Prestar tributo à “data gloriosa”, dia de "libertação da palavra amordaçada”, é o objetivo do artista plástico António Colaço ao caligrafar aquele ícone da revolução, que pôs termo a 48 anos de ditadura em Portugal, e devolveu a democracia aos portugueses permitindo-lhes “falar, discutir e discordar”, acrescentou o artista à agência Lusa.
"Palavril" é também o “corolário” de uma exposição com trabalhos de António Colaço que, no dia 04 de abril, será inaugurada nos corredores do rés-do-chão do edifício principal do parlamento, acrecentou.
Cinquenta trabalhos de pintura e escultura compõem a mostra, com que o ex-assessor parlamentar do Partido Socialista (PS), durante mais de 20 anos, pretende assinalar meio século de atividade plástica que foi conciliando com a vida profissional.
A mostra será apresentada pelo padre Anselmo Borges e, entre outros, contará com a presença do contratenor João Paulo Ferreira e do social-democrata Vasco Estrela, presidente da Câmara de Mação, vila onde a chaimite ficará posteriormente colocada, numa rotunda, enquanto a exposição será mostrada na biblioteca municipal daquele concelho.
A mostra inclui seis trabalhos inéditos elaborados com material carbonizado da horta da casa que tem em Mação, numa homenagem aos pequenos proprietários deste concelho do distrito de Santarém que viram as hortas devastadas pelos fogos do verão de 2017, que consumiram 18.000 hectares de terreno no concelho.
A "menina dos olhos" de António Colaço é, porém, a chaimite que, ao longo de mais de um mês, foi caligrafando na Unidade de Apoio Geral de Material do Exército (UAGME), no concelho de Benavente, concretizando uma ideia “com quase três anos”, confessou à Lusa.
A ideia ocorreu-lhe quando o coronel Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril, de que António Colaço também é sócio, um dia mencionou que o Estado-Maior do Exército “iria disponibilizar à associação” três chaimites, que estavam “para abate”, contou.
“E eu, de imediato, disse-lhe: 'Quero uma para mim'”.
Naquela chaimite que fez parte do contingente militar português, destacado na Guerra da Bósnia [entre 1992 e 1995], o ex-assessor do PS desenhou e pintou cravos dourados, colocou cravos vermelhos no lugar onde estava a metralhadora e pintou, a caneta branca, uma composição gráfica, exercitando o “lado gestual da escrita”.
O trabalho baseia-se na técnica de caligrafia semelhante à que praticava na escola primária, prestando também assim um tributo à professora primária, indicou.
“Não se consegue ler só o meu nome que ali está como coisa visível”, sublinhou à Lusa, acrescentando que “cada um fica ao dispor de imaginar as mensagens e as palavras que quiser”.
O que pretendeu – sustentou – foi “reforçar” a simbologia ligada ao "Movimento dos Capitães", numa tentativa de quem olhar para o veículo blindado não o ver apenas como “um instrumento de guerra”, mas como um “instrumento de paz”, que “devolveu” aos portugueses a paz liberdade que não tinham.
E porque “o 25 de Abril merece tudo”, como afirma, António Colaço decidiu pintar as jantes da chaimite de dourado. “Não o ouro do capital”, mas o ouro “enquanto matéria preciosa”, como o 25 de Abril de 1974 foi para os portugueses, precisou.
Ao longo de mais de um mês, as árias “Ombra mai fu” e “Lascai qu´io pianga”, de duas óperas de Handel - "Serse" e "Almira", respetivamente -, cantadas pelo contratenor João Paulo Ferreira, acompanharam e o trabalho de António Colaço, entre militares e civis do Centro de Manutenção da UAGME.
"A conceção artística é minha, mas a existência da 'Palavril'" não está dissociada da “colaboração, camaradagem e o contributo de todos desta unidade”, frisou.
E o trabalho realizado na chaimite foi também um exercício de resistência e insistência de António Colaço, após um acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico que sofreu há um ano, em 18 de março de 2018, e que lhe deixou sequelas na fala e nos membros do lado direito.
Por isso, a caligrafia da chaimite foi também um exercício de motricidade, essencial na fase de recuperação em que se encontra. Uma insistência que também designou como “libertação” – à semelhança da "Revolução dos Cravos" -, e que muito lhe “agradaria” que servisse de exemplo para pessoas com limitações como as dele, porque ninguém “se deve resignar ao que lhe acontece”, sublinhou.
“A sociedade precisa de todos”, frisou, acrescentando que não vive para pintar, pinta porque vive.
António Colaço lamenta apenas que “Palavril” não seja colocada onde gostava de a ver: num canto junto à escadaria da Assembleia da República, por considerar que “não perturbaria nada", nem mesmo a cerimónia das comemorações dos 45 anos da Revolução.
“Antes pelo contrário, era um ícone do 25 de Abril”.
A “Palavril” é uma das “dez a 12” viaturas blindadas desmilitarizadas, que o Estado-Maior do Exército (EME) tem cedido, sobretudo, a câmaras municipais, para fins museológicos, explicou à Lusa o tenente-coronel Rebola, chefe do Centro de Manutenção da UAGME.
Para serem cedidas – ao abrigo de um protocolo de cedência entre o EME e os organismos que formalizam os pedidos – as chaimites passam pelo processo de “desmilitarização”: retirada do trem de potência, inutilização do depósito de combustível e trancamento do sistema de direção.
Depois, as viaturas são pintadas, também nas oficinas na UAGME, e estão “preparadinhas” para irem para exposição, acrescentou.
Tão ‘preparadinha’ como a “Palavril”, que fica agora em exposição pública, porque há 45 anos “Portugal teve um AVC positivo que nos fez sair de 48 anos de fascismo”, concluiu António Colaço.
Comentários