Dylan da Silva e Hugo Abreu, à data dos factos ambos com 20 anos, morreram e outros nove instruendos sofreram lesões graves e tiveram de ser internados durante a denominada 'Prova Zero' (primeira prova do curso de Comandos) do 127.º curso de Comandos, que decorreu na região de Alcochete, distrito de Setúbal, a 04 de setembro de 2016.
Hoje, perante o coletivo de juízes, que está a julgar 19 militares do Exército, todos do Regimento de Comandos, Vítor Silva e Lucinda Araújo relataram que o filho único de ambos partilhou com eles vários episódios de agressões, ocorridos ainda no decurso da fase de preparação/estágio, que durou algumas semanas e que antecedeu a 'Prova Zero'.
Os também assistentes no processo contaram que o filho chegou um dia a casa com um “olho negro” porque o “instrutor Rodrigues (arguido) lhe deu dois murros”, pois “não estava a posicionar bem a arma”, e que a mesma lhe viria a atingir o olho, fruto do impacto dos murros.
Outro dos episódios descritos aconteceu quando Dylan da Silva, natural de Ponte de Lima, distrito de Viana do Castelo, chegou num fim de semana a casa e disse estar com dores no maxilar porque “o mesmo instrutor lhe tinha batido”.
Numa outra ocasião anterior, o recruta Dylan da Silva apareceu em casa de muletas e com o pé inchado, porque não podia andar, em resultado de uma entorse. O pai do recruta disse que foi com ele ao hospital, uma vez que no “Exército não fizeram nada nem lhe trataram do pé”. No hospital deram-lhe um pé elástico e pediram para que colocasse gelo no pé.
Os pais do jovem contaram ainda ao tribunal que quando foram ao Hospital do Barreiro, o filho já estava em coma e com falência multiorgânica, apresentando vários cortes no corpo, com zonas esfoladas e com partes dos braços e das pernas negras.
Vítor Silva referiu que um médico lhe disse para “tirar fotografias” ao corpo do filho, pois aquela “não era uma situação normal” e “que nunca vira ninguém naquele estado”.
Lucinda Araújo, que à semelhança do que tem acontecido sempre que comparece no tribunal, trazia vestida uma camisola preta na qual está estampada uma foto do filho com ela, revelou que, até hoje, “nunca houve um contacto nem nenhuma explicação” de alguém do Exército.
O único contacto, acrescentou, deu-se através de uma psicóloga indicada por este ramo das Forças Armadas que a seguiu aquando da morte do filho e durante algum tempo depois.
A mãe de Dylan da Silva afirmou ao coletivo de juízes que discordava da opção do filho de ingressar nos Comandos, mas que sempre respeitou a sua escolha, acrescentando que o filho queria conquistar a boina dos Comandos e ser “o orgulho” da família. Nesse momento, o pai, que já tinha prestado declarações, abandonou a sala a chorar.
Dylan da Silva viria a morrer cerca de uma semana após o internamento, no Hospital Curry Cabral, em Lisboa, para onde foi transferido do Hospital do Barreiro, quando aguardava transplante de fígado.
Os pais de Dylan da Silva pedem 400.000 euros de indemnização ao Estado e aos arguidos.
O julgamento dos 19 militares do Exército, acusados de vários crimes relacionados com a morte dos dois recrutas no curso de Comandos prossegue durante a tarde de hoje com a inquirição de um dos militares que sofreu lesões durante o 127.º curso de Comandos, o qual se constituiu também assistente no processo, reclamando 40.000 euros ao Estado e aos arguidos.
Em junho do ano passado, o Ministério Público deduziu acusação contra os 19 militares do Exército, todos do Regimento de Comandos, considerando que os mesmos atuaram com "manifesto desprezo pelas consequências gravosas que provocaram" nos ofendidos.
Os oito oficiais, oito sargentos e três praças, todos militares do Exército do Regimento de Comandos, a maioria instrutores, estão acusados, ao todo, de 539 crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física.
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