"É preciso uma grande dose de fé e um grande exercício de negação do óbvio para dissociar essa decisão de interferência política no poder judicial, cuja credibilidade sai beliscada", afirmou, em declarações à Lusa, em Luanda, Luaty Beirão, reagindo à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que considerou que a aplicação da lei da amnistia em Angola aos factos imputados a Manuel Vicente, no processo Operação Fizz, "não põe em causa a boa administração da Justiça".
"Numa altura em que parece haver um esforço colossal para levar alguns dos mais ilustres bandidos mascarados de políticos e empresários às barras dos tribunais, esta decisão pode constituir um revés na perceção do cidadão português acerca do seu sistema de Justiça e, por arrasto, da qualidade da sua democracia", lamentou Luaty Beirão, um dos 17 ativistas que chegou a cumprir pena, em 2016, por condenação do tribunal de Luanda.
O Tribunal na Relação de Lisboa considerou na quinta-feira que a aplicação da lei da amnistia aos factos imputados ao ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, no processo Operação Fizz, "não põe em causa a boa administração da Justiça".
Segundo a decisão, a que a agência Lusa teve acesso, a potencial aplicação pelas autoridades judiciárias de Angola da lei da amnistia aos factos imputados ao antigo governante "faria parte do funcionamento normal de um mecanismo do sistema jurídico angolano e não põe em causa a boa administração da justiça".
Além do argumento de que a boa administração da Justiça "não se identifica sempre e necessariamente com a condenação e o cumprimento da pena", os juízes Cláudio Ximenes e Manuel Almeida Cabral entendem, por outro lado, que, caso haja condenação, também a reinserção social justifica a continuação do processo contra o ex-presidente da petrolífera Sonangol em Angola.
O Tribunal da Relação de Lisboa deu razão ao recurso da defesa determinando que o processo contra Manuel Vicente prossiga em Angola, num caso em que o Ministério Público português lhe imputou crimes de corrupção ativa, branqueamento de capitais e falsificação de documento.
Na decisão, os juízes tiveram em conta a resposta do procurador-geral da República de Angola de que não haveria possibilidade de cumprir uma eventual carta rogatória para audição e constituição de arguido e que Manuel Vicente, depois de cessar funções como vice-Presidente, "só poderia ser julgado por crimes estranhos ao exercício das suas funções decorridos cinco anos sobre a data do termo do mandato".
Contactada pela Lusa, a Procuradoria-Geral da República disse que "a referida decisão não é passível de recurso".
Em janeiro, o Presidente angolano, João Lourenço, afirmou que as relações entre Portugal e Angola vão "depender muito" da resolução do processo de Manuel Vicente e classificou a atitude da Justiça portuguesa até então como "uma ofensa" para o seu país.
"Lamentavelmente [Portugal] não satisfez o nosso pedido, alegando que não confia na Justiça angolana. Nós consideramos isso uma ofensa, não aceitamos esse tipo de tratamento e por essa razão mantemos a nossa posição", enfatizou João Lourenço.
Para a defesa do ex-governante angolano, as questões relacionadas com Manuel Vicente deviam ser analisadas pela justiça angolana, apontando mecanismos previstos no Direito Internacional e nos Direitos internos em matéria de cooperação judiciária.
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