representa uma "fortíssima limitação da precariedade" uma vez que "o ser jovem deixa de ser fundamento para a essência do contrato a prazo. Em segundo lugar, os contratos a prazo que tinham um máximo de três anos passam a ter dois anos e as renovações são limitadas — o conjunto de renovações não pode exceder o primeiro período de contrato. Há uma penalização para a empresas que abusem do recurso ao contrato a prazo e há medidas importantes para as jovens famílias, que são, primeiro, a criação do complemento de creche, de 60 euros por mês, e a proposta de aumentar a dedução fiscal por cada filho, e aumentando consoante o número de filhos".

E apesar de reconhecer que "efetivamente o período experimental aumenta, [este aumenta] com duas condições: os estágios passam a ser contabilizados no período experimental e este não pode ser antes ou no contexto de um contrato a prazo. Isto reforça muito as condições de empregabilidade", defendeu Costa.

Ainda sobre o período experimental, Jerónimo de Sousa criticou o facto de este ser "para todos os setores, independentemente da complexidade da profissão", e, quando acaba, o jovem "não tem direito a indemnização, a subsídio de férias ou a férias. Tem um estatuto menor". E salientou: "A questão dos salários e dos direitos, com toda a modernidade que hoje existe, continua a ser central na vida das pessoas".

António Costa replicou que "há que comparar o que é comparável": "A situação hoje em dia é que os contratos a prazo podiam durar até seis anos, agora é seis meses no quadro de um contrato definitivo. Verificado esse período experimental, fica um contrato para a vida, e essa é uma fortíssima medida de combate à precariedade". Citando outros exemplos, António Costa considerou que "esta é a primeira legislação aprovada no mundo do trabalho desde 1976 que, em vez de comprimir os direitos, alarga os direitos dos trabalhadores".

"Eu admito que o PCP gostaria que fôssemos mais além, agora o que não podem dizer é que este é um retrocesso, porque este é um avanço muito importante", reiterou o líder do PS.

Jerónimo de Sousa replicou tirando dividendos do passado: "Meu caro António Costa, há muitos anos, em 1976, veja lá, foi aprovada por iniciativa do Partido Socialista a lei dos contratos a prazo. Leia a argumentação e fundamentação do PS, da excecionalidade, da sazonalidade, e foi a fenda na muralha da legislação laboral que permitiu que hoje existam centenas de trabalhadores com vínculos precários". "Taxar as empresas que abusem dos vínculos precários... Acho que qualquer patrão faz contas e mais vale pagar a taxa e manter os vínculos precários do que ter de resolver o problema de fundo", acrescentou o líder comunista.

Costa, por seu turno, recorreu a números: "Mais importante do que diz a lei é aquilo que é a realidade económica, e a realidade económica demonstrou que dos 350 mil novos postos de trabalho criados, 92% foram contratos definitivos, [sinal de] que as empresas estão com confiança no futuro da economia e do país. E mais, as empresas que são empresas a sério sabem que hoje a qualidade dos seus recursos humanos é fundamental (...) Se as empresas querem ser competitivas a vender, têm de ser competitivas a contratar", salientou.

Questionado sobre se considerava o PS um partido de direita, Jerónimo de Sousa recusou a ideia: "Não dizemos que o PS é um partido de direita, pratica é políticas de direita e este exemplo da legislação laboral é significativo".

Já sobre o salário mínimo nacional — o último tema em debate — até se encontraram convergências.

António Costa salientou que, face ao aumento de 20% do salário mínimo conquistado, "o acordo que se tem de fazer sobre rendimentos em concertação social já não pode ser só de salário mínimo". "Nos últimos quatro anos o salário médio liquido mensal subiu 9% para o conjunto dos trabalhadores, menos do que os 20% do salário mínimo nacional. Temos de fazer um esforço conjunto e negociar com os parceiros sociais para que haja uma recuperação significativa dos rendimentos mais global e que não se limita ao salário mínimo nacional", explicou.

Assinalando a "convergência aparente", Jerónimo de Sousa salientou a "necessidade de valorização geral dos salários para trabalhadores do setor publico e privado", assim como "o reforço significativo do salário mínimo nacional", com os 850 euros como meta.

As últimas perguntas do debate moderado por Clara de Sousa visaram em particular António Costa e Jerónimo de Sousa. O primeiro escusou esclarecer de irá convidar Mário Centeno a integrar um próximo Governo (sem, porém descartar por completo e com referências a futebol em dia de fecho de mercado de transferências), já o segundo escusou reduzir a sua atividade política ao resultado das eleições.

Costa sobre Centeno: "A primeira questão é saber se eu serei primeiro-ministro. (...) Aquilo que posso dizer é que Mário Centeno é candidato a deputado, está comprometido com a atividade política, todos fazemos uma avaliação positiva do trabalho que desenvolveu (...). Não vou estar aqui a formar um governo sem ter mandato para o formar. Os convites para o governo farei quando tiver legitimidade para os fazer". Depois de muito fintar a resposta, Costa acabou por dizer que "quem tem de formar uma equipa não deixa no banco, com certeza, os melhores que pode pôr a jogar".

Já Jerónimo de Sousa considera-se parte da solução e não do problema do PCP — "é a opinião dos meus camaradas" e destaca: "há quem afunile a vida para as eleições, as eleições são muito importantes, mas reduzir a minha atividade ao resultado das eleições... então estaria aqui a mais com certeza".

Este foi o primeiro de 12 frente a frente e um debate a seis nas televisões este mês.

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