Para o músico Pedro Barroso, primeiro subscritor da petição pública colocada na Internet, a iniciativa "não é uma crítica religiosa”, pois “cada um acredita naquilo que acredita, mas é evidente que o milagre é um embuste, uma farsa, uma má encenação com cem anos, tempo já para ter sido desmascarado e que hoje em dia se tornou um negócio".
Uma tentativa de explicação para a pouca adesão à iniciativa e a grande afluência ao santuário poderá estar em a razão ser ultrapassada pela emoção, “que quase se pode tocar” em Fátima, como relatam autores como Patrícia Carvalho.
A tese de que os “acontecimentos na época foram urdidos, planeados e tramados - entre a dúvida inicial e a posterior complacência da Igreja Católica - numa era de grande obscurantismo cultural e com evidente aproveitamento dessa rústica ignorância”, referida na petição, retoma argumentos reunidos em várias publicações críticas, algumas ainda durante o Estado Novo.
Entre os primeiros críticos de Fátima estão o teólogo jesuíta belga Edouard Dhanis (1944), que não esconde as “dúvidas” suscitadas pelas Memórias de Lúcia, e o escritor e jornalista republicano Tomás da Fonseca, que em 1958 reúne no livro “Na Cova dos Leões” um conjunto de cartas publicadas no jornal República sobre a situação política e as relações entre o regime e a igreja.
Trata-se de uma versão revista e aumentada de “Fátima, cartas ao cardeal Cerejeira”, de 1955, em que Tomás da Fonseca acusava o patriarca de Lisboa de saber e não querer “pôr cobro a semelhante malvadez – para não dizer indignidade –, como a Cova da Iria tem enriquecido alguns e empobrecido tantos!”.
Em “Fátima Desmascarada”, João Ilharco (1971) esforça-se igualmente por expor as contradições e evidenciar a falta de credibilidade de Lúcia, questões igualmente presentes nas “Perguntas sobre Fátima”, do padre dominicano João Oliveira de Faria (1975), que insiste no questionamento de historiadores e teólogos com a publicação de “Perguntas sobre ‘Fátima II’” (1987).
Mário de Oliveira, o “padre da Lixa”, uma das vozes mais críticas da atualidade, tendo o seu primeiro livro sobre “o maior embuste do século” surgido em 1999, “Fátima Nunca Mais”, seguindo-se, em 2015, “Fátima $A”, resultado do “mergulho” e “desmontagem” das “entrelinhas” existentes na “Documentação Crítica de Fátima”, 15 volumes publicados entre 1992 e 2013 pelo Santuário de Fátima sob orientação do atual delegado do Conselho Pontifício da Cultura, no Vaticano, Carlos Azevedo.
Sem o “radicalismo” de “anti-fatimistas” como Mário de Oliveira, um outro padre, Salvador Cabral, publicou, em 2000, “Fátima Nunca Mais ou Nunca Menos”, que atribui à mentalidade e à prática religiosa da época responsabilidade na “imaginação mística” dos pastorinhos.
A análise crítica de Fátima foi enriquecida nos últimos anos pelo trabalho de historiadores, antropólogos, jornalistas, com investigações que propõem um olhar “rigoroso” e “desapaixonado” sobre o fenómeno de Fátima.
A títulos como “Videntes e Confidentes, um estudo sobre as aparições de Fátima”, do antropólogo Aurélio Lopes (2009), ou “O Sol Bailou ao Meio-Dia, a criação de Fátima”, do historiador Luís Filipe Torgal (2011), juntaram-se, nos últimos meses, obras como “Fátima, Milagre ou Construção?”, da jornalista Patrícia Carvalho, “Fátima, Milagre, Ilusão ou Fraude?”, do jornalista irlandês Len Port, ou “A Senhora de Maio, Todas as Perguntas Sobre Fátima”, dos jornalistas António Marujo e Rui Paulo da Cruz, entre outras.
No essencial, a partir do contexto político, social e cultural da época – com a laicização da sociedade por parte do regime republicano, num período em que decorria a I Grande Guerra, com a participação de soldados portugueses, e grassavam a fome e a doença –, e dos documentos produzidos desde os primeiros momentos até à conclusão das Memória de Lúcia, há um esforço para ajudar a “perceber um pouco mais” o fenómeno.
Patrícia Carvalho escreve na introdução ao seu livro que procurou uma linguagem “clara”, sem o “caráter tantas vezes apologético dado às ‘aparições’ por figuras da Igreja” ou o “ataque e acusações gratuitas que marcaram os primeiros trabalhos jornalísticos da imprensa republicana”.
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