O Parque Florestal do Nordeste, onde se localiza o Centro Ambiental do Priolo, funcionou como centro de operações do IV Atlas do Priolo, a iniciativa que decorre a cada quatro anos, organizada pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).
“Quando soube do evento, inscrevi-me logo. É uma ideia excelente. Não só para a minha a formação. É sempre gratificante reunir com voluntários de tantos sítios, conhecer gente nova e estar no meio da natureza”, confessou à Lusa Irene Llamas, uma das voluntárias.
A estudante de gestão florestal de 20 anos, natural da Andaluzia, ficou tão “entusiasmada” que antecipou a viagem para São Miguel, onde vai realizar um programa Erasmus na Universidade dos Açores: “Tinha de vir mais cedo para aqui estar”.
Durante os primeiros dias, os voluntários receberam formações sobre os censos de aves e sobre o projeto desenvolvido nos últimos 20 anos pela SPEA e pelo Governo dos Açores, que permitiu retirar o priolo do patamar “criticamente em perigo de extinção”.
“É um bom exemplo que deve ser seguido. Antes, não sabia que existia uma ave [apenas] aqui da ilha. É fascinante perceber que há uma ave que só existe nesta zona e que se alimenta da floresta típica dos Açores. Devemos todos contribuir para o sucesso da causa”, acrescentou Irene Llamas.
Atualmente, a ave endémica açoriana é considerada “vulnerável”, a classificação mais baixa para espécies em risco de extinção, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza, uma vez que a população se tem mantido estável nos mil animais.
Depois da formação, a contagem dos priolos vai decorrer num só dia, com os voluntários divididos em zonas específicas dos concelhos do Nordeste e da Povoação.
Quando a agência Lusa esteve no local, os participantes, organizados por grupos, realizavam exercícios em diferentes zonas do Parque Florestal com o objetivo de adivinhar a distância de um determinado alvo, um treino para conseguirem precisar as distâncias quando avistarem um priolo.
“Estamos a ter formações de coisas que não conhecia. Está a ser muito enriquecedor”, confidenciou Catarina Sousa, natural da Lombinha da Maia, em São Miguel.
Catarina está no continente a estudar medicina veterinária e soube do Atlas através da comunicação social. Decidiu ser voluntária para contribuir para a defesa da “fauna tão única dos Açores”, de que o priolo é o “melhor exemplo”.
“As pessoas vêm [para o Atlas] devido à beleza da biodiversidade. É uma ave tão única, tão específica dessa zona. Se desaparecer, perde-se para sempre. É algo que só existe mesmo cá. Por isso, acho que todas essas pessoas, apaixonadas pela natureza e pelos animais, vieram em busca de ajudar nessa conservação”, reforçou.
A passagem pelo Atlas vai ajudar Laura Outeiro, 22 anos, num trabalho de Ecologia. A espanhola, estudante de Biologia, está a realizar Erasmus nos Açores e foi uma professora que a despertou para o evento.
“Foi pelo interesse próprio de conhecer a fauna dos Açores que conheci o priolo e a sua história. É uma história fascinante. Para mim, foi conhecer uma realidade completamente diferente. Não tem nada a ver com o que existe na Galiza”, explica.
Ao todo, entre voluntários e organização, a iniciativa junta 75 pessoas, com a SPEA a assegurar o alojamento, o transporte e alimentação em São Miguel.
“No fim do dia, são mesmo as pessoas que contam e o ambiente aqui é fantástico”, realçou Nelson Correia, de 50 anos, natural de Lisboa.
O mecânico automóvel de profissão passou os últimos dois anos entre a capital e a freguesia rural do Faial da Terra, na Povoação. Agora, já tomou a decisão de, neste verão, se “mudar definitivamente para os Açores”.
“Esta necessidade de cuidar da natureza é algo que sinto muito aqui. Temos de começar a cuidar das coisas. As que estão a desaparecer e as que existem”, afirmou.
Jovens e menos jovens estão “unidos” na proteção do priolo. Quem o diz é Aníbal Xavier, de 59 anos, que se sente na “perfeição no meio de tanta juventude”.
Oriundo da Póvoa de Varzim, já tinha estado em São Miguel com a família. Desta vez, veio sozinho para a “aventura” de contar priolos.
Tratou-se de uma “oportunidade” para quem está na situação de pré-reforma e “sempre gostou e respeitou as aves”, considerou o antigo técnico de telecomunicações, que transportou para São Miguel a experiência de participações na miragem de pássaros na Reserva Ornitológica de Mindelo.
“É uma aventura. Eu gosto da natureza. Aproveitei para vir cá e aliviar o stress da vida, descansar. Mas, ao mesmo tempo sair da zona de conforto e conviver com essas pessoas, que a maioria é mais nova do que eu. É uma coisa boa para valorizarmos o outro e a natureza”, indicou.
Com um grupo tão diversificado, há uma “variedade de motivações” para participar no evento, como reconhece a coordenadora do SPEA nos Açores, Azucena de La Cruz: há quem venha pela “curiosidade”, pela “aventura de uma semana de convívio” ou devido à “parte científica”.
No final, é mesmo a pequena ave açoriana, que tem entre 15 a 17 centímetros, que junta dezenas de pessoas em torno de uma causa comum.
“Creio que a população já está mais sensível para a importância da preservação do priolo. Muitas vezes já não é possível recuperar aves da situação crítica em que o priolo esteve. Mas, felizmente, foi possível, sobretudo graças à restauração da laurissilva dos Açores”, explica Azucena de La Cruz.
A responsável da SPEA no arquipélago deixa, contudo, o alerta: “nada está garantido”.
“Vulnerável é ainda estatuto de perigo. É o estatuto mais baixo dentro das categorias de perigo, mas ele não está fora de risco de extinção. As espécies invasoras são muito difíceis de combater. Isto continua a ser uma missão”, conclui.
Priolo é “espécie bandeira” para a conservação da laurissilva dos Açores
A coordenadora nos Açores da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) considerou hoje que o priolo é uma “espécie bandeira” para a “conservação” de muitas outras integradas na laurissilva da região, que se encontra ameaçada.
Em declarações à agência Lusa, Azucena de la Cruz alertou que os Açores têm um “problema grave de invasão de espécies exóticas”, como a conteira, a cletra ou o incenso.
“A laurissilva e as turfeiras, que são os ‘habitats’ nativos, retêm água que depois nos permitem ter água disponível nas nascentes. Há uma série de benefícios associados em mantermos os habitats nativos que muitas vezes não são reconhecidos”, afirmou.
Desde 2003 que a SPEA e o Governo dos Açores realizaram vários projetos para aumentar a população do priolo, em tempos apontada como a ave mais rara da Europa, devido à classificação “criticamente em perigo de extinção”.
Atualmente, a ave endémica açoriana é considerada “vulnerável”, a classificação mais baixa para espécies em risco de extinção, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza.
Segundo a responsável pelo SPEA no arquipélago, a população do priolo encontra-se estável, rondando os 1.000 indivíduos, que vivem nos concelhos da Povoação e Nordeste, na zona oriental da ilha de São Miguel.
“Ao longo dos anos, através da recuperação de um habitat que é único nos Açores, que é a laurissilva dos Açores, ao mesmo tempo que estávamos a conservar o priolo, estávamos a conservar muita outra diversidade”, destacou.
A preservação do priolo foi conseguida devido ao trabalho de recuperação da fauna e da flora nativa dos Açores, tendo sido removidas espécies invasoras e reflorestada a laurissilva dos Açores, com a plantação de ginga do mato, de uva da serra, de cedro do mato, de faia da terra e de louro dos Açores.
“[O priolo] é uma espécie bandeira para a conservação de muitas outras espécies, de plantas, artrópodes e de muitos seres vivos que existem dentro da laurissilva. Muitos desses ecossistemas também trazem benefícios para as pessoas”, reforçou.
Azucena de la Cruz avisou que é preciso continuar a realizar um “esforço para controlar as espécies exóticas”, caso contrário o “priolo pode voltar a ficar em perigo”.
“Não está nada garantido. O problema das espécies invasoras é que elas estão em toda a ilha. Estamos a fazer um trabalho numa área pequena, mas elas estão lá fora e continuam a estender-se”, concluiu.
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