Em Alfarela de Jales, Vila Pouca de Aguiar, uma ação de fogo controlado para gestão de combustíveis serviu de aula prática para os formandos do curso de “operacional de queima” que está a ser promovido pela associação Terra Maronesa.
O formador Marco Ribeiro começou por explicar todos os procedimentos e o intenso e rigoroso trabalho de preparação que antecede a realização da queimada.
O engenheiro florestal, especialista na área de comportamento de fogo, referiu que as características do combustível da parcela, a vegetação ali existente, bem como as condições meteorológicas (temperatura, vento) e a humidade do solo, são fatores que influenciam a dinâmica do fogo. É preciso também uma autorização prévia por parte das entidades competentes.
“Se tudo estiver equilibrado podemos avançar. Consoante a validação que fazemos ao terreno, definimos uma estratégia e um plano B”, salientou.
A ação foi sempre acompanhada por uma equipa de sapadores florestais e o olhar atento dos formandos. No total são 20, dos quais 17 são pastores e criadores de gado de Vila Pouca de Aguiar, Murça ou Mondim de Basto.
António Moutinho, de 63 anos e criador de vaca maronesa, em Souto, realçou a importância do curso.
“Nós não temos capacidade para fazer a gestão dos matos que se vão acumulando nas áreas que a gente pastoreia e há lugares onde não é possível, o gado não consome a vegetação toda e os matos vão-se acumulando e não têm forma de os destruir”, contou à agência Lusa.
E as queimadas são, segundo referiu, “uma ótima forma de fazer a gestão desses matos, essencialmente para o pastoreio e também para a prevenção de incêndios, serve os dois objetivos”.
“O fogo poderá ser um instrumento essencial para nós gerirmos melhor as nossas áreas de pastoreio”, referiu.
O criador de gado apontou as “limitações” do recurso aos meios mecânicos, a irregularidade dos terrenos e o custo elevado.
Francisco Carocha, de 50 anos e que possui 280 cabras e 20 vacas maronesas, em Cidadelha de Jales, disse tratar-se de “um ensino bom e rigoroso” e “onde se aprende a melhor maneira de como se fazem as coisas”. “Cuidados temos que ter todos”, frisou.
Para este pastor, a “regeneração das pastagens é muito importante” e lamentou que, atualmente, “está muita coisa a monte porque ninguém limpa”.
“O fogo ajuda. É uma técnica importante. Mais barata e nesta altura não dá cabo de nada, não são incêndios fortes como são no pleno verão”, salientou.
Mário Queirós, 47 anos, vem de Bilhó, Mondim de Basto, onde é gestor de baldios, presidente de junta e produtor de 80 vacas maronesas. Vem para aprender, mas confessa-se “a ovelha negra” porque não é “muito adepto do uso do fogo”.
“Sei que há queimadas que podem fazer sentido, mas não sou apologista”, referiu, acrescentando que defende mais o trabalho feito pelo homem.
Juliana Salvação, faz parte da equipa formativa e usa um drone como instrumento de trabalho.
Primeiro, explicou, faz-se uma análise prévia ao terreno a intervencionar, para identificar áreas de risco e densidades da vegetação.
Durante a ação, o drone acompanha as frentes de fogo e o desenvolvimento de rescaldo e, durante todo o processo, recolhe imagens fotográficas e de vídeo que são depois, analisadas por todos e podem ajudar, se for necessário, a corrigir procedimentos.
O curso envolve a Aguiarfloresta - Associação Florestal e Ambiental de Vila Pouca de Aguiar e a LENHOTEC. Está ainda associado à Escola de Pastores que arranca em maio e vai ter como sala de aula a serra do Alvão.
Duarte Marques, da Aguiarfloresta, disse tratar-se de um “curso pioneiro em Portugal”, mas referiu que já acontece, por exemplo, nos Pirenéus e “destacou a importância da formação”.
“Ou seja, os pastores também terem noção das exigências necessárias e os cuidados a ter neste tipo de processos”, salientou, especificando que a renovação das pastagens “é uma necessidade que eles dizem que têm”.
O curso, de 200 horas, teóricas e práticas, possui os módulos: comportamento fogo, fogo controlado, prevenção de incêndios rurais e vigilância e primeira intervenção em incêndios rurais.
O objetivo é capacitar e certificar os pastores para a realização da queimada de forma segura, mas Duarte Marques ressalvou que o “processo é demorado” e requer que, durante algum tempo, eles sejam acompanhados por técnicos especializados.
E será sempre, acrescentou, necessário cumprir um plano de fogo que determinará áreas onde se possa proceder a esta técnica, a qual só pode, também, ser usada numa determinada “janela temporal”.
“O caminho é formar, capacitar os agentes que estão envolvidos, de forma a que o processo seja mais seguro, que responda melhor às suas necessidades porque não podemos esperar um mês, dois meses, para utilizar uma queima, não podemos criar muitas barreiras administrativas e burocráticas”, salientou.
Marco Ribeiro afirmou que, com o fogo frio ou fogo bom, o dano é “completamente diferente” da “destruição da vegetação e matéria orgânica” verificadas nos incêndios de verão.
“Nesta altura, tendo em conta a época em que estamos, abril, temos condições ainda de humidade no solo que nos garante que essa mesma camada de matéria orgânica fica completamente intacta”, explicou o especialista.
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