“O relatório vem apenas demonstrar o que tem sido referido por diversas vezes pelos parceiros sociais da saúde”, disse Miguel Guimarães, dando como exemplo os hospitais, que estão, segundo o documento, “à beira de um ataque de nervos” por causa das dificuldades de tesouraria.
“Os hospitais têm um problema muito grande ainda não resolvido. Diz o relatório que estão à beira de um ataque de nervos e é verdade, estão suborçamentados e é verdade”, afirmou o bastonário, exemplificando: “Hoje, uma direção num hospital sabe que vai ter dinheiro para pagar aos recursos humanos até ao fim do ano, mas sabe que, à partida, não vai ter dinheiro a partir de determinado mês (junho/julho) de pagar os medicamentos”.
“Isto fora todas as outras coisas (…) [os hospitais] não têm capacidade da renovar equipamento, não têm capacidade para fazer contratações nem para ter flexibilidade na gestão. Estão completamente aprisionados pelas ARS [administrações regionais de saúde], as ARS estão aprisionadas pelo Ministério da Saúde e o Ministério da Saúde está totalmente aprisionado pelo Ministério das Finanças”, afirmou.
O Relatório de Primavera 2018, do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), hoje divulgado, diz que os hospitais públicos estão endividados e “à beira de um ataque de nervos” e continuam marcados pela intervenção da ‘troika’, apesar de o país já não se encontrar sob intervenção externa.
“É uma situação grave e que não permite aos hospitais como um todo darem a resposta adequada às necessidades que os doentes têm e à variabilidade que pode acontecer na capacidade de resposta”, afirma Miguel Guimarães.
O bastonário diz ainda que “quanto mais longe do poder central mais este efeito se nota”.
“As direções dos hospitais mais centrais dialogam diretamente com o Ministério da Saúde, mas os que estão mais longe não”, afirmou, sublinhando: “Não se compreende que não haja mais investimento na saúde. O Serviço Nacional de Saúde está a afundar-se”.
Outras das questões apontadas no Relatório de Primavera têm que ver com o facto de as nomeações dos conselhos de administração dos hospitais continuarem a ser políticas e com a falta de uma reforma hospitalar efetiva.
A este respeito, Miguel Guimarães lembra que “a avaliação do desempenho do que é a atividade dos hospitais nunca chegou a avançar”, lembrando o grupo criado para o efeito, mas que nunca apresentou resultados.
“Se a reforma dos Cuidados de Saúde primários ficou congelada, a reforma hospitalar nunca chegou a avançar (…). Não há perspetivas, não há uma ideia nova, não há discussão e isto tem de mudar”, acrescentou.
Sobre o recurso às cesarianas, que o relatório do OPSS diz ter atingido “proporções epidémicas” nos últimos 20 anos em Portugal, o bastonário da Ordem dos Médicos defende que a questão está centrada na literacia em saúde.
“A educação para a saúde é fundamental”, alerta Miguel Guimarães, sublinhando que só com melhor informação e com medidas de saúde pública que façam chegar a informação às grávidas, dizendo que é muito melhor para a sua saúde ter um parto normal do que uma cesariana, é que a questão se pode minorar.
O bastonário recorda a taxa de cesariana no setor privado, que é o dobro da do público e ultrapassa já os 60%, e defende que, neste caso, “o Governo não tem feito nada para corrigir a situação”.
“O Ministério da Saúde tem de ter o ponto de situação dos profissionais que trabalham no setor privado e social, como estão distribuídos e o que fazem (…). O ministro não é ministro do Serviço Nacional de Saúde, mas sim ministro da Saúde. É responsável pela política do SNS, mas também tem responsabilidades de regulação do setor privado e social”, disse.
Para o bastonário, “a política de saúde está a ser desastrosa para o SNS e, se não acautelarmos a situação, valorizando a saúde dos portugueses e passando a ver a saúde como um investimento e não como uma despesa (…) o SNS fica descaracterizado”.
“Se isto não acontecer, o que tem sido caracterizado como uma as principais conquistas da democracia, a par da liberdade de expressão, fica seriamente afetada”, concluiu.
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