A ressaca dos Jogos Olímpicos de Paris2024 já passou, o novo ciclo olímpico já está em curso, mas mesmo assim, pergunto. Que balanço faz da participação nacional?
Para olharmos para o que foi o ciclo de Paris 2024, temos de olhar para o que foi o ciclo de Tóquio 2020, e o efeito que teve de os Jogos se desenvolverem um ano depois. Foi bastante mais curto, três anos, algo inédito, e isso condicionou, de certa forma, muito do que se fez para Paris 2024. Mas, permitiu que as bases que levaram aos resultados de Tóquio pudessem, no fundo, continuar visíveis em Paris 2024.
Los Angeles 2028. Que desafios acarreta?
Para Los Angeles 2028, temos desafios distintos. Passa a ser, novamente, um ciclo normal de quatro anos, é noutro continente e isso vai implicar, em termos logísticos, novamente custos acrescidos, à imagem de Tóquio e é sempre um fator a considerar. E vai haver também uma mudança de paradigma e de ciclo a nível diretivo do COP que é importante ressalvar.
Estão previstas cinco novas modalidades para LA2028 - squash, críquete, lacrosse, basebol e flag football (futebol americano com menor contacto). Qual a sua perspetiva em relação aos novos desportos?
O programa Olímpico não se deve restringir sempre às mesmas modalidades, até porque estas vão evoluindo, vão tendo mais ou menos presença no planeta. Mas só fará sentido que uma modalidade seja olímpica a partir do momento que realmente tem uma presença vasta, digamos assim, nos diversos continentes.
Percebo que o país que organiza os Jogos Olímpicos tenha, não digo privilégio, mas essa questão de indicar algumas modalidades que fazem sentido no contexto nacional do país que as organiza, e, por isso, nos Estados Unidos da América vão surgir novas modalidades que fazem sentido muito para os Estados Unidos.
Enquanto tivermos uma base de recrutamento de atletas tão reduzida, vamos sempre continuar a ter estas questões de termos poucas medalhas, porque o número de atletas que temos inseridos no Alto Rendimento e inseridos em projetos olímpicos ainda é reduzido, face àquilo que são os números de outros países.
Mas nem tanto para outros países o que levanta dificuldades em construir atletas?
Foi uma das conclusões do encontro dos Comités Olímpicos Nacionais, no Estoril. Traz desafios muito grandes para muitos Comités Olímpicos. Para alguns, é difícil que se consiga criar as condições para ter representações nessas modalidades que foram escolhidas pelo Comité organizador, mas que têm pouca expressão, às vezes, em muitos países, não há um quadro competitivo regular. Confesso a minha ignorância, não conheço a nível nacional se existirá competição regular das modalidades que estão anunciadas para os Jogos de Los Angeles, mas é um desafio enorme.
No caso português, as novas modalidades olímpicas (surf e skate, por exemplo), e que permanecem, os resultados têm sido bons e, por outro lado, temos assistido a uma transição das tradicionais (atletismo) para outras (ciclismo).
O país tem aumentado o leque de modalidades onde tem obtido resultados de revelo, e isso é fruto realmente do investimento feito. É justo que se diga que nessas modalidades mais recentes e essas federações criaram e deram condições para que os atletas pudessem expressar o seu potencial no terreno de jogo.
Temos níveis de financiamento público inacreditavelmente inferiores àquilo que acontece em muitos países da União Europeia.
Voltemos para o ciclo LA2028. Começou, digamos, aos soluços com o anúncio da verba no Orçamento de Estado a ser inferior à que estava prometida e depois uma retificação. É tudo só uma questão de dinheiro?
O financiamento do desporto é uma condição sine qua non quando pensamos em resultados de excelência. É uma relação quase direta. Quanto maior o investimento a nível da alta competição, maiores as probabilidades, por isso digo que não é direto, de alcançarmos resultados de excelência.
Mas não é só dinheiro, repito?
Não. Temos uma base baixa de recrutamento de atletas no país. Não sou eu que digo, são os números que falam e remeto para um relatório que indicava os níveis de atividade física no país, números são de 2022 a 2023 são claros: 75% da população não praticava qualquer atividade física, ou índices de atividade física residuais, e a média europeia era abaixo dos 50%.
Poucos atletas, menores as possibilidades de medalhas. É aí que quer chegar?
Ainda estamos longe dos indicadores europeus. Há aqui um trabalho que terá de ser feito a vários níveis, e enquanto tivermos uma base de recrutamento de atletas tão reduzida, vamos sempre continuar a ter estas questões de termos poucas medalhas, porque o número de atletas que temos inseridos no Alto Rendimento e inseridos em projetos olímpicos ainda é reduzido, face àquilo que são os números de outros países.
Não existe ainda a perceção a nível do país de que o investimento no desporto não é só para termos mais medalhas, não é só disso que se trata.
Menos dinheiro, nem atletas. Resolve-se esse problema pelo financiamento?
O financiamento que muitos destes países também fazem, não só na base, mas também no Alto Rendimento, é bastante díspar daquilo que é feito em Portugal. O Comité Olímpico de Portugal encomendou um estudo à PwC - para averiguar de que forma eram feitos os financiamentos a nível europeu. Está disponível no site do COP.
E os números não mentem. Temos níveis de financiamento público inacreditavelmente inferiores àquilo que acontece em muitos países da União Europeia. O tema é recorrente, porque este financiamento continua abaixo daquilo que seria expectável para obtermos melhores resultados.
Mas o dinheiro do OE não é só conquistar medalhas. Onde pode ser aplicado?
É importante ressalvar: não existe ainda a perceção a nível do país de que o investimento no desporto não é só para termos mais medalhas, não é só disso que se trata. É tudo aquilo que é subjacente a termos maiores índices de atividade física, são os estilos de vida saudável, é uma menor pressão no sistema nacional de saúde, uma identidade que criamos a nível nacional daqueles atletas que representam o país.
Portanto, são todos fatores que ainda não são considerados para a maioria da população como sendo mais-valia para aquilo que seria o apoio que deveríamos dar ao desporto. E, enquanto não tivermos esta perceção geral, será difícil que o financiamento público aumente.
O que é que atletas, federações ou COP podem fazer?
Todos nós temos de trabalhar nesse sentido. Não vamos inventar a roda. Há estudos, programas, trabalhos realizados nesse âmbito que provam que o investimento no desporto traz, normalmente, melhorias para a sociedade em geral.
Para além da alta competição, é também para financiar o desporto escolar e criar infraestruturas?
Não é só a questão do financiamento das infraestruturas, porque há modalidades, a vela, canoagem, BTT, surf e outras, cujos campos de jogos, vamos chamar assim, são naturais, ou a maior parte deles são naturais. Nestas modalidades, o investimento que deve ser feito não é propriamente na infraestrutura, embora, por exemplo, nas sociedades náuticas, obviamente, é preciso chegar ao mar, ter um posto de acesso, ter postos de abrigo, algo que nas atividades náuticas estão inseridas num outro contexto, e usufruem desse espaço que é criado. Mas depois, o investimento que é preciso fazer para os equipamentos que são utilizados, que não acontece em muitas outras modalidades, esse investimento não é contemplado, ou não é majorado.
Pode concretizar?
Dou um exemplo muito pragmático. Um miúdo que resolveu nadar, compra um fato de banho, óculos, paga a inscrição num clube e vai nadar numa piscina (municipal). Mas, para que aquela piscina funcione, o Estado, e bem, construiu a piscina, financiou a instalação, em muitos dos casos trata de todos os encargos inerentes ao funcionamento daquela instituição, manutenção e funcionários. Se os nadadores tivessem de pagar o real valor que seria necessário aportar a cada utilizador, pagar tudo aquilo que está inerente aos custos para nadarem numa piscina, ninguém nadaria. Ou nadariam, só os que têm uma paixão pela natação tão grande, que estão dispostos a pagar para praticar essa modalidade.
Portanto, há modalidades mais bafejadas por esse investimento estatal que outras?
Falo da natação, mas é observável no ciclismo, pavilhões, infraestruturas que foram, e bem, construídas, mas o Estado não teve essa capacidade de olhar para todas as modalidades de uma forma equitativa. Apoiou umas mais do que outras, porque não conseguiu perceber que, de facto, havia modalidades em que o campo de jogos era de “graça”, e o que eles precisavam era de chegar lá. E aqui entra a vela, como exemplo contrário. Só anda à vela quem têm uma paixão de tal forma forte pela modalidade, que estão dispostas a pagar e a mudar a sua vida toda para poderem comprar os equipamentos, porque o Estado não assegura isso. Estamos a falar de equipamentos que custam muitos milhares de euros.
Portanto, há discrepância no financiamento e dos fins do mesmo?
O estudo do Comité Olímpico de Portugal, refere exatamente isso, a discrepância que existe no financiamento que é feito, não só no nível de infraestruturas, mas também na aquisição de equipamentos. Dou um exemplo. A Finlândia, cuja parte que era atribuída à compra de equipamentos - skis, caiaques, barcos à vela, etc - era 66 vezes superior àquela que era executada aqui em Portugal.
Se olharmos para Paris, metade das medalhas está associada à construção de Centros de Alto Rendimento, canoagem e ciclismo de pista. Há uma correlação entre infraestruturas e resultados que aparecem, por norma 10 a 15 anos depois?
É importante ressalvar a componente que referiu. O período que leva a que um atleta possa ser atleta olímpico e possa realmente lutar por medalhas, são os tais 10, 12, 15 anos. O investimento feito agora vai ter efeitos daqui a 10, 12, 15 anos. E os CAR que foram construídos começam a dar resultados.
O professor José Manuel Constantino era uma figura ímpar, tinha uma densidade cultural e é insubstituível. Atrevo-me a dizer que é um desafio enorme para quem se apresenta como candidato.
Referiu no início da entrevista que a sucessão em curso no COP é um dos desafios para o ciclo Los Angeles2028. Como analisa este momento?
Tive o privilégio de acompanhar o trabalho realizado pelo professor José Manuel Constantino e a sua equipa e de ter estado nos dois últimos ciclos olímpicos, primeiro como Presidente da Comissão Olímpica, no ciclo para Tóquio2020 e depois como Vogal da Comissão Executiva, no ciclo para Paris2024.
É justo que se diga, com base numa conceção do desporto, foi fascinante de seguir. Conseguimos, digo no plural, sob a batuta do professor José Manuel Constantino, trazer novamente resultados de revelo para o desporto nacional. Por isso, há aqui um sentido de responsabilidade daqueles que estiveram envolvidos ao longo destes anos na prossecução deste programa de poder, no fundo, perpetuar e melhorar.
Pelo que diz, gostaria que a linha de José Manuel Constantino se mantivesse?
O professor José Manuel Constantino era uma figura ímpar, tinha uma densidade cultural e é insubstituível. Atrevo-me a dizer que é um desafio enorme para quem se apresenta como candidato. Dito isto, saúdo, acima de tudo, a coragem de José Manuel Araújo em aceitar o desafio. É uma pessoa com quem tenho lidado ao longo dos últimos anos e que tem, realmente, esta perspetiva de responsabilidade, tem uma relação muito boa com as federações, uma sensibilidade muito particular em relação aos diversos desportos que compõem o universo olímpico, mas não só. Não tem um arco político por trás. E se conseguir criar à sua volta uma equipa que, no fundo, possa continuar a aprofundar este projeto, tenho a certeza de que o legado de José Manuel Constantino continuará no próximo ciclo e, quem sabe, mais para a frente.
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