Foram precisas várias horas de trabalho para que a equipa de trabalhadores conseguisse retirar a estátua com mais de 400 quilos e mais de dois metros de Thomas Jefferson da assembleia da Câmara Municipal de Nova Iorque, na passada segunda-feira, lugar que habitava 187 anos.
A decisão de retirar a estátua deste antigo presidente norte-americano, um dos pais fundadores dos Estados Unidos e primeiro autor da Declaração de Independência do país, foi tomada há mais de um mês e está relacionada com o passado esclavagista de Jefferson e surge na sequência de um debate que se intensificou após a morte de George Floyd, um homem negro que asfixiado por um polícia e que deu origem ao movimento Black Lives Matter.
As desigualdades raciais evidenciadas pela pandemia provocada pelo novo coronavírus e a discussão sobre se os monumentos dos confederados, que defenderam a escravidão durante a guerra civil americana, deveriam ser retirados fazem parte desse movimento que tem vindo a crescer com força no último ano.
Já antes deste movimento, vários vereadores latinos e negros da assembleia nova-iorquina reivindicavam há anos a retirada da estátua de Jefferson.
Principal autor da Declaração de Independência em 1776 e terceiro presidente dos Estados Unidos (1801–1809), Jefferson escravizou mais de 600 pessoas e teve seis filhos com Sally Hemings, uma dessas pessoas escravizadas.
"Saber que nos sentávamos na presença de uma estátua em homenagem a um proprietário de escravos, que acreditava fundamentalmente que pessoas como eu não mereciam ter os mesmos direitos e liberdades que ele apontava na Declaração de Independência deixa-me numa situação profundamente desagradável", disse aquando do anúncio da decisão a vereadora afro-americana Adrienne Adams.
Após fortes discussões sobre a futura localização da estátua, a comissão também decidiu que será transferida para a Sociedade Histórica de Nova Iorque, que aceitou o empréstimo com a finalidade de "proteger o trabalho artístico e proporcionar as oportunidades de exibi-la num contexto educativo e histórico".
A professora da Faculdade de Direito de Harvard e especialista em Jefferson, Annette Gordon-Reed, também negra, não concordou com a decisão da Câmara.
"Entendo porque as pessoas querem retirá-la, embora não esteja de acordo. Seria bom que fosse exibida, acompanhada de uma explicação", escreveu no Twitter.
"Seria bom para todos. Poder-se-ia pensar em todo tipo de informação para acompanhá-la. Serviria para o objetivo histórico", acrescentou.
A estátua, feita em gesso seguindo o modelo em bronze de Jefferson exposto na rotunda do Capitólio, em Washington, foi encomendada em 1833 por Uriah P.Levy, o primeiro judeu comodoro na Marinha americana, para comemorar o apoio de um dos pais da Pátria à liberdade religiosa nas Forças Armadas.
Realizada pelo célebre artista francês Pierre-Jean David d'Angers, a estátua exposta em Washington foi dedicada ao povo americano e a cópia em gesso chegou à Câmara de Nova Iorque por volta de 1834.
Em 2019, a cidade de Jefferson, Charlottesville, na Virgínia, decidiu deixar de celebrar o feriado comemorativo do aniversário deste líder revolucionário que, junto com George Washington, John Adams, Benjamin Franklin, Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, uniu as Treze Colónias e liderou a guerra da independência do Reino Unido, que originou o surgimento dos Estados Unidos nas últimas décadas do século XVIII.
Assim como muitas regiões do mundo, como se viu recentemente com Cristóvão Colombo, cujo papel tem sido questionado pelos povos indígenas na América Latina, a cidade de Nova Iorque começou a refletir sobre muitas figuras históricas.
O presidente da câmara daquela que é uma das principais cidades norte-americanas, Bill de Blasio, anunciou que revisaria os "símbolos do ódio" da cidade depois dos distúrbios protagonizados por supremacistas brancos em 2017 em Charlottesville, Virgínia, que começaram como um simples protesto contra a retirada da estátua de Robert E. Lee.
Assim, foi retirada a estátua do pai da ginecologia moderna, Marion Sims, que aperfeiçoou suas técnicas usando escravas, e foi aprovada no começo do ano a retirada da de Theodoro Roosevelt, que fica na entrada do Museu de História Natural, o que ainda não se concretizou.
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